terça-feira, 20 de março de 2012

Pina: Wim Wenders presta um hipnotizante tributo à coreógrafa alemã

 

Se utilizando do 3D de forma soberba, Wim Wenders mergulha a plateia na fascinante obra de Pina Bausch, mostrando como a artista transformava emoções e sentimentos em movimentos ritmados.

Avaliação: NOTA 10
 


A função mais fundamental da arte não é expressar uma emoção, mas transmiti-la para o público. Em um mundo como o nosso, abarrotado de diferentes linguagens, idiomas, jargões, costumes e pensamentos tão diversos, transmitir um estado emocional se torna uma tarefa deveras complexa. No entanto, poucas coisas são tão universais quanto o ato de dançar. E raras pessoas possuíam a sensibilidade necessária para transformar o subjetivo em movimento como a coreógrafa alemã Pina Bausch, falecida em junho de 2009, aos 69 anos.

Seu compatriota, o cineasta Wim Wenders, resolveu prestar-lhe uma homenagem. Então, produziu, escreveu e dirigiu este tributo intitulado simplesmente “Pina”. No entanto, Wenders não a honrou com um mero documentário, repleto de cabeças flutuantes contando uma história. Tal como a coreografa, ele valorizou a linguagem universal do movimento em um espetáculo no qual a obra dessa talentosíssima mulher assume o palco central.

Não é só a relação entre música e coreografia que tornam a fita uma experiência magnífica, mas testemunhar o que a tessitura formada por estes dois meios criam. A música define a dança e a dança define a música, tal como tempo e espaço dão sentido um ao outro. O caráter de linguagem universal do ato de dançar é ressaltado pelos depoimentos dos dançarinos em seus idiomas pátrios. O que vemos sendo dito em inglês, francês, espanhol, alemão ou português pode ser resumido nos movimentos de suas performances.

Wenders, no documentário “Janela da Alma”, falou sobre a importância dos óculos. Neste pequeno interlúdio, cito as palavras do cineasta. “Quando tinha uns 30 anos, tentei usar lentes de contato. Mas quando eu estava com as lentes, vivia procurando os óculos. Eu via bem com as lentes, mas sentia falta do enquadramento. Acho que sua visão é mais seletiva e você tem consciência do que realmente vê. Quando estou sem óculos, sinto que vejo demais. Eu não quero ver tanto. Quero ver com restrição, mais enquadrado”.

O pensamento de Wenders se aplica, em vários sentidos, em como ele trabalhou nesta sua homenagem a Pina. Não sabemos nada sobre sua vida pessoal, infância ou família. Não precisamos saber. Essas informações simplesmente não são relevantes. Inseri-las seria exatamente o que o cineasta quis dizer com “ver demais”. O importante é definir e nos apresentar à crença maior da homenageada: “Dance, dance… Caso contrário, estaremos perdidos”.

O enquadramento também assume função primordial na produção por conta do uso da tecnologia 3D. Wenders compõe cada um dos quadros de maneira absolutamente perfeita, fazendo com que os dançarinos ocupem pontos chave da tela para que o eixo Z seja explorado da melhor forma possível. Isso pode ser visto especialmente na magnífica interpretação de Le Sacre du Printemps”, exibida durante o primeiro terço da projeção.

Interessante notar que, enquanto nossa visão da tela é enquadrada pelos óculos 3D, as próprias imagens que vemos ali parecem também emolduradas, seja pelo próprio palco ou, quando a ação ocorre em ambientes externos, por simulações deste.

Ressalte-se o belo trabalho de montagem da fita que, mesmo tendo um ritmo bastante específico, prende o público e sempre nos espanta com fabulosas transições. Em dado momento, dois dançarinos estão estudando um modelo do palco e discutindo a utilização de cadeiras no cenário de “Café Muller”, uma das coreografias encenadas. Em seguida, há uma transição estupenda para a própria dança.

Posso dizer seguramente que a fotografia 3D deste longa é, ao lado de “A Invenção de Hugo Cabret”, a melhor que pude ver em um cinema. Isso porque, nos dois filmes, o terceiro eixo possui uma importância narrativa, não servindo apenas um mero eye candy para o público, ajudando a aprofundar o espectador em uma verdadeira experiência artística.

Em certo ponto, alguém explica que determinado movimento na coreografia que está sendo executada significa alegria, felicidade. É exatamente isso do que se trata a dança e o que Pina fez: a tradução do sentimento, da emoção, em ação. Recomendado!
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Guerra é Guerra: comédia reúne clichês, mas ainda diverte pontualmente

 

Química do elenco salva a produção do total desastre.


Avaliação: NOTA 5
 


As comédias românticas tomam conta da indústria cinematográfica e as mais variadas histórias já vistas tantas vezes tentam se reciclar em filmes quase sempre pouco inspirados. Apenas tentam. Como já é de costume, exigir originalidade ou mesmo técnica primorosa na concepção dessas películas é um tiro no pé, já que elas são feitas apenas para entretenimento rápido e garantir bilheteria por meio de seus atrativos, que quase sempre são os atores envolvidos.

Em “Guerra é Guerra” não é diferente. A trama conta a história de Lauren, interpretada pela oscarizada Reese Witherspoon, uma mulher que não tem uma vida sentimental regular. Ao se deparar com o ex-namorado e sua atual noiva, ela percebe que já está passando do tempo de conseguir um relacionamento estável. É quando sua amiga Trish, vivida pela ótima Chelsea Handler, sugere que ela entre no universo online e busque um namorado.

Apesar da resistência em caçar na internet, Lauren se depara com um perfil dela criado por Trish e logo conhece Tuck (Tom Hardy), um agente secreto que está suspenso. Após uma missão mal sucedida ao lado de seu companheiro FDR (Chris Pine), os dois passam por períodos ociosos no escritório onde trabalham. Em uma festa de família, eles também são alfinetados por serem solteiros. Corre tudo bem durante o primeiro encontro de Tuck e Lauren, mas o que eles não esperavam é que FDR também se esbarrou com a garota acidentalmente em uma locadora. A partir de então, os amigos tentam conquistar o coração de Lauren e se transformam em rivais, o que compromete a parceria profissional.

Nada de novo no front. Comédias românticas com pitadas de ação têm aparecido aos montes nas salas de cinema, como os recentes “Par Perfeito” e “Encontro Explosivo”. O diferencial de “Guerra é Guerra” é a tentativa de mostrar a mulher como fruto de uma disputa, potencializando seu poder feminino e dando a ela a chance de escolher com quem ficar sem se rastejar por homem algum. Dessa forma, Tuck e FDR se tornam meras crianças que tentam a todo custo conquistá-la, inclusive usando suas equipes de investigação para conhecer melhor a moça.

O conjunto de situações que o roteiro monta para mostrar essa disputa retoma os clichês do gênero, mas que são bem conduzidos devido à química e empatia do elenco. Witherspoon, Pine e Hardy levam um pouco de personalidade àqueles conflitos quase sempre superficiais. E conseguem. Não fossem por eles, o filme estaria fadado ao completo fracasso, já que os roteiristas Timothy Dowling e Simon Kinberg não dão profundidade ao argumento e se contradizem com facilidade. São os atores que pegam o roteiro vazio e conseguem nos fazer rir pontualmente durante a projeção, com o público dando um desconto aos exageros e às impossibilidades.

Se Lauren é para ser o objeto de desejo, então seria a oportunidade perfeita para ela se transformar em uma mulher alfa. Mas o roteiro mostra um poder feminino doce e confuso, colocando a personagem em situações bobas, como a dúvida se vai para a cama com Tuck e FDR para ver quem tem o melhor desempenho. Há uma inconstante desconstrução do machismo, mas que sempre cai novamente na visão da mulher romântica, o que já não é mais tão divertido assim.

Outro deslize é que nunca os companheiros de investigação dos rapazes questionam o monitoramento da vida de Lauren, se contentando apenas com o motivo de que ela pode estar envolvida com o paradeiro de um criminoso russo. Aliás, a trama paralela deste bandido é totalmente descartável, já que acrescenta apenas a previsibilidade de que a mocinha certamente correrá perigo no terceiro ato da película, para que os dois agentes possam se unir novamente e recuperar a parceria profissional.

O diretor McG também não ajuda para a composição daquele universo. Experiente com cenas de ação, em “Guerra é Guerra” ele parece estar muito mais à vontade conduzindo Pine e Hardy em tiroteios e explosões do que trabalhando os conflitos dos seus personagens. Mas tudo bem, não é novidade que o cineasta não tem um histórico de direção de elenco. Dessa forma, McG desaparece em seu próprio filme, não deixando nada positivo na comédia. A péssima dupla de edição Nicolas De Toth e Jessie Driebusch quebram o ritmo do longa em vários momentos e acentuam os problemas de continuidade.

Sem grandes inspirações, “Guerra é Guerra” se junta às comédias que devem ser apreciadas apenas pelo bom entretenimento que, acima de todas as falhas, ainda acontece devido ao elenco competente que resolveu emprestar seu talento para um filme ordinário e sem diferenciais. E ao fim da projeção, a escolha da protagonista é óbvia e confirma que não tinha necessidade de fazer tanta cerimônia para resolver aquele impasse amoroso.
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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), é especialista em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e arte educador na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.

Shame: filme ousado retrata a vida de um homem viciado em sexo

 

Rotina do personagem sai dos eixos após a chegada da irmã mais nova em filme inquietante com Michael Fassbender e Carey Mulligan.


Avaliação: NOTA  9
 


Brandon Sullivan (Michael Fassbender) é um profissional bem sucedido, charmoso e admirado pelo seu chefe David (James Badge Dale).  Porém, esconde-se em uma vida dupla, em que coleciona encontros com prostitutas, masturba-se no banheiro da empresa e abarrota o HD do computador do trabalho com pornografia dos mais diversos gêneros e gostos.

Com esta trama densa, o competente diretor londrino Steve McQueen (do premiado em Cannes “Hunger”) constrói a história de “Shame”, sobre um personagem dominado pelos próprios desejos desenfreados em sexo. Porém, tudo mudará de figura com a chegada da irmã mais nova Sissy (Carey Mulligan) que, carente de presença masculina, lhe tirará toda a liberdade, complicando ainda mais seu distúrbio psicossomático.

Tratando com seriedade um tema ainda considerado tabu na sociedade conservadora neste século, acompanhamos a angústia de Brandon em suprir sua urgência sexual como única prioridade, ou seja, o sexo pelo sexo. Como todo vício, acaba por acarretar problemas no trabalho, nas relações afetivas e em sua autoestima.

Em noites regadas a bebidas, mulheres e solidão, Brandon se vê diante do conflito do envolvimento da irmã com o próprio chefe, além da perda da liberdade que possuía em manter em sigilo seu descontrole comportamental, que vai do charme à lascívia em questão de segundos, desembocando em uma rispidez mais do que incômoda.

Com vergonha da própria condição, seus segredos vão emergindo aos poucos, especialmente diante da irmã que, também com problemas emocionais, sempre usou de ferramentas perigosas para exteriorizá-las. E neste ambiente angustiante e silencioso, McQueen conduz uma trama de qualidade, mostrando personagens à margem de si mesmos e dos que o rodeiam, com tensão e melancolia constantes.

Com uma aura de drama oitocentista retratando um yuppie solitário, “Shame” expõe os conflitos de um personagem que, momentos depois do gozo, reinicia suas fantasias, seja de modo idealizado ou concreto. Uma compulsão similar a outras, como drogas e álcool onde, após o efeito das substâncias, o dependente sente um desejo incontrolável de recomeçar a sua busca por alívio de uma tensão constante. E dentro do próprio silêncio, Brandon se afunda cada vez mais em seus próprios desvios.

Além da direção competente de atores e de um roteiro que abusa de frases de efeito e de silêncios entrecortados pela tensa trilha sonora de Harry Escott, o filme nos ganha pela fotografia lavada de cinza, repleta de sombras e luzes de efeito, nos mostrando uma Nova York sombria  e marginal com seus inferninhos, onde sexo é entregue de bandeja.

Ousado, o filme não se intimida em oferecer cenas de sexo para lá de convincentes e planos de nu frontal de Fassbender e de Mulligan. A dupla, inclusive, é uma grande aposta que dá certo no longa. Ele, indicado ao Globo de Ouro e ao BAFTA e vencedor de Melhor Ator no Festival de Veneza, mistura charme e uma melancolia intrínseca e palpável, necessários ao papel. Ela, por outro lado, se livra um pouco de sua aura de menina doce e assume um personagem mais adulto, arriscando até mesmo uma interessante cena na qual canta o clássico “New York, New York” para a megalópole que os abrigou. Cidade, esta, que poderia constar nos créditos como uma personagem crucial para o desenvolvimento da história.

Com tantos méritos, “Shame” realmente nos oferece cenas memoráveis, como o franco e sincero diálogo entre os irmãos em frente à TV ou quando Brandon, em um bar, aborda uma mulher comprometida e destila suas mais despudoradas fantasias sexuais. E nesta ode de um homem com sérios problemas de intimidade, que ficam ainda mais claros quando de seu envolvimento com a colega de trabalho Marianne (Nicole Beharie), o filme não esclarece a natureza dos problemas de carência que permeiam a dupla principal.

A origem dos distúrbios não é explicada – e talvez nem tenha uma raiz exata que os originou –, porém o egoísmo de Brandon em satisfazer apenas a si mesmo pode desencadear consequências graves e irreversíveis. Diante desta ausência, que poderia frustrar o público, a trama desemboca em uma busca do próprio espectador por respostas, sejam elas possíveis ou inatingíveis. E diante de um final ambíguo, fica a pergunta que nunca quis calar: “o que faz com que sejamos dominados por nossos desejos?”.
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Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.

Anderson Silva – Como Água: doc simplista sobre o novo ídolo do esporte

Sem grandes pretensões, produção se arrasta para contar a história de uma luta épica, que é maniqueísta por si só.

Avaliação: NOTA 6
 


Depois de tantos documentários dedicados a geniais músicos brasileiros, o esporte nacional acaba de receber uma atenção merecida do gênero. Mas foi preciso um diretor norte-americano para alcançar tal feito. Em “Anderson Silva: Como Água”, o estreante Paulo Croce aproveita-se da nova febre mundial e mira suas câmeras no MMA, mais especificamente no mais aclamado de seus lutadores, o brasileiro Anderson Silva. Ao fugir de lugares comuns, o cineasta alcança um resultado atípico, que, porém, esbarra em uma simplicidade exagerada e em maniqueísmo advindo de seus próprios personagens.

Não se trata de um doc que visa contar a história de vida de seu protagonista. Na verdade, pouco sabemos sobre a família de Silva, além do fato de que possui quatro filhos e mantém uma relação bastante estável com a esposa. O foco está na preparação nos EUA para uma específica luta que ele irá realizar em poucos meses, e tudo depois de uma polêmica defesa de título que o fez ganhar detratores, além de ter decepcionado outros tantos, como o próprio Dana White, presidente do UFC, o Ultimate Fighting Championship.

Logo, em seu objetivo de apresentar Anderson Silva em um curto espaço de tempo, falta material para conhecermos melhor o profissional e o que faz dele tão diferente dos outros. Pouco da técnica especial do lutador é exibida, além de alguns treinos de ataque e defesa nada explicativos para leigos no assunto. A pouca participação e depoimentos de especialistas no ramo, ou mesmo de seus treinadores, também contribui para tal sensação. Elogios de executivos a colegas de trabalho nunca se aprofundam sobre a temática, permanecendo no nível dos adjetivos.

Por outro lado, o homem Anderson é apresentado com mais cuidado e delicadeza, seja ao mostrá-lo, por diversas vezes, falar por telefone com a família enquanto a saudade não pode ser compensada ou deixar claro a sua religiosidade ao flagrá-lo rezando após sua luta. Descontruindo o preconceito carregado por profissionais das artes marciais, Paulo Croce sabe como se aproveitar de uma personalidade tranquila e descontraída, que jamais deixa os filhos e a esposa em segundo plano e que também é dona de um humor inspirado e sarcástico que ajudam a transformar seu oponente em um vilão dos mais odiados.

Chael Sonnen, o lutador que terá o desprazer de enfrentá-lo em alguns meses, já é uma caricatura por si só, que fica ainda maior quando comparada à tranquilidade de Silva. O diretor do filme até tenta exibir um Sonnen diferente daquela figura arrogante que ele mesmo fez questão de construir, especialmente ao mostrá-lo treinando alguns jovens. Mas as declarações disparadas na imprensa pelo norte-americano são difíceis de ignorar e Paulo Croce acaba caindo nessa armadilha que contribui para que o futuro confronto adquira um tom maniqueísta.

E é nesse fato de trazer atos de estupidez por parte de Sonnen seguidos de respostas à altura do brasileiro que “Como Água” perde ritmo, mesmo com seus cerca de 70 minutos de duração. A impressão, por diversas vezes, é de que a produção poderia ser encurtada em meia hora ou buscar ampliar a abrangência de seu objeto. Tentando criar expectativa em torno de seu ato final, o documentário se alonga com repetições e ênfases desnecessárias. E quando o momento de os dois entrarem no octógono chega, não há nada de muito especial guardado pelo diretor.

Croce, porém, mantém uma relação de naturalidade com seus personagens. Em diversas sequências, impressiona o nível de realismo alcançado pelo cineasta, arrancando momentos de descontração e de sincera seriedade, especialmente por parte Anderson Silva. Pena que conheçamos tão pouco deste profissional impressionante que merecia um documentário melhor, assim como um adversário mais respeitável. Com uma carreira ainda em construção, o lutador ainda tem material suficiente para uma futura história bem mais interessante.

___ Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

Protegendo o Inimigo: thriller de ação critica a agência do governo americano

 

Embora a trama seja bem desenvolvida, o discurso sócio-político falha pela superficialidade.

Avaliação: NOTA 6
 


Nos últimos anos, um sentimento de desilusão tem tomado conta de muitas das grandes produções de Hollywood. Embora isto não seja novidade, hoje é mais perceptível como o atual contexto sócio-político global e o acesso fácil às informações que antes eram omitidas da população batem de frente com a ideologia conservadora americana. A fórmula do mocinho e do bandido, que tanto veiculou determinados valores e interesses, tem sido revista e questionada. Tais figuras não encontram mais correlatos reais, uma vez que cada atitude das pessoas e dos personagens agora é racionalizada e julgada de forma menos ingênua.

Dirigido por Daniel Espinosa, “Protegendo o Inimigo” traz um pouco dessa visão crítica, embora dê mais atenção a outros aspectos. Trata-se da tortuosa missão de um inexperiente agente da CIA chamado Matt Weston (Ryan Reynolds). Inicialmente, sua tarefa era apenas a de tomar conta do abrigo para o qual seria levado o famoso ex-agente Tobin Frost (Denzel Washington), acusado de traição e considerado um inimigo do país. Porém, devido a uma invasão ao local por outro grupo que também quer pôr as mãos em Frost, custando a vida de toda a equipe da CIA responsável por ele, o “zelador” se vê repentinamente incumbido de garantir a segurança do perigoso prisioneiro até que este seja transferido para outra equipe.

O roteiro de David Guggenheim tem uma estrutura satisfatória para a introdução dos protagonistas. Apresentando-os individualmente por meio de suas ações e sem cair na pura explicação, o primeiro ato prepara bem o terreno para o momento de encontro dos dois. Uma vez que o público já tem uma boa noção de suas respectivas personalidades e capacidades, criam-se mais expectativas sobre como se dará a relação entre ambos. Por outro lado, o didatismo se faz presente mais adiante, quando são levantadas as fichas de Frost e Weston por autoridades da CIA, dando ao público uma breve e dispensável satisfação sobre o passado de cada um com a justificativa de informar os profissionais da Inteligência.

Em um primeiro momento, há um domínio psicológico e satírico por parte de Frost, o que chega a ser óbvio demais quando se trata de um criminoso seguro de si lidando com um profissional sem muita experiência e visivelmente apavorado com a situação. Felizmente, isso dura pouco, pois ambos são obrigados a se preocupar mais com a sobrevivência e objetivos particulares. A partir daí, os diálogos se tornam um pouco mais naturais, obtendo mais funcionalidade narrativa do que se insistissem nos jogos mentais. A química entre os dois atores funciona bem. Surpreendentemente, Reynolds consegue acompanhar o talento de Washington, que não tem que carregar o filme sozinho.

Vera Farmiga e Brendan Gleeson, que interpretam respectivamente Catherine Link later e David Barlow, dois superiores de Weston, são forçados a uma atuação padrão do gênero para seus tipos de personagem, sem praticamente nenhuma profundidade dramática. No caso de Linklater, essa superficialidade não faz tanta falta quanto em Barlow. Este, que funciona quase como uma figura paterna a Weston, poderia contribuir muito mais para a trama se suas motivações fossem construídas a partir de uma melhor elaboração psicológica do personagem.

 Em vez disso, ele apenas se dilui entre os outros profissionais da CIA, sem muito destaque até quase o fim do longa.

As sequências de ação não adicionam muito ao que somos acostumados a ver no cinema. Entretanto, elas são bastante viscerais. As perseguições de carro são compostas por vários planos fechados, preocupando-se mais com a reação dos personagens do que com a ação propriamente dita. As coreografias das 

lutas são propositalmente desajeitadas. Os indivíduos não se atacam apenas com socos e pontapés, mas também se agarram e rolam no chão, parando frequentemente para medir a força bruta olho no olho, exibir cansaço, etc. Essa crueza é evidenciada pela fotografia de Oliver Wood, bastante contrastada e granulada.

“Protegendo o Inimigo” tem uma proposta crítica interessante, mas superficial. Apesar de elaborar decentemente a reviravolta na forma com que o protagonista encara sua profissão e os envolvidos nesta, contenta-se em garantir o sucesso comercial do filme com uma conclusão pouco relevante para o tipo de abordagem que foi insinuada. Dessa forma, o longa acaba por cair na própria armadilha, desconstruindo tudo o que havia questionado e atendendo à manutenção do status quo.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Lua de Fel: thriller romântico narra uma intrigante história de amor e ódio

 

Longa de 1992 dirigido por Roman Polanski traz cenas memoráveis.


Avaliação: NOTA 9
 


Roman Polanski é um diretor pouco conhecido do grande público, apesar de sua ótima filmografia. Sempre paciente ao construir uma atmosfera naturalista para o suspense, valorizando as situações mais banais e cotidianas para estabelecer uma relação íntima com o espectador, manipula o interesse deste a favor dos personagens por identificação. Em “Lua de Fel”, thriller romântico adaptado do livro homônimo de Pascal Bruckner, não é diferente. Apesar de a temática ser permeada por romance e erotismo, a expectativa é a grande chave que prende o público à obra.

O filme narra o drama de Nigel (Hugh Grant), que viaja de navio para a Índia acompanhado de sua esposa, Fiona (Kristin Scott Thomas). Durante a viagem, eles conhecem Oscar (Peter Coyote) e Mimi (Emmanuelle Seigner), um misterioso casal cuja relação vira o grande fetiche de Nigel. As tentativas de esquiva disfarçam seu real interesse, mas ele sempre atende aos insistentes convites de Oscar para ouvir a história dele e de sua esposa, pela qual Nigel alimenta um proibido desejo.

O roteiro de Polanski, Gérard Brach e John Brownjohn sabe ser literário quando precisa. As falas da narração de Oscar sobre sua vida com Mimi parecem ter sido simplesmente copiadas do livro ou pouco modificadas. Porém, isso acaba sendo uma necessidade para o longa, visto que alguns detalhes sobre a pervertida relação do casal não poderiam ser descritos de outra forma que causasse o mesmo efeito, e muito menos mostrados, se não quisessem restringir ainda mais a censura ou serem confundidos com um filme pornográfico.

As cenas de sexo são picantes e românticas ao mesmo tempo, mantendo um equilíbrio perfeito para que se compreenda o clima específico da relação entre Oscar e Mimi: uma paixão maior e melhor do que qualquer outra coisa que o resto do mundo pudesse lhes oferecer. A cena do café da manhã e da dança são alguns dos melhores momentos do filme, prendendo a atenção do público ainda mais para aquela convivência exageradamente íntima e bizarra. Nigel é o personagem que funciona como extensão do espectador, que compartilha seu interesse contido e sua falsa moral quando recrimina os “absurdos” que ouve de Oscar.

A direção de Polanski se mantém calma na condução da narrativa. Embora tenha a segurança do ritmo no próprio roteiro, muito bem estruturado, o diretor faz questão de estender as pausas entre as sequências de flashback que revelam a intrigante relação entre Oscar e Mimi. Isso gera uma constante expectativa, contribuindo ainda mais para que o público se identifique com Nigel em sua disfarçada ansiedade por retornar à cabine de Oscar para ouvir a mais um capítulo dessa história de amor e ódio.

Nada disso seria efetivo se não fosse pelas maravilhosas atuações. Seigner interpreta com competência a fase mais antiga de Mimi, uma garota meiga e devota ao seu parceiro e, simultaneamente, uma grande fonte de prazer carnal para este, procurando a todo instante satisfazer seus desejos sexuais das formas mais estranhas imaginadas. A atriz também convence ao viver a personagem mais amadurecida, amargurada e com sede de vingança por um passado sofrido nas mãos de quem mais amava.

Coyote é quem mais impressiona durante todo o longa. A personalidade forte e decidida de Oscar interage bem com seu lado solitário e infeliz. Por mais condenáveis que suas atitudes sejam a partir de determinado momento, não conseguimos deixar de sentir certa empatia por ele. No tempo presente, seu personagem carrega tudo aquilo por que passou nas falas e nas expressões quase insanas, sempre com um sorriso que esconde a insuportável tristeza que sente por dentro.

Os personagens de Grant e Thomas chegam a ser totalmente desinteressantes à medida que conhecemos a vida do outro casal, mas essa é justamente a intenção do filme. Thomas faz um trabalho competente e, embora sua personagem seja a que tem menos tempo de tela, ainda consegue impressionar mais do que Grant. Este se limita ao tipo de atuação ao qual já era acostumado e continua fazendo, mas para a proposta do longa em questão, isso foi o bastante para seu personagem cumprir o papel decentemente.

Em “Lua de Fel”, Roman Polanski mostra todo o seu talento na direção de atores e na elaboração de cenas inesquecíveis. Leves toques de humor combinados à temática adulta e a uma trilha sonora que reforça o erotismo dão ao longa um atrativo particular a todos os interessados por histórias de amor. Porém, neste caso, a ingenuidade dos romances tradicionais é posta de lado para que se dê lugar à crueza de uma paixão arrebatadora, com todos os males e benefícios consequentes desta e com todas as desilusões e prejuízos aos envolvidos direta ou indiretamente.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

John Carter: boa aventura adapta clássica franquia literária sci-fi

 

Em sua estreia no mundo do cinema live-action, diretor de Wall-E entrega um filme que, embora tenha seus defeitos, diverte e cumpre seu papel de nos apresentar a um mundo exótico e cheio de perigos.

Avaliação: NOTA 7
 


A maioria do público não deve ter ouvido falar em John Carter até ser bombardeado pela máquina de propaganda da Disney. No entanto, o DNA da história concebida por Edgar Rice Burroughs em 1912 pode ser visto em obras como “O Senhor dos Anéis”, “Star Wars” e, mais recentemente, em “Avatar”. Ou seja, não estranhe a sensação de deja vu que pode ser experimentada durante a projeção de “John Carter – Entre Dois Mundos”.

A trama acompanha o protagonista-título (Taylor Kitsch), um derrotado ex-soldado sulista da Guerra Civil norte americana que é misteriosamente transportado para Marte (ou Barsoom, como é chamado pelos nativos). Lá, ele descobre que aquele planeta está passando por sua própria guerra interna, capitaneada pelo cruel Sab Than (Dominic West). Preso em um mundo que não entende, Carter acaba encontrando um novo motivo para lutar ao conhecer a princesa Dejah (Lynn Collins), oferecida em casamento para Than com o objetivo de acabar com os conflitos. No entanto, existem mais lados nesse conflito do que ele pode imaginar.

O longa é o primeiro projeto live-action do cineasta Andrew Stanton (“Wall-E”, “Procurando Nemo”), trabalhando aqui como co-roteirista e diretor. Lidando com personagens que se tornaram arquétipos e situações hoje chavões da ficção científica, Stanton teve de pisar em ovos para não tornar seu filme previsível para as plateias contemporâneas e, ao mesmo tempo, não desagradar os fãs da obra original.

Destarte, algumas adaptações foram feitas para acelerar o andamento da trama e dar um pouco mais de identidade ao filme. Do mesmo modo, prestando homenagem à estrutura de “Uma Princesa de Marte”, o próprio John narra os acontecimentos em Marte por meio de um diário, lido por um jovem Ned Burroughs (Daryl Sabara), com o lendário autor representando os olhos da plateia.

O John Carter vivido por Taylor Kitsch é um homem bem mais amargurado que sua versão literária, com as perdas sofridas por ele durante a guerra da secessão deixando marcas que perduram por boa parte da projeção, e se sai bem ao mostrar esse lado mais humano de John e também não deixa a desejar nas cenas de ação. Seu envolvimento com a princesa marciana se desenrola de modo bastante divertido, embora um tanto acelerado.

Lynn Collins, que vive Dejah, possui uma boa química com Kitsch, compensando a velocidade do enlace. A atriz também convence quando tem de entrar em ação, embora toda vez que ela entra em cena é difícil não vê-la como uma princesa da Disney (o que não é necessariamente algo ruim). Willem Dafoe e Samantha Morton surgem em cena de modo bem diferente, vivendo, em motion capture, os marcianos verdes Tars e Sola, grandes aliados de Carter em sua estadia em Marte. Dafoe, com sua voz carismática, sempre rouba a cena como o expansivo líder alien.

O diretor, quando da escolha do elenco coadjuvante, intencionalmente ou não, escalou nomes que estão ligados diretamente aos papéis que interpretam. Assim, se torna interessante ver Ciarán Hinds e James Purefoy como um líder de estado e seu general, sendo feito um link quase que imediato com as versões de Julio César e Marco Antônio que viveram em “Roma”, ou dar de cara com Dominic West como um vilão traiçoeiro, tal qual em “300”.

Por falar em vilões, esse é o grande calcanhar de Aquiles da produção. Os diversos antagonistas ali apresentados ou não são muito carismáticos ou têm pouco tempo de cena ou são pouco desenvolvidos para serem melhor explorados em continuações vindouras. 

Assim, não temos nenhum investimento emocional naqueles personagens e faltam motivos para desgostar deles, além do fato que estão no caminho do herói. Isso complica excessivamente o andamento da produção, enchendo-a de personagens e subtramas desnecessárias que jamais chegam a ser bem trabalhadas.

Mesmo no caso de Sab Than, que seria o tirano que causou o declínio de Marte, logo na introdução da fita vemos que ele é subserviente a outra figura, o dúbio Matai Shang, vivido por Mark Strong. Por mais que Strong tenha uma ótima presença de tela e West deixe um tanto a desejar, as intenções de Shang são tão pouco ilustradas que não dá para sentir nada em relação a ele e sua presença acaba tirando o foco daquele que deveria ser o “grande rival do mocinho”.

Stanton dá bastante energia às cenas de ação, com estas se utilizando muito bem das habilidades que Carter ganha em solo marciano, graças à gravidade mais fraca. Tais sequências são beneficiadas pela bela trilha de Michael Giacchino, especialmente na emocionante batalha da planície. Merecem destaque também as batalhas envolvendo as embarcações aéreas, com alguns momentos parecendo ter vindo diretamente de “Capitão Blood”.

O visual exótico criado para os diferentes reinos de Barsoom, bem como o conceito de embarcações que navegam na luz são utilizados de maneira impressionante, em um exemplar trabalho da equipe de direção de arte. A fotografia, remetendo à clássicos westerns em paisagens quase sem fim, também contribui para o banquete visual proposto e reforça o caráter atemporal da obra.

O filme é apresentado em 3D convertido e, embora tais conversões geralmente não sejam bem sucedidas, o trabalho aqui apresentado é bem acima da média. A ressalva, novamente, vai para as cenas em ambientes escuros que, por conta dos óculos, acabam mergulhadas em um desnecessário breu que atrapalha a experiência cinematográfica.

“John Carter – Entre Dois Mundos” é um belo exemplar de ficção científica à moda antiga que funciona bem tanto para quem nunca tinha ouvido falar do personagem, tanto para os já iniciados. Não é um filme que mudará a história do cinema e tem sua dose de problemas, principalmente em sua montagem excessivamente truncada, mas cumpre bem o seu papel.

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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

W.E. – O Romance do Século: produção sem foco desperdiça potencial da trama

 

Em seu segundo trabalho como diretora, Madonna basicamente transforma um dos maiores romances do século XX nos delírios de uma mulher presa em um casamento fracassado.


Avaliação: NOTA 4
 
 


O Rei que abdicou de seu trono para ficar com a mulher que ama. Isso parece ter saído de um conto de fadas, mas é bem real. Em 1936, o monarca inglês Rei Edward VIII, conhecido como David em seu círculo interno, desistiu de sua posição para casar com sua consorte, a recém-divorciada plebeia americana Wallis Simpson. É uma trama deveras cinematográfica, tocada de maneira periférica pelo oscarizado “O Discurso do Rei”, mas que teve o azar de ser levada às telas por ninguém menos que Madonna com este “W.E. – O Romance do Século”, que co-roteirza e dirige esta produção.

Não discuto de maneira nenhuma o talento artístico de Madonna, muito pelo contrário. No entanto, ela não conseguiu aqui o foco suficiente para contar de maneira eficiente o caso de amor entre Wallis (Andrea Riseborough) e David (James D’Arcy). Isso porque esse é apenas um dos plots desta confusa produção. A outra trama, que se passa nos tempos atuais, mostra a bela Wally Winthrop (Abbie Cornish), mulher fascinada por Wallis, que passa a se envolver com o russo Evgeni (Oscar Isaac) quando seu casamento entra em uma série crise.

Lidar com storylines paralelas é um risco para qualquer contador de histórias, seja qual for a mídia com a qual lide. Os plots devem complementar um ao outro, trabalhando juntos para transmitir a mesma mensagem. Falhando nisto, a atenção do público fica dividida e a obra inteira pode entrar em colapso com uma trama lutando com a outra.

Ora, considerando as diversas nuances presentes no romance de Wallis e David, incluindo o possível fascínio deste pelo nazismo e sua complexa relação com o restante da família real, está já é uma história que não precisa de reforço. A solução narrativa encontrada por Madonna foi a pior possível, tendo em vista que logo fica claro que não estamos acompanhando realmente o passado de Wallis e David, mas os devaneios de Wally sobre sua heroína.

Dessa forma, não só o filme não se fixa naquilo que seria seu ponto mais forte, mas o transforma nos delírios de uma mulher que está claramente passando por gravíssimos problemas psicológicos, até mesmo interagindo com suas fantasias ocasionalmente, chegando ao ponto de imaginar David e Wallis dançando ao som do Sex Pistols após drogarem uma festa inteira (!).

As “conexões” entre as vidas de Wallis e Wally, bem como as transições entre as duas linhas, são extremamente forçadas, adjetivo que pode ser aplicado a quase tudo ali. Sem nenhuma razão narrativa, Madonna alterna estilos de fotografia durante a projeção de maneira quase aleatória e lança mão de diversos planos-detalhe completamente despropositados, apenas distraindo o público e não dando qualquer dinamismo à edição. Neste momento, geralmente seria citada a montagem não linear extremamente problemática, mas, considerando que é uma mente perturbada quem dita o ritmo do filme (a de Wally, não a de Madonna), até que este defeito faz sentido.

Note-se a imponência quase operística com qual a câmera captura basicamente tudo o que acontece, destruindo o impacto dos momentos mais dramáticos justamente por conta da falta de sutileza, algo ressaltado por uma trilha sonora quase onipresente que se recusa em parar um instante e deixar a história respirar.

O elenco acaba sendo desperdiçado pelo roteiro absurdo e direção sem rumo. Por mais que Andrea Riseborough e James D’Arcy estejam bem caracterizados como seus personagens históricos e se mostrem confortáveis em seus papéis (quando o roteiro permite), logo somos lembrados que ambos estão vivendo apenas fantasmas que habitam a mente perturbada de Wally, vindos diretamente de vinhetas de notícias mal-preparados e das próprias psicoses da moça.

Já Abbie Cornish jamais consegue cativar ou despertar a simpatia do público por sua personagem, dependendo de incidentes extremos para conseguir uma mínima conexão com a audiência. Ademais, a atriz não possui nenhuma química com Oscar Isaac, tornando a história de amor entre ela e Evgani deveras implausível.

O que se salva no filme é o seu visual. Tanto a direção de arte quanto o figurino são impecáveis, seja retratando o período contemporâneo quanto os anos 30 com bastante elgância. A maquiagem aplicada em Riseborough e D’Arcy é mais do que efetiva em retratar o envelhecimento de Wallis e David. E a música original pela qual Madonna ganhou o Globo de Ouro, “Masterpiece” só toca nos créditos finais, não exercendo nenhuma função no filme.

No final, “W.E. – O Romance do Século” joga fora uma oportunidade de apresentar ao cinema uma das maiores histórias de amor do século XX da maneira que merece, reduzindo-o aos delírios de uma mulher maltratada por um péssimo casamento, mostrados como se fosse um belo desfile de moda. Uma pena.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

O Pacto: o retorno fracassado de Nicolas Cage à violenta Nova Orleans

 

Ator integra filme mal dirigido, atuado e escrito que foge, com todas as suas forças, das reflexões que sua polêmica temática poderia provocar. 

Avaliação: NOTA 4
 


Há pouco mais de dois anos, Nicolas Cage chegava aos cinemas com a melhor produção com a qual esteve envolvida em cerca de uma década. Em “Vício Frenético”, o ator, sob o comando do sempre inspirado diretor Werner Herzog, estrela uma digna refilmagem que revela uma parcela desprezível de uma Nova Orleans pós-Katrina. Violento, intenso, sensual e prazerosamente alucinatório, o longa tem exatamente as qualidades contrárias deste “O Pacto“, o mais novo filme de Cage.

 Com história também passada na maior cidade da Luisiana, a produção tenta, insiste e quase consegue destruir uma das poucas boas e recentes lembranças de um ator em plena decadência.

Desta vez, Cage interpreta Will Gerard, um professor de português de índole inquestionável, funcionário de uma escola pública cheia de alunos problemáticos. Bem casado, ele, de repente, se vê obrigado a lidar com o fato de que sua esposa Laura (January Jones) acaba de se tornar vítima da violência em Nova Orleans. Assaltada e estuprada, a moça é internada no hospital enquanto seu marido recebe uma inusitada proposta: aceitar que o maníaco que vitimou Laura seja assassinado.

O acordo é idealizado por uma organização secreta que busca “limpar” a cidade. A compensação para o serviço, porém, inclui atividades que Will tem dificuldades éticas de exercer.

No entanto, jamais é sobre o ponto de vista ético ou da moralidade que “O Pacto” se autoenxerga. Apesar de sua temática, o roteiro de Robert Tannen parece ter medo de encará-la de frente, sempre buscando péssimas estratégias e caminhos para permanecer no campo raso do suspense e da ação. Nem sequer um diálogo é dedicado a refletir sobre o trabalho do grupo de justiceiros que tenta fazer da cidade americana, mesmo que de maneira ilegal e errônea, um local minimamente habitável.

 Para tanto, transforma seus personagens em pessoas desinteressantes, sem nenhum atrativo especial ou definição de personalidade, que fazem da denúncia da ação do grupo de extermínio algo longe de uma prioridade.

A trama até que inicialmente busca exibir Will Gerard como um homem correto e profissionalmente dedicado, mas a interpretação no piloto automático de Nicolas Cage e a falta de sensibilidade do script no decorrer da história impossibilitam que o conheçamos melhor. Pior ainda acontece com o vilão do filme, Simon (Guy Pearce, ainda assim o melhor do elenco), o líder da organização secreta. Não há qualquer mínimo grau de complexidade nele. Não chegamos sequer a saber os motivos que o levaram a agir de forma tão impulsiva e desmedida. Surgindo apenas para provocar a ação, o personagem parece idealizado por um republicano dos mais fervorosos.

Mas nem mesmo como escopo para boas perseguições e trocas de tiros, Simon serve. Tudo porque o diretor Roger Donaldson (do ótimo “Efeito Dominó”) é incapaz de construir sequências de ação respeitáveis. Falta ritmo e originalidade a suas tomadas, as quais ficam ainda piores quando saem em busca de instalar o clima de suspense. A ausência de uma trilha sonora mais marcante por parte de J. Peter Robinson, tradicional parceiro do diretor, também é sentida. Ora transformando gente comum em suspeitos (como na cena em que um policial espia Will tirar chocolates de uma máquina), ora fazendo dos suspeitos pessoas nada assustadoras, Donaldson parece completamente perdido.

Estaria mais confortável caso o roteiro não fosse tão previsível e tivesse tantos “furos”. Mas como se não bastasse transformar temática polêmica em produção comercial de mau gosto, Robert Tannen retira o pé e a cabeça de “O Pacto”. Seja ao esquecer um personagem importante durante dezenas de minutos, seja ao conceder a capangas um grau de imbecilidade acima do aceitável, seja ao nunca explicar por completo a atuação do grupo de extermínio (haveria um líder maior do que Simon? De quem se trata o tal tenente que insiste em salvar Will?…), o roteiro pode ser considerado o maior culpado por aumentar a lista de fracasos de Nicolas Cage, desta vez machando até um anterior sucesso.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

Anjos da Noite 4: longa falha em lançar franquia em nova e duvidosa direção

Na tentativa de renovar a franquia após um fraquíssimo terceiro episódio, "O Despertar" é um filme extremamente problemático que encurrala a história em um canto do qual será difícil sair e manter sua identidade.

Avaliação: NOTA 5
 
 


A franquia “Anjos da Noite” começou quase como uma ode aos RPGs da White Wolf, dando um enfoque mais aristocrático aos vampiros e mostrando suas batalhas contra os lobisomens (ou lycans). Após dois episódios iniciais que, se não excelentes, ao menos entretinham, e um terceiro capítulo com um prelúdio decepcionante (para dizer o mínimo), a série volta nesta nova encarnação com a heroína de seus primeiros filmes, a vampira Selene (Kate Beckinsale).

Dando uma guinada inesperada na franquia, a existência de vampiros e lycans foi revelada ao mundo, causando uma guerra de extermínio às duas raças. Selene passa 12 anos em um gélido cativeiro e, misteriosamente liberta, se vê em um mundo que não conhece e sem seu amante, Michael. Misteriosamente ligada a uma criança sem nome (India Eisley), as duas são caçadas impiedosamente pelo geneticista Jacob Lane (Stephen Rea), cujas ações podem mudar o balanço de poder entre as raças existentes.

Essa nova direção tomada pela história gera um problema sério para o seu desenrolar. Ora, as tramas das películas anteriores se focavam em trágicos romances proibidos e como estes afetavam as relações entre os clãs de vampiros e lycans, com os humanos mal sendo citados, gerando um necessário distanciamento entre “nós” e as criaturas sobrenaturais.

No entanto, com a inclusão dos humanos como parte essencial da trama, nos vemos “torcendo” por alguém que, em tese, é uma inimiga da humanidade. Enquanto o script tenta se desviar dessa bala como pode, aos poucos isso se torna um fator mais e mais proeminente do plot. Ademais, mesmo com toda essa revolução e com nada menos que quatro roteiristas creditados, inclusive o conceituado J. Michael Straczynski e o co-criador da franquia Len Wiseman, este quarto capítulo parece ter tido seu roteiro rasgado ao meio.

Há uma profusão de novos personagens na série surgindo aqui, com motivações pouco explicadas e quase nenhum desenvolvimento. Ora, a relação entre Selene e a menina sem nome (que surge nos créditos com o nome de Eve), que deveria ser o centro emocional do filme e justificar todos os atos da “heroína”, só é bem explorada em uma única cena. Não há tempo daquelas figuras dizerem a que vieram, considerando que o longa tem apenas 88 minutos de duração e ainda tem de lidar com suas cenas de ação.

Sobra para elas, portanto, o trabalho de sustentar o interesse do público, falhando em fazê-lo justamente pelos diretores Måns Mårlind e Björn Stein serem incapazes de dar qualquer ar de novidade às sequências de combate, que jamais impressionam o público e caem em uma tediosa mesmice. Desprovidos de um senso estético mais apurado, os cineastas apresentam alguns momentos que beiram o constrangedor, como aquele no qual “Eve” desperta em um covil de vampiros que, de tão brega, mais parece cenário de clipe de banda de metal gótico dos anos 1980.

Também temos a auto-sabotagem do “3D”. Uma das coisas que marcam a identidade visual da franquia “Anjos da Noite” foi justamente sua fotografia em tons escuros, além de uma paleta de cores mais sombrias em seus figurinos e criaturas, não sendo esta quarta fita uma exceção. Escurecer mais ainda a tela com os óculos 3D para a visualização de efeitos tridimensionais praticamente inexistentes é um verdadeiro tiro no pé, o que resulta em trechos inteiros do filme em borrões pretos.

Por mais que ainda seja bastante agradável ver Kate Beckinsale em roupas de couro chutando bundas, “Anjos da Noite – O Despertar” não convence jamais e falha ao mergulhar o espectador em seu universo graças a um roteiro extremamente problemático, personagens superficiais que jamais dão espaço para os atores trabalhar (o desperdício de Stephen Rea é quase um crime), cenas de ação burocráticas e um visual destruído pela própria ganância do estúdio em lucrar mais em cima do 3D. De fato, o futuro parece sombrio para Selene e seus aliados…
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Drive: diretor premiado em Cannes conduz thriller competente

Filme é uma surpresa boa em ação com clima dos anos 80.

Avaliação: NOTA 9
 


Cena clássica: sábado à noite, casal de namorados na fila do cinema. Ele querendo ver o mais novo filme de ação em cartaz. Ela reluta e diz que filme de ação ela não assiste. Estereótipos à parte, se você (garota) for ao cinema com seu namorado e ele quiser assistir “Drive”, aceite. E esteja preparada para cenas com boas doses de violência.

Comandado pelo diretor/roteirista/produtor dinamarquês Nicolas Winding Refn (conhecido pelo anterior “Bronson”, com Tom Hardy) e que levou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 2011, deixando para trás nomes como os experientes Aki Kaurismäki e Lars von Trier, o filme se veste dos mais velhos clichês dos filmes de ação dos últimos anos para trazer um thriller de qualidade e sem pretensão de se levar a sério. E com isso não digo de explosões mil e cenas absurdas, mas de contar uma história simples e direta.

Ryan Gosling (“Tudo Pelo Poder” e “Namorados para Sempre”) interpreta um dublê de filmes de ação que, nas horas em que não está capotando carros frente às câmeras para salvar a vida dos atores do filme, ele trabalha como mecânico e, de bandeja, presta serviços ilícitos, como dar carona a assaltantes para fugir da polícia.

Conhecido apenas como Driver, seu jeito quietão e misterioso vai despertar o interesse de Irene (Carey Mulligan), que mora com o filho sozinha enquanto seu marido, Standard (Oscar Isaac), está na prisão. Na ausência dele, os dois se aproximam em uma relação que quase beira o lúdico. Porém, Standard é solto e, por conta de uma dívida não paga com outros prisioneiros, ele é obrigado a fazer um último assalto. Para proteger Irene e o garoto, Driver, claro, ajudará o recém libertado a se safar desta.

A história, baseada no livro do escritor, poeta e músico James Sallis, foi adaptada pelo roteirista indicado ao Oscar Hossein Amini (do ótimo “Asas do Amor”) e traz uma Califórnia tomada pela marginalidade, gangues e máfia, onde a lei do mais forte impera. O plano que envolve Driver não dá certo, claro, e ele se vê no meio de uma trama de cifrões e mortes cruéis.

“Drive” conta, ainda, com atores como Ron Perlman (o ator grandalhão que deu vida a Hellboy) e um ótimo Albert Brooks, no papel de Bernie Rose, um personagem frio e calculista, que lhe rendeu diversas indicações a prêmios nos festivais de cinema independente ao redor do mundo. Não é para menos, pois certamente o elenco afiado prenderá a atenção do público que gosta de suspense e sabe que um filme de ação não precisa de artimanhas maiores.

Constantemente por trás do volante, Driver é um gênio sobre quatro rodas no filme, considerado de baixo orçamento para uma produção americana (custou cerca de US$ 15 milhões) e é um deleite aos fãs de filmes com perseguição (uma paixão, também, dos norte-americanos). Com um jeito sensual, que alterna da calmaria à fúria incontrolável, Ryan Gosling cria um personagem curioso em seu jeito distante e sua eterna jaqueta de escorpião amarelo.

Com uma força competente no uso da luz (boa parte do filme se passa à noite em meio a luzes amarelas) e da câmera lenta, o filme de poucos diálogos e clima de constante tensão agradará aos fãs do gênero, especialmente pelos planos curtos que misturam cenas anteriores e posteriores em uma edição bem cuidada. Tudo isso apoiado na trilha sonora de Cliff Martinez, que se garante dividindo espaço com artistas ligados ao eletrônico como The Chromatics, College, Desire e até mesmo a presença da brasileira Lovefoxx, da banda Cansei de Ser Sexy, dividindo vocal com o francês de electro house Kavinsky.

Bebendo da fonte do clássico contemporâneo “Marcas da Violência”, de David Cronemberg, sobre um homem comum que se envolve em uma bola de neve de violência e vingança, já se tornaram memoráveis as cenas em que Driver, com uma máscara, observa à espreita Nino (Perlman) em sua pizzaria; e quando, no elevador, em questão de segundos, o (anti)herói passa do beijo em Irene a um assassinato que impressiona pela violência excruciante. Afinal, escritor, poeta e músico, o autor Sallis pode dormir sossegado, pois “Drive” não deve em nada  no bom uso de todos estes elementos de sua arte. Um achado, sem dúvida.
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Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.

Poder sem Limites: estilo documental marca o nascimento de super-heróis

Longa-metragem reinventa narrativamente gênero demasiadamente explorado e, com alguns êxitos, problemática temática.

Avaliação: NOTA 7
 


O primeiro filme da saga de um super-herói nos cinemas deveria ser o melhor dos episódios. É quando há mais história a ser contada. É quando a fantasia deveria estar mais presente, especialmente no processo de transformação de um homem comum em outro mega poderoso.

 É quando o protagonista aprende a lidar com as suas limitações (ou falta de) e enfrenta as primeiras ameaças.  Mas Hollywood soa demasiadamente infantil e previsível em suas estreias do gênero. Que o diga “Homem-Aranha” e “Batman Begins”, filmes que ganharam continuações reconhecidamente superiores.

Diferente das franquias citadas, porém, “Poder sem Limites” não tem um rico material de origem para se basear. Por outro lado (este sim positivo), não possui uma legião de fãs exigindo respeito com o personagem e seu criador. Por esses motivos, a produção permite-se ousar e arrisca-se em um estilo documental marcante que ainda possibilita a problematização da temática que aborda, dando aos seus heróis um aspecto humano ainda maior que desagua em um desfecho surpreendentemente pouco comercial que afasta quaisquer comparações com outros longas de trama semelhante.

A história centra-se em três adolescentes de uma metrópole americana, Andrew Detmer (Dane DeHaan), seu primo Matt Garetty (Alex Russel) e o colega Steve Montgomery (Michael B. Jordan). Durante uma noitada que poderia ser de bebedeira e zoação, o trio encontra um misterioso buraco escondido em meio a uma área arborizada. Curiosos, eles adentram o local, mantendo contato com um luminoso e desconhecido material, que dias depois lhes concede poderes. De jovens comuns, eles, então, se transformam em garotos capazes de mover objetos apenas com o poder da mente. No entanto, à medida que seus poderes crescem, eles passam a ter mais dificuldade de controlá-los, especialmente Andrew.

Dirigido pelo estreante na função Josh Trank, a produção tem como grande diferencial sua proposta documental, a qual é mais comum em suspenses sobrenaturais, como “A Bruxa de Blair” e “Atividade Paranormal”. Cabe ao verdadeiro protagonista, Andrew, registrar o seu dia-a-dia com uma incansável câmera, não só captando momentos marcantes, como outros de maior irrelevância, seja ao filmar o primo dançando e cantando no carro ou a apresentar sua escola detalhadamente.  A opção narrativa não só surge como novidade, como também ajuda a mexer com o imaginário do público.

Sem exageros, Trank transforma seus heróis em pessoas ainda mais comuns, que podem morar na casa ao lado. Dessa forma, torna-se bastante interessante vê-los aprender a lidar com suas novas capacidades e fazer delas motivo de brincadeira. Com uma montagem esperta, o filme evita, em seu início, um didatismo que contrariaria sua proposta, exibindo seus personagens mexendo legos com o pensamento para pouco depois mostrá-los voando pelos céus.  A edição, porém, perde ritmo a partir do segundo ato, fazendo o filme parecer mais longo do que seus 83 minutos. A falta de trilha sonora contribui consideravelmente para tal sensação.

Josh Trank vacila ainda tecnicamente em seu desfecho ao fazer das câmeras quase objetos  de vida própria, que devem estar necessariamente presentes, desviando dos prédios da cidade, assim como Andrew e Matt. Na ânsia de registrar o ápice de sua trama, o diretor perde realismo. Na verdade, as justificativas para fazer da filmadora um item essencial na experiência de seus personagens principais jamais soam inteiramente naturais. Por outro lado, o cineasta destaca-se ao mudar diversas vezes seu ponto de vista. Dessa forma, quando a câmera principal falha ou está distante do acontecimento, está lá o circuito interno de algum estabelecimento ou o celular de um desconhecido registrando o possível.

Outros pontos positivos de “Poder sem Limites” devem ser creditados ao roteiro, sob responsabilidade de Max Landis. Universalizando e problematizando a condição dos rapazes, a história jamais idealiza-os. Aqui não temos verdadeiros heróis nem vilões, apenas garotos (mais especificamente um, Andrew), assim como quaisquer outros, cheios de problemas particulares, os quais buscam sanar da forma que julgam mais correta. O problema está nesse julgamento. E a imaturidade desses adolescentes impossibilita um percurso pacífico. Nesse sentido, a produção surpreende com seu ato final tortuoso, que poderia ser ainda melhor se capaz de aprofundar suas discusões e relações entre personagens.

Com efeitos especiais que supreendem para uma produção de US$ 15 milhões e um elenco de pouca experiência que não se destaca, o filme é uma diversão juvenil passageira que, mesmo diante de algumas visíveis falhas, apresenta um caminho diferente para películas sobre super-heróis, ou melhor, rapazes comuns de capacidades atípicas. Uma novidade que vale assistir!
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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

Billi Pig: José Eduardo Belmonte vacila em primeira investida em comédia

Filme inicia bem, mas se perde em meio a um grande número de coadjuvantes e uma sobrenaturalidade absolutamente dispensável e sem graça.

Avaliação: NOTA 5
 


Antes focados em realizar dramas, alguns bons cineastas nacionais andam agora se arriscando em comédias. E os resultados não têm sido dos mais favoráveis. Primeiro foi Alain Fresnot, antes responsável por “Desmundo”, que lançou “Família Vende Tudo”, um filme divertido até a sua metade.

 Há algumas semanas foi a vez de “Reis e Ratos”, de Mauro Lima, chegar aos cinemas e decepcionar os que esperavam uma produção do nível de “Meu Nome não é Johnny”. Desta vez, é José Eduardo Belmonte quem desvia do caminho brilhante de “Se Nada Mais Der Certo” e busca o rumo das risadas, conseguindo até arrancar algumas do público. Mas “Billi Pig” se perde no meio da estrada em meio a um grande número de coadjuvantes e uma sobrenaturalidade dispensável.

A produção inicialmente conta a história de Marivalda (Grazi Massafera) e Wanderley (Selton Mello), um casal de classe média baixa dono de objetivos distintos na vida. Se ela sonha em se tornar uma estrela de cinema, o seu marido concentra-se em continuar a enganar outros por meio de sua empresa de seguros. Na mesma rua também vive o falso padre Roberval (Milton Gonçalves), um milagreiro dos mais picaretas. Um pouco mais adiante, Boca (Otávio Muller) domina o tráfico de drogas local. Mas é apenas após um tiroteio que deixa a filha deste em coma que os destinos desses quatro personagens se encontram, ocasionando uma série de situações que deveria ser mais engraçada do que realmente é.

A proposta de Belmonte é realizar um filme descontraído, uma grande brincadeira com a realidade brasileira. A seriedade, por isso, é deixada de lado para que um tom de descomprometimento domine, permitindo que objetos de estimação, como o próprio porco que dá nome ao longa, falem e contracenem com os atores. No entanto, o roteiro do próprio Belmonte, em parceria com Ronaldo D’Oxum, extrapola a imaginação, recorrendo demasiadamente a Billi Pig, quando jamais justifica sua presença e suas intenções, devendo o “personagem” permanecer apenas como delírio de Marivalda e companhia.

O pior é que a sobrenaturalidade se acentua com o passar dos minutos, cada vez mais perdendo o tom cômico. Por meio de Roberval, a trama mergulha em um raso e falho drama com direito a fantasmas e lembranças que nunca dizem a que vieram. Aliás, o roteiro se perde exatamente quando deixa o casal principal de lado e se concentra na história sem graça deste falso padre sem castidade nenhuma. Demasiadas cenas também são dedicadas a outros coadjuvantes, como às fofoqueiras  secretarias de Wanderley, bem como à interesseira dona da funerária e seu ajudante, interpretados respectivamente por Preta Gil e Milhem Cortaz.

Sobra espaço ainda para Otávio Muller, seus capangas e sua filha. Mas nenhum deles é capaz de superar a inocência retratada pela relação entre Marivalda e Wanderley. É acompanhando a intenção daquela em realizar os seus sonhos e deste em oferecer os seus questionáveis serviços que “Billi Pig” alcança suas melhores notas. Nestes momentos é que José Eduardo Belmonte consegue captar a mesma natural comicidade do subúrbio brasileiro retratada por Alain Fresnot em sua última produção. Lastimável, então, que hilárias sequências de audições e treinamentos para futuras entrevistas sejam substituídos por entraves e correrias em torno de um milagre que nada tem de engraçado.

Mesmo assim, a atuação do elenco ainda proporciona algumas risadas extras. Com interpretações que prezam pelo improviso e que, nada artificialmente, retratam a falta de instrução educacional dos personagens, os atores são a grande atração de “Billi Pig”, com destaque para os três principais: Grazi Massafera (em desempenho notável para uma estreante nos cinemas), Selton Mello e Milton Gonçalves, este impagável nas sequências em que imita o jeito de falar de um negro norte-americano. Por mais que a direção dinâmica de Belmonte conceda o devido crédito ao trabalho do elenco, o roteiro, porém, impede que o filme não passe de mais uma decepcionante comédia comandada por um bom cineasta de dramas nacionais.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

A Saga Molusco – Anoitecer: paródia de Crepúsculo é simplesmente um horror

Com certeza a experiência mais próxima de uma sessão de tortura que alguém pode sofrer frente a uma tela de cinema, esta fita aposta na escatologia para tentar fazer seu público rir, falhando de maneira inenarrável.

Avaliação: NOTA 1
 


O que torna um filme inassistível? Um roteiro ruim, uma direção sem rumo e péssimas atuações? Ora, a soma desses fatores pode resultar em um clássico trash (vide “The Room”, de Tommy Wiseau), mas não em uma obra impossível de se aguentar. No caso específico do gênero de comédia, o que qualificaria uma fita como insuportável seria a inabilidade desta em fazer rir. Esse é o caso de “A Saga Molusco – Anoitecer”, (tentativa de) paródia da franquia “Crepúsculo”.

A despeito de seu título, esta produção não lida com o longa mais recente da “saga”, mas sim com a terceira fita, “Eclipse”, com certeza a que possui maior potencial cômico. No entanto, o “cineasta” Craig Moss (cuja carreira se resume a obras como “Saving Ryan’s Privates” e “The 41-Year-Old Virgin Who Knocked Up Sarah Marshall and Felt Superbad About It”) não conseguiu extrair um só momento cômico durante os torturantes 80 minutos de projeção. E quando você fracassa em fazer piadas sobre a franquia “Crepúsculo” é um belo sinal que você não nasceu para o humor.

Basicamente, o roteiro se limita a repetir a premissa básica de “Eclipse”, acrescentando peidos e piadas sem graça ao longo das cenas. E só. Parece mais aquele menino patético gritando por atenção achando que basta falar alguns palavrões e peidar para ser engraçado. O humor não faz sentido e nem as situações apresentadas. Absolutamente do nada, temos uma invasão de versões de personagens interpretados por Johnny Depp, provavelmente motivadas por alguma angústia sexual mal-resolvida que Moss deve sofrer em relação ao ator.

Para mostrar alguma justiça, o roteiro possuiu duas boas ideias e não conseguiu explorá-las de maneira alguma: mostrar um Jacob obeso (Frank Pacheco) e falar do egocentrismo de Bella (Heather Ann Davis). Só. O elenco é homogeneamente horrível, com o pior dos piores sendo Eric Callero, que interpreta Edward. Perto dele, Robert Pattinson é Marlon Brando. A maior decepção, no entanto, é a participação de Danny Trejo, também fazendo piadas com peidos. Machete merecia mais.

A montagem é uma das piores que já vi. Parece mais uma sucessão de pequenas esquetes intercaladas por travellings com narrações em off absolutamente ridículas. Mesmo sendo extremamente curto, o filme parece durar uma eternidade. Além disso, não sabendo nem ao menos utilizar uma trilha sonora, Moss deixa canções tocando o tempo todo durante o filme, quase como se alguém tivesse esquecido um iPod ligado no fundo do cinema.

O humor involuntário presente nos filmes “Crepúsculo” o torna uma experiência bem mais engraçada do que acompanhar este triste desperdício de celuloide, cuja exibição deve ser a coisa mais próxima de uma tortura que já aconteceu em uma sala de cinema, devendo todos aqueles que trabalharam em sua feitura, produção e distribuição se envergonharem profundamente de terem alguma coisa a ver com esta película.

Mas, após profunda reflexão, percebe-se que “A Saga Molusco – Anoitecer” pode servir para alguma coisa. Alugue-o para ver com os amigos em casa, compre uma garrafa de tequila e faça um drinking game tomando uma dose a cada peido que algum personagem soltar na tela. Vocês se divertirão e provavelmente esquecerão o “filme” após entrarem em coma alcoólico.

P.S.: Tentando prorrogar a tortura, durante os créditos são exibidos uma serie de vídeos em “homenagem” aos fãs de “Crepúsculo”, além de erros de gravação.

P.P.S.: Como nosso sistema só registra notas a partir de uma estrela, esta é a nota que aparece acima, mas considerem esta atrocidade como merecedora de uma nota Zero.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.