Histórias Cruzadas: preconceito velado prejudica filme de temática importante
Escrito e dirigido por Tate Taylor, longa dá voz a quem já possuía, deixando os negros, mais uma vez, de lado.
Avaliação: 5
Não é preciso conhecer a fundo os Estados Unidos para perceber que a segregação racial ainda é marcante no país. Basta uma simples visita para se dar conta que os postos de trabalho de menor remuneração são ocupados pelos negros quase que completamente. Eles ainda sofrem com as consequências da falta de direitos civis que os prejudicava há cerca de 50 anos. Pois é exatamente sobre uma época em que os negros ainda lutavam por fazer valer a sua voz que se passa a trama deste “Histórias Cruzadas”. A relevância da temática, porém, esbarra em um roteiro preconceituoso, mais preocupado com causos cômicos e caricaturais do que com a dura rotina de discriminação vivida por empregadas e ajudantes de lares.
São exatos 146 minutos de duração, dos quais poucos são realmente dedicados a ouvir as histórias dessas mulheres responsáveis e lutadoras que lavam, passam, cozinham e ainda cuidam dos filhos de casais brancos, enquanto os seus próprios são educados por outras pessoas. Logo, não se torna tão importante saber que a trama é inicialmente justificada pela iniciativa de uma recém-formada jornalista e pretensa escritora, Eugenia Phelan ou apenas Skeeter (Emma Stone), em fazer um livro retratando o ponto de vista das domésticas, como jamais havia sido realizado pela literatura local.
Tudo porque o real ponto de vista exibido é o das donas de casa ricas e mimadas, especialmente o de Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard), a mais megera delas. Tão excludente quanto suas reais personagens principais (a exceção é Skeeter), o roteiro de Tate Taylor (adaptado do livro “A Resposta”, de Kathryn Stockett), que também dirige a produção, é uma contradição só, chegando ao ponto de apenas citar a agressão doméstica vivida por Minny (Octavia Spencer), uma das empregadas, enquanto a repercussão acerca de uma polêmica torta de chocolate servida a Hilly se estende por diversos e desnecessários minutos. Essas errôneas opções acabam fazendo com que o filme não se transforme em um pedido de desculpas, que cede aos negros o espaço que sempre lhes faltou, mas sim em um ato de vingança contra os brancos.
E esse ato de vingança não é organizado pelos empregados, mas sim pelo próprio script infantil, ao achar que basta demonizar umas e inocentar outras para alcançar os seus méritos. Logo os estereótipos estão em ambos os lados. Se de um deles temos mulheres extremamente estúpidas e preconceituosas, de outro estão mulheres frágeis, inteligentes e humildes. A única que destoa é Celia Foote (Jessica Chastain), como a ricaça estridente, mas cheia de coração. Talvez, por isso, seja uma das poucas personagens que verdadeiramente diverte o público. A personalidade de Minny, como a negra “desbocada”, até provoca algumas risadas, mas, entre as variadas limitações do roteiro, é bem mais interessante acompanhar a desconstrução da vaidade de Foote.
Já a emoção fica por conta de Viola Davis, que interpreta a trágica Aibileen. É ela quem desnecessariamente narra a história. É dela de quem deveríamos ouvir mais causos sobre sua profissão, que exerce desde os 14 anos de idade. Mas a ânsia de Tate Taylor por voltar aos ricos subúrbios e exibir mais piadas impedem a plateia de se identificar ainda mais com a personagem. A morte precipitada do filho é o único fato pessoal inteiramente contado por ela. De resto, o longa exibe moderadamente a passividade dessa doméstica dedicada, que não seria tão verdadeira se vivida por outra atriz que não Davis. A expressividade desse talento tão tardiamente descoberto faz mágica com tão pouco que lhe é concedido.
O trabalho do elenco (quase completamente feminino), por sinal, salva “Histórias Cruzadas” da tragédia. Do alto de suas caricaturas, elas ainda são capazes de despertar a empatia dos espectadores. Os diversos diálogos do roteiro de Taylor, assim como sua direção comedida e com algum ritmo, permitem tal destaque. Pena que todas estejam em prol de um trabalho tecnicamente bem acabado, mas narrativamente fracassado, que dá voz a quem já possuía, exibindo um preconceito velado de envergonhar. Indicado ao Oscar de melhor filme este ano, o longa-metragem deveria ter passado despercebido.
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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.
Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.
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