Avaliação: nota 7
 
 


A cada ano o dizer “baseado em fatos reais” passa menos credibilidade em produções hollywoodianas. Os acontecimentos verdadeiros, dificilmente, são respeitados, servindo, na maioria das vezes, apenas como plot para incrementadas tramas que vão da comédia ao drama intenso. “Entre Segredos e Mentiras”, porém, vai além ao decidir exibir a sua versão para um misterioso caso criminal que envolve uma importante e poderosa família nova-iorquina, e o resultado é um filme intenso, de direção cheia de ritmo e dono de ótimas atuações de seus protagonistas.

O principal deles é David Marks (Ryan Gosling), um jovem rapaz de sobrenome de referência, mas que se nega a seguir os passos do pai Sanford (Frank Langella) como empresário. Atuando, eventualmente, como encanador, ele conhece a doce Katie (Kirsten Dunst), com quem acaba se casando meses depois. A insistência do pai, no entanto, retira-os do sossego de uma casa interiorana para a turbulenta Nova York. A mudança acaba abalando o relacionamento do casal ao revelar um David cheio de traumas, agressivo, capaz de qualquer ato para manter-se distante de encarar sua triste realidade emocional.

Mas quem é esse homem que não aceita a ideia de pensar em ter filhos? Que vai de um pacato rapaz a um ambicioso empresário? Que vai de um romântico marido a um companheiro desprezível? O roteiro de Marcus Hinchey e Marc Smeling prefere não adentrar em sua mente por inteiro. Neste quesito, por sinal, o texto da dupla não é nada intrusivo. Permanece distante desta bem desenvolvida mudança de personalidade por parte de David. Passando de um drama de um herdeiro renegado e mal tratado pelo pai a um thriller que o coloca como principal suspeito de um crime, o filme revela-se uma envolvente história cercada de acusações, mas que ainda possui diversos segredos.

Segredos esses que podem ser encarados como erros do roteiro em uma total contradição com sua proposta justiceira. Jamais sabemos quais são os negócios da família Marks, como o envolvimento de uma promotora nas investigações chegou ao fim ou por que David viu-se na obrigação de deixar sua felicidade de lado e aceitar assumir a herança e as obrigações a que estava destinado.  Quando os fatos reais não são a maior das inspirações de uma obra cinematográfica, um pouco mais de imaginação valorizaria a produção por completo.

Mas ainda há muito a ser destacado em “Entre Segredos e Mentiras”. Trata-se de um longa de intensidade invejável, daqueles que prendem a atenção do início ao fim. Com uma montagem que entrelaça o depoimento do personagem principal em um inicialmente desconhecido julgamento e a longa história (de quase vinte anos) de como ele foi parar ali, o filme intriga por não jogar fáceis pistas para o público precipitadamente e por apresentar o nascimento gradual de um vilão sem caricatura, que chega a viver um bonito conto amoroso que o diretor Andrew Jarecki idealiza devidamente, abrindo espaço até para uma afeição dos espectadores com David.

Ryan Gosling também contribui para tal sensação. Trata-se de um dos melhores atores de sua geração em mais uma ótima interpretação que vai da inocência à agressividade e ao cinismo em questão de segundos. Ele forma um complexo casal com a cada vez mais seletiva Kirsten Dunst, que surge graciosa e cheia de minúcias, em mais um bom trabalho da atriz nos últimos meses. Complementa o elenco o sempre competente Frank Langella, que retorna aos desprezíveis e malvados personagens que são tônica em sua carreira. Ele é o patriarca de uma família que, na vida real, não deve ter ficado tão feliz com o lançamento deste longa, mas que deve admitir que, de fato, trata-se de um grande entretenimento, mesmo que falte um pouco de ética para os seus realizadores.
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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.