Acrescentando seu típico dinamismo a uma tocante história, Joe Wright adiciona mais uma boa obra em seu currículo invejável.
Darlano Didimo
cinemacomrapadura.com.br
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NOTA: 8,0
Depois de dois ótimos filmes ingleses de época (“Orgulho e Preconceito” e “Desejo e Reparação”), quem imaginaria que Joe Wright teria como cenário para seu próximo filme as ruas cinzentas da Los Angeles contemporânea? Pois é, em sua primeira produção genuinamente americana, o diretor britânico muda de ares e também de foco. Não temos mais garotas temperamentais sem noção das consequências de seus atos, mas sim personagens “invisíveis”.
Mostrando o rosto e o talento desses indivíduos deixados à margem da sociedade, “O Solista” emociona sem ser piegas e diverte sem empolgações exageradas. Mais uma vez, Wright se utiliza de sua harmonia particular e nos presenteia com um longa-metragem tocante e dinâmico ao mesmo tempo.
Baseado em fatos reais descritos em livro homônimo, a trama tem como personagem principal o colunista Steve Lopez (Robert Downey Jr.). Indignado com a futilidade do jornalismo atual, Lopez busca boas histórias a serem contadas nos jornais em praças, túneis e subúrbios de L.A. Em um de seus passeios pelas cidade, conhece por acaso Nathaniel Anthony Ayres (Jamie Foxx), um morador de rua que, aos pés de uma estátua de Beethoveen, insiste em tentar tocar um violino de apenas duas cordas. O conteúdo de suas falas e a maneira como se expressa denunciam, no entanto, que Nathaniel tem algum problema mental. Mas a paixão do sem-teto pela música chama a atenção do jornalista.
Logo, Steve Lopez descobre que Ayres é um ex-estudante universitário e que sua habilidade instrumental vai além do que ele imaginava. Com o violoncelo, Nathaniel é, na verdade, um talento nato, não deixando a desejar a nenhum profissional na área. A repercussão da coluna, então, acontece, mas Lopez quer ir adiante. Quer ajudar o agora colega a conseguir um teto digno e a tratar sua evidente esquizofrenia. Mas a realidade social se apresenta bem mais problemática. Assim como Nathaniel, existem milhares, a única diferença está no seu dom.
A sinopse de “O Solista” pode dar a ideia de um filme sentimentalista, que quer tentar arrancar a todo custo uma lágrima do espectador. Mas a produção vai além. A emotividade como consequência da exploração de uma deficiência mental existe, pois ela é inevitável. Porém essa característica é incrivelmente branda e felizmente não é a única razão do longa. A denúncia social e a busca pelo autoconhecimento são as verdadeiras intenções da fita e nesses quesitos o enredo jamais decepciona, apesar de alguns erros acontecerem na metade final do filme.
Em uma cidade conhecida pelo glamour e pela exacerbação de dinheiro, o que vemos, entretanto, é algo absolutamente distinto. Los Angeles, assim como qualquer outra grande metrópole mundial, possui pobreza e aqui ela parece se aglomerar num único lugar. Na tentativa de ajudar Nathaniel, Lopez se depara com uma realidade cruel. Pessoas com diferentes tipos de deficiência mental lotam um grupo de assistência social, além de traficantes e usuários de drogas dominarem as redondezas da localidade. Diferente das áreas mais ricas de L.A, esses indivíduos estão bem visíveis. É impossível os ignorar e negar sua existência. Mas além dali, eles passam despercebidos na correria do dia a dia. Apenas o faro e a sensibilidade de um jornalista são capazes de achá-los.
Nesse sentido, o filme triunfa. A capacidade de cada uma dessas pessoas em narrar fatos de seu passado e descrever sua condição atual nos convence de que essas são histórias bem mais interessantes de serem publicadas em uma coluna de jornal. Quem pensaria que uma tímida e pobre velhinha sentada na beira de uma calçada se revelaria uma inspirada contadora de causos? Nem mesmo Steve Lopez. Por isso, a cada dia, ele se surpreende com o talento de Nathaniel e se dispõe a sempre estar ao lado dele.
A repercussão dos escritos no jornal leva ao aumento da verba da Prefeitura para aquelas pessoas e um teto particular é conseguido para Nathaniel. Mais do que realizar “caridade”, o jornalista passa por um processo de autoconhecimento. Assim como o amigo músico, ele é um homem só (daí a sacada do nome do filme), cuja secretária eletrônica permanece vazia de mensagens após sofrer um acidente de bicicleta e passar o dia no hospital. A relação atribulada com a ex-esposa e editora de jornalismo, Mary Weston (Catharine Keener), é outro ponto pendente a ser resolvido por Lopez, e o roteiro de Susannah Grant (“Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento”) é delicado ao retratar esses fatos.
No entanto, é a direção de Joe Wright o maior acerto de “O Solista”. Com o ritmo empolgante pelo qual está se tornando conhecido, ele eleva a qualidade do filme, fugindo de melodramas, mas aprofundando e denunciando como poucos conseguem fazer. Seus planos nunca são comuns, mas nem por isso parecem exagerados. Até um simples transporte de elevador vira algo diferente. A fotografia de Seamus McGarvey e a edição de Paul Tothill, com quem trabalhou em “Desejo e Reparação”, contribuem consideravelmente, e Wright poetiza, principalmente quando adere o ponto de vista de Nathaniel, viajando com suas músicas e imaginando a tonalidade de cor de cada som tocado.
Se o longa dependesse apenas da direção de Wright, seria um dos melhores do ano, mas o roteiro apresenta falhas graves. Em sua primeira metade, o filme aposta acertadamente na universalização da condição de Nathaniel, inserindo-o na categoria de excluído da sociedade, assim como tantos outros são. Mas a inclusão de flashbacks que mostram o passado do homem é uma total contradição a essa característica. Por mais que ele seja alguém diferenciado, não é tratando-o como tal que o enredo alcançará seu objetivo de denunciar. Mudando de foco, “O Solista” perde qualidade em sua segunda metade e a consequente oportunidade de ser um filme excelente.
Como também está se tornando praxe nos filmes de Joe Wright, as atuações são uma das melhores partes da produção. A naturalidade e a discrição guiam as performances inspiradas de Jamie Foxx e Robert Downey Jr.. Outro ponto positivo de “O Solista” é sua música. As sinfonias de Ludwig Van Beethoveen e outros compositores nos seguem até horas depois da sessão.
Poucas vezes o mundo contemporâneo foi invadido por uma trilha sonora clássica tão bonita e imponente. Quem dera cada metrópole tivesse um Nathaniel escondido e um Steve Lopez para achá-lo. Mas o mais difícil seria encontrar um Joe Wright para filmar esse momento.
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