quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Robert Altman - Legado é maior que os filmes, diz autor


















Biógrafo de Robert Altman descreve vida repleta de bebedeiras e jogatinas; mesmo falido, diretor se recusou a fazer "Mash 2"



Em depoimento no livro, ex-mulher diz que Altman tentou apostar o próprio filho do casal, bebê, em uma mesa de pôquer.




FERNANDA EZABELLADA
REPORTAGEM LOCAL



"Todos os estúdios vão falir... e eu amo isso!" A frase premonitória é de 1970, do então desconhecido diretor norte-americano Robert Altman, que, em poucos meses, tomaria o mundo de assalto ao ganhar o Festival de Cannes com a comédia sobre guerra "Mash".



A atitude pouco amigável com executivos de Hollywood, no entanto, continuou até sua morte, em 2006, aos 81 anos, após cinco décadas de altos e baixos no cinema, bebedeiras homéricas, jogatinas, mulheres e muita maconha.



Cenas da vida do cineasta estão nas mais de 500 páginas de "Robert Altman: The Oral Biography" (a biografia oral), lançada nos EUA (Alfred A. Knopf, 576 págs., US$ 23 na Amazon. com; cerca de R$ 41 mais taxas), do jornalista Mitchell Zuckoff. E, assim como Altman não queria uma voz única em seus roteiros, sempre repletos de personagens, o livro traz centenas de vozes, entre familiares e parceiros, que surgem em grandes depoimentos, organizados de forma a explicar as várias fases do diretor de "Shorts Cuts - Cenas da Vida" (93) e "A Última Noite" (2006).



Sua própria voz também está lá, tirada de mais de 20 horas de entrevistas com Zuckoff, as últimas que deu em vida. "Duas semanas antes de sua morte, ele parecia bem, falava que estava fazendo seu último filme ["Hands on Hard Body", inacabado].



Mas também falara isso do anterior e provavelmente diria dos próximos", disse o escritor por telefone."No final da vida, ele já não era mais tão festeiro, mas ainda fumava maconha.



Quando parávamos de trabalhar, eu desligava o gravador e conversávamos na varanda de sua casa em Malibu, olhando para o Pacífico. E ele sempre fumava."Foi justamente um curta em 16 mm que ensina a enrolar um baseado, "Pot au Feu", uma sátira de programas de culinária que era seu "cartão de visita", que fez um produtor escolher Altman para dirigir "Mash", o filme que lhe trouxe fama, mas também o "perseguiu" como um fantasma."Não dá para dizer a quantidade de dinheiro que me ofereceram para fazer outro "Mash" ou qualquer coisa parecida", conta Altman no livro.



"Não mexeria nem com as séries de TV! Nunca vi um desses episódios por inteiro. Eu não gosto e não gosto de nenhuma dessas pessoas [envolvidas]. E é o ciúme, também, que me leva a ter essas opiniões."



Mesmo quando na pindaíba, ao se desfazer de seu estúdio e vender casa e carro, nos anos 80, ele se recusou a fazer "Mash 2" por US$ 5 milhões, diz um de seus seis filhos, Stephan.




São os filhos, aliás, que mostram o outro lado de Altman, tão generoso com atores e tão omisso como pai. Para Zuckoff, a sinceridade dos depoimentos não seria possível se o diretor ainda estivesse vivo.



Lotus Corelli Altman Mon- roe, a segunda de suas três mulheres, narra os acessos de violência quando ele bebia demais. Diz que ele chegou a tentar apostar o filho do casal, bebê, num jogo de pôquer."Short Cuts"Nascido em Kansas City, Altman fez diversas tentativas de ser roteirista de cinema, indo e voltando de Hollywood três ou quatro vezes.



Também foi piloto de bombardeiros na Segunda Guerra e quase desistiu do cinema ao começar um negócio com o pai -queria tatuar números de identificação em todos os cachorros dos EUA.Por duas décadas, fez seriados de televisão, incluindo trabalhos com Alfred Hitchcock, alguns longas e um documentário sobre James Dean.



Indicado sete vezes ao Oscar, nunca ganhou -até 2006, quando a estatueta veio pelo conjunto de sua obra."Seu legado é maior que seus filmes. Ou seja, o jeito como ele viveu a vida. Poucos conseguem ser destemidos e corajosos como ele", diz Zuckoff.



Infelizmente, um de seus filmes mais populares, "Short Cuts", recebe pouca atenção no livro, já que Altman morreu antes que o autor pudesse aprofundar o assunto.



Mas está ali, no capítulo sobre o filme, uma das entrevistas favoritas de Zuckoff, com Julianne Moore, que fala da famosa cena de nudez (Altman adorava o fato de ela ser ruiva de verdade) e de como ele dava carta branca para os atores desenvolverem seus personagens.



"Sabe o que dizem sobre ele ser irascível, uma pessoa difícil? Bem, ele nunca foi assim com os atores, como pessoa criativa que eu conhecia. Ele guardava tudo isso para os caras do dinheiro", diz Moore.


Para o cineasta Martin Scorsese, outro entrevistado que surge em alguns momentos ao longo do livro, o melhor de Altman era seu "espírito de fazer cinema". "Ele dizia o que dava na telha em seus filmes. Isso pode ter irritado pessoas, mas ele fazia", diz Scorsese. "Ele fez filmes independentes em Hollywood, com o dinheiro de Hollywood, em última análise."

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