sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Baú das Séries: Joan Of Arcadia



E se Deus fosse um de nós?

Se você já assistiu Joan Of Arcadia, série exibida pela CBS entre os anos de 2003 e 2005, sabe bem o significado da frase que abre esse texto. Fiz questão de aproveitar esse pedacinho do refrão de “One Of Us” (by Joan Osborne) simplesmente porque ele é perfeito para descrever a produção, que foi sucesso de crítica na época, sendo um dos poucos programas indicados ao Emmy de ‘Melhor Série Dramática’ por sua primeira temporada.

Só isso já deve “vender” bem Joan Of Arcadia para aqueles que ainda não tiveram o prazer de conhecê-la e saibam de antemão: uma maratona com as duas temporadas e 45 episódios da série vale completamente seu tempo.

Infelizmente, como quase tudo o que é bom na TV americana, Joan Of Arcadia não durou muito. A audiência durante o primeiro ano bateu os 10 milhões, mas segundo consta, a queda para oito milhões durante a segunda temporada foi motivo suficiente para que a história ficasse por isso mesmo, o que é frustrante.

Não vou mentir. Dá gosto acompanhar cada episódio, mas quando você chega a Series Finale e enxerga as possibilidades não exploradas na possível 3ª temporada, a vontade de matar os executivos da CBS é inevitável.

Ao final da 2ª temporada é possível ver a convergência total de todas as intenções dos criadores e roteiristas, o “plano maior” deles, por assim dizer. É ali que se percebe que cada trama, cada história, cada pensamento, filosofia e discussão levantadas, cada problema entre os personagens havia sido trabalhado para aquela nova etapa.

Talvez seja apenas minha “ira de fã” falando mais alto, mas o que eu imagino que teria sido o 3º ano de Joan Of Arcadia é algo tão fenomenal que a decepção pelo fim precoce aumenta ainda mais.
Para quem não faz ideia do que se trata a série, a proposta é simples. Uma garota de 16 anos, Joan Girardi (Amber Tamblyn) começa a ter conversas com Deus, que não aparece como uma figura mítica envolta em luz e rodeada por anjos, mas apenas como um ser humano normal, que poderia ser seu vizinho ou o vendedor de enciclopédias mala sem-alça.

No começo tudo pode parecer aleatório nesses encontros entre eles, mas a verdade é que cada passo que Joan dá guiada por esse novo amigo, tem relevância e causa impacto, não apenas na vida das pessoas que a cercam, mas em todos os lugares.

O interessante é que essa premissa serve para a própria série. Nós talvez não enxerguemos logo de cara onde isso vai dar, mas em algum ponto, tudo fará sentido. Esse é um dos primeiros conselhos que Joan recebe de Deus, que aparece nas mais variadas formas.

Foram 57 atores escalados para o papel, todos impressionantemente coerentes com a “personalidade” dada ao Todo Poderoso. Depois de um tempo era fácil identificar Deus na multidão pelos simples gestos e olhares, pelo jeito de falar e também porque encaramos algumas formas mais comuns, como a menininha do parque, o bonitão, o gótico, a servente da escola ou o homem com os cachorros, curiosamente interpretado pelo pai de Amber Tamblyn.

A história é obviamente baseada nos relatos sobre Joana D’Arc (Joan Of Arc), a jovem heroína francesa que foi queimada como bruxa após vencer o exército inglês durante a Guerra dos Cem Anos. A série se aproveita da mitologia em volta dessa figura que, dizem, tinham conversas justamente com Deus.

A ideia toda de Barbara Hall, criadora da série, era trazer um pouco disso para o universo familiar e escolar da fictícia Cidade de Arcadia, local em que a família Girardi está começando vida nova depois de uma grande tragédia que fez Kevin (Jason Ritter) seu filho mais velho se tornar paraplégico.

Enquanto Joan vê sua vida de adolescente virar uma loucura de experiências variadas (todas gentilmente sugeridas por Deus) vamos conhecendo melhor cada personagem dessa trama e o resultado é um apego surpreendente à maioria deles. Se eu tivesse que apontar o que menos gosto diria que são os pais de Joan, Will (Joe Mantegna) e Helen (Mary Steenburgen). Os dois têm até bons momentos, mas em algum ponto o foco nos casos policiais e no trabalho de Will e os probleminhas domésticos do casal acabam cansando um pouco.

Fora isso, não sei apontar um favorito. Gosto bastante das nerdices de Luke (Mike Welch) o irmão mais novo de Joan; Grace (Becky Wahlstrom) com sua anarquia raivosa, assim a doçura de Adam (Christopher Marquette) que é simplesmente contagiante.

Sem dúvida o elenco todo tem bastante qualidade, mas o principal é que não estamos lidando com aqueles rostinhos bonitos que estão ali somente por isso. O esforço da produção para fazer essas pessoas “reais de verdade” é notável e faz a diferença.

Outro ponto importante está nas discussões levantadas pela produção. Não é preciso ser religioso ou acreditar em Deus para assistir, gostar e se divertir. A questão da fé é tratada com bastante delicadeza e bom humor, sempre impondo diversas visões sobre o assunto, questionando pontos chave, como a difícil união entre ciência e crença.

Por todos esses elementos Joan Of Arcadia deve ser tratada como uma jóia rara da TV. Infelizmente não foi possível vermos concretizadas todas as intenções da série, mas de forma alguma isso deve ser visto como demérito. O que foi produzido e levado ao ar é exemplo de entretenimento inteligente.

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