O Preço do Amanhã: mais do mesmo de Andrew Niccol em futuro distópico
Em seu novo longa, o diretor continua sua exploração humanista por meio da ficção científica. Aqui, infelizmente, a mensagem acaba diluída em meio a burocráticas cenas de ação e um disfuncional romance sem química alguma.
Avaliação: nota 5
Tempo. Todos nós buscamos modo de aumentar nossa qualidade de vida e fazer com que nossa existência seja não apenas mais confortável, mas também mais duradoura. Mas o que aconteceria se a humanidade descobrisse como manter uma juventude eterna? Nosso planeta suportaria uma população de humanos teoricamente imortais? Como funcionaria uma sociedade onde se pode permanecer eternamente jovens? Essas são algumas interessantes perguntas propostas pelo diretor e roteirista Andrew Niccol em “O Preço do Amanhã”.
Neste mundo, onde tempo é literalmente dinheiro, com uma passagem de ônibus podendo custar oito minutos de vida e uma estadia em um hotel de luxo outras duas semanas, conhecemos Will Salas (Justin Timberlake), trabalhador braçal que mora em um bairro pobre e que acorda todo dia para ganhar mais 24 horas de vida.
Após uma briga de bar, Will salva a vida de um homem (Matt Boomer) com mais de um século de vida em seu relógio, ganhando esse tempo como recompensa. Chocado ao descobrir a verdade sobre o sistema e ver sua mãe (Olivia Wilde) morrer nos seus braços ao ter seu tempo esgotado, ele resolve enfrentar o status quo vigente, sendo caçado pelo agente do tempo Ray (Cillian Murphy) e acabando por ter em sua cruzada a companhia involuntária de Sylvia (Amanda Seyfried), herdeira do magnata Weiss (Vincent Kartheiser).
O filme começa muito bem, mostrando as diferentes nuances daquele mundo e o sofrimento das classes baixas em comparação com a ostentação dos imortais ricos. Nos guetos, pessoas caem mortas ao verem seus relógios esgotados, mafiosos caçam o tempo de presas fáceis e o aumento do custo de vida consegue tornar a situação daquelas pessoas quase insustentável.
Enquanto isso, nos locais nobres, os ricos aproveitam suas existências potencialmente eternas sem pressa, saboreando seus luxos enquanto temem perder sua imortalidade em acidentes, esquecendo-se de viver no meio disso tudo. Nesse ponto da projeção, somos apresentados a conceitos fascinantes, como os fusos horários e a própria noção de como o sistema sócio-econômico daquele mundo funciona.
No entanto, a película perde força no momento em que ganha ares de “Bonnie e Clyde”, com os dois personagens principais arquitetando roubos para desestabilizar o sistema. Abandonando qualquer intenção mais intimista, Niccol investe em burocráticas cenas de ação, algo com o que o diretor obviamente não está acostumado a trabalhar. A facilidade com a qual a dupla central realiza suas ações chega a ser incômoda e tira qualquer noção de peso dessas sequências.
O próprio relacionamento do casal principal do longa é um dos fatores que fazem com que este simplesmente não decole como poderia. Justin Timberlake surge simplesmente apático nos momentos mais dramáticos da fita, jamais convencendo o público de suas motivações. A cena da morte de sua mãe, momento seminal para o personagem, passa quase em branco, tendo em vista que o ator falha em transmitir o impacto daquele acontecimento para a audiência.
Amanda Seyfried, por sua vez, aparece sem motivação nenhuma, exalando um ar blasé durante toda a projeção que é absolutamente enfadonho. À exceção de um ótimo momento na praia, compartilhado por sua personagem e o de Timberlake, o relacionamento dos dois é algo absolutamente sem química, parecendo que a jovem e rica Sylvia só está com Will por conta de um caso mal-explicado de Síndrome de Estocolmo.
A tela ganha um pouco mais de brilho toda vez que o talentoso Cillian Murphy surge como o policial Ray, certamente a figura mais complexa que surge em cena. Na força há 50 anos, o oficial veterano realmente acredita estar fazendo a coisa certa ao ajudar o sistema, dando indícios que seu período como policial o deixou mais cínico em relação à vida, algo que Murphy consegue exprimir muito bem através da postura sempre cansada adotada em sua caracterização.
Interessante notar as semelhanças entre este “O Preço do Amanhã” e o fenomenal “Gattaca – A Experiência Genética”, belíssima ficção científica também comandada por Andrew Niccol. Nos dois filmes, vemos homens injustiçados por um sistema elitista massacrante, tentando provar que o indivíduo é maior que o futuro projetado por ele pela sociedade, sendo caçados por indivíduos com tenacidade quase javertiana que possuem ligações com seus passados. Inclusive, ambas as histórias possuem cenas na praia essenciais para os arcos narrativos de seus protagonistas.
O design de produção e os figurinos remetem a um futuro retrô, estilo o qual muito aprecio e foi bem executado por Andrew Niccol e sua equipe, mantendo uma coerência estética com a filmografia do cineasta. O mesmo não pode se dizer da trilha sonora da produção, absolutamente esquecível e nada marcante. Ao incluir cenas de ação desnecessárias e um par de protagonistas mal escolhidos, este “O Preço do Amanhã” teve sua força diluída por um poder ainda maior: a necessidade de transmitir sua mensagem de maneira comercial. Uma pena.
___
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema
Nenhum comentário:
Postar um comentário