Avaliação: nota  7
 
 
 

É possível perceber ao menos uma diferença evidente entre as sequências circenses e aquelas que se desenvolvem fora das lonas no novo filme de Selton Mello, “O Palhaço”. Quando assumem seus personagens dentro dos limites do picadeiro, as figuras ganham uma peculiar tonalidade em seus rostos e trajes, causada pela elaborada fotografia em tons alaranjados. Toda a magia e contemplação envolvidas no ato de fazer arte circense parecem imersas em uma atmosfera que de tão iluminada, tão resplandecente, é capaz de camuflar a vida real. Quando o espetáculo termina e as cortinas são definitivamente fechadas, as cores da rotina, da insatisfação e do vazio dão o tom.
“O Palhaço” encontra na vida de uma trupe circense o substrato máximo para trabalhar essa dualidade: os rostos eternamente felizes e artificiais do picadeiro escondem histórias tão banais e humanas quanto as nossas. E o exemplar perfeito é a tão explorada figura do palhaço trágico, que se não aqui não ganha traços originais compensa sua deficiência por qualidades técnicas que conseguem manter em níveis elevados o desenrolar do filme.

O palhaço Pangaré (Selton Mello), uma das estrelas do circo Esperança – imagine quão sugestivo esse nome pode ser – arranca gargalhadas exageradas do cada vez mais escasso público nas cidadezinhas de interior em que seu circo se hospeda. Seus gestos demasiadamente teatrais e suas piadas vez por outra picantes fazem sucesso e ajudam a garantir a sobrevivência da trupe. Quando o espetáculo do dia chega ao fim, o dinheiro é contabilizado e a maquiagem retirada, conhecemos Benjamim, que não tem graça alguma. Desde o início percebemos que uma grande insatisfação injustificada move o seu personagem, que sente crescer dentro de si um vazio tão grande quanto as enormes paisagens captadas pelas câmeras. O grande problema é que nem ele sabe explicar os motivos daquela sensação, que nos é apresentada pelo seu eterno olhar perdido, dificuldade para travar conversas com estranhos, insônia e o crescente desejo por um ventilador.

Selton Mello, um dos expoentes do cinema nacional na última década, sabe honrar com sua atuação firme o incrível número de pessoas que se dirige ao cinema atraídas por seu nome.  Mesmo quando ocupa o picadeiro com as piadas e mímicas de Pangaré, o ator consegue manter em suas expressões e, sobretudo em seu olhar, o desespero interno de Benjamim. Enquanto isso nós, espectadores, rimos o riso da suspeita, curiosos pelas causas daquela insatisfação e encantados pelo desenrolar dos atos circenses.

Apesar de Selton ser o chamariz principal para “O Palhaço”, outros nomes que formam o elenco merecem destaque, seja pela importância que representam para a dramaturgia nacional, seja pelo excelente trabalho que oferecem no filme em questão. A velha guarda impera, com atores como Jackson Antunes e Tonico Pereira. No papel do delegado Justo, com a sua voz grave tão característica, Moacyr Franco é uma maravilhosa surpresa. Paulo José faz o palhaço Puro Sangue, dono do circo e pai de Benjamim, e nos brinda com mais uma atuação memorável.

O talento de Selton Mello também vai para trás das câmeras. Como diretor, ele é seguro e ousado, e em algumas ocasiões sua câmera se movimenta de modo curioso e poético. Preste atenção no modo como é filmado o corpo de uma das moças da trupe, enquanto ela adentra o recinto e se joga na cama, ou ainda na sequência final, com uma câmera que acompanha os movimentos da encantadora garotinha vivida por Larissa Manoela.

A curta duração do filme talvez prejudique um pouco a sua execução, visto que se torna quase impossível oferecer uma descrição mais profunda de alguns personagens, todos eles curiosos e com potencial para estrelarem outros filmes. Não chega a ser um problema, mas torna tudo menos agradável, principalmente por não garantir mais espaço para uma explicação adequada sobre as inquietações de Benjamim.

“O Palhaço” tem tudo para figurar ao lado de grandes filmes com temática regional que tonaram-se sucesso de público e crítica, como “O Auto da Compadecida” e “Lisbela e o Prisioneiro”. A grande diferença entre eles está na sensível carga dramática colocada por Selton em seu produto. Afinal, quem vai fazer o palhaço rir?
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Jáder Santana é crítico do CCR desde 2009 e estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Experimentou duas outras graduações antes da atual até perceber que 2 + 2 pode ser igual a 5. Agora, prefere perder seu tempo com teorias inúteis sobre a chatice do cinema 3D.