Fábio M. Barreto
Publicado em 23/04/2010 13h21
Depois de dirigir por meia hora até a praia de Santa Monica, perto de Los Angeles, esperei alguns minutos até que Eric Kretz, baterista do Stone Temple Pilots, chegasse para conversar sobre o novo disco da banda, Between the Lines. É o primeiro disco do STP depois de sete anos no limbo e é ótimo.
Logo que Kretz se apresentou para conversar com o Virgula e perguntou sobre os favoritos da Copa do Mundo, sabia que estava diante de uma grande oportunidade. Kretz contou sobre os bastidores de Between the Lines, seu início de carreira, a dinâmica da banda, as mudanças impostas pela tecnologia ao mundo da música, mas tudo começou... bem, com futebol. Confira a entrevista exclusiva!
De onde vem esse interesse por futebol?
Joguei muito quando criança e continuei gostando. Sempre que posso, assisto os campeonatos europeus, mas a Major League Soccer [campeonato americano] não empolga (risos).
E vai acompanhar a Copa do Mundo? Por isso me perguntou sobre os favoritos?
(risos) Você é brasileiro, tem alguém melhor para perguntar? (risos). Estarei em tour em julho, então quando o tempo fica ruim e a gente não tem para onde ir, assistir à Copa do Mundo vai ser o melhor programa. Estou me programando e quero saber em quais seleções ficar de olho. Imagina assistir futebol em alta definição. Faz toda a diferença, é lindo. É como os mestres pintores da antiguidade, que podiam incluir novas camadas de cor, sombras, valorizar cada ponto. Seja a NFL ou a Copa do Mundo, a tecnologia beneficiou fantasticamente.
E se a tecnologia tem feito tudo isso para o cinema, como tem afetado o jeito de se fazer música?
O processo de criação não mudou muito. Between the Lines é o primeiro disco em que Dean chegou quatro ou cinco músicas totalmente arranjadas e com demo inclusive, com guitarras, solos e até com bateria em alguns casos. Tudo isso para que sentíssemos o espírito de cada música. Mas isso não aconteceu necessariamente por conta de facilidade tecnológica, mas principalmente pelos sete anos longe do estúdio. Dessa vez, pudemos testar muitas coisas novas pela facilidade da edição, afinal, não precisamos mais ficar rodando as fitas para achar o ponto exato, cortar com a tesoura e remendar com fita adesiva depois.
Acredito que essa nova realidade influencie o seu modo de encarar a bateria, certo? Isso abre mais espaço para experimentar novos sons ou jeitos de tocar?
Sem dúvida. Experimentar mais é a maior adição desse processo, especialmente fazer coisas humanamente impossíveis (risos). Uma das coisas que fiz em Between the Lines foi bater em dois pratos do lado direito, ao mesmo tempo em que batia em dois pratos do lado esquerdo. Era como se eu fosse Shiva e tivesse vários braços! (gargalhadas).
Como vai replicar esse efeito na turnê? Já deu um jeito de conseguir dois braços extras?
(risos) Não seria má idéia! Bem, é um momento muito pontual no álbum e para encontrá-lo é preciso saber o que está procurando. Não é nada que vá comprometer, mas, de qualquer forma, a versão ao vivo sempre sofre algumas modificações leves. Consegui um jeito para simular a impressão por conta própria, mas não vai prejudicar a execução. Afinal de contas, é impossível! (risos)
Já que você gosta de música e de cinema, acredito que tenha assistido ao filme Coração Louco, com Jeff Bridges?
Sim, grande filme!
Pois é, lembra da cena em que Bad Blake (Bridges) termina de escrever “The Weary Kind” e a personagem de Maggie Gyllenhall diz ter a impressão de já conhecer aquela música; e Bad explica: “têm músicas que, de cara, soam como conhecidas”. Foi assim que reagi a Between the Lines. Uma conexão imediata e vou além, uma espécie de retomada do ritmo dos anos 90. Era a intenção? É o momento para um retorno daquele estilo?
Nossa, cara! Acontece exatamente o mesmo comigo quando ouço alguns discos, sabe? É o sentimento de escutar exatamente o que quero ali, de embarcar imediatamente naquele ritmo e ser envolvido. Planejar esse efeito é impossível. É apenas o resultado do que os quatro elementos da banda estavam dispostos a fazer naquele momento, até onde nos deixamos guiar pela influência de cada um. É a famosa “química” da banda.
Com a cultura do download num caminho sem volta, vocês têm que se preocupar mais do que o habitual com a qualidade para garantir “vendas maiores”? Afinal, na Internet, é preciso vender absurdamente bem para faturar alguma coisa...
Felizmente, isso não nos afetou por sermos afortunados o suficiente de ter uma gravadora forte nos lançando. A qualidade de som se mantém no patamar de qualidade que desejamos e o CD é o melhor canal para transmitir essa qualidade. Gosto de ouvir música em MP3 quando estou usando fones de ouvido, mas não posso dizer o mesmo quando uso um sistema de áudio melhor, seja no carro ou, especialmente, no meu estúdio.
Há tanto ruído ali que a experiência fica insuportável por causa da compressão da qualidade necessária para a música caber em 4 ou 5 MB de espaço. O músico é prejudicado por isso. É como assistir a um jogo de futebol numa TV pequenina e em preto e branco. Todo mundo quer, e merece, assistir em alta definição!
Falando em geração internet, vocês acham que a música de vocês dialoga bem com ela? Se preocupam com a mensagem?
Tudo depende da mensagem a qual você se propõe. Fico mordido quando vejo pessoas do entretenimento se envolvendo em política ou assuntos fora de sua alçada. A maioria desse pessoal começou a vida de forma modesta, ou até pobre, aí por ter ficado rico em Hollywood acham que sua opinião é válida. Quanto mais estudo, leio, me informo e convivo com a política, mais reparo o quão problemáticos os políticos estão e que quem mandam são os lobistas. É preciso ser um político profissional para poder opinar com propriedade sobre tudo isso. Tudo bem o sujeito conversar com os amigos, numa mesa de bar, na festinha do filho, mas espalhar as idéias na TV ou na internet – onde pessoas vão ser afetadas e, quem sabe, tomar atitudes com base naquilo – parece irresponsável.
No caso do Stone Temple Pilots, há uma linha guia para a postura da banda?
Não necessariamente. A música em si é a mensagem. São esses quatro indivíduos apaixonados e determinados. Não somos tão sólidos e bem-estruturados pessoalmente para tentar salvar o mundo (gargalhadas). Quando vejo gente como Bono agindo, especialmente depois de ter feito tanto em escala global, sinto vontade de integrar esse grupo, mas é preciso ter uma vida muito mais balanceada e irremediável por anos a fio e não é nosso caso. Consistência é chave.
Quer dizer, então, que falta consistência pessoal à banda?
Pessoal um pouco, mas acontece pelo fato de não almejarmos aquela posição. Quanto às letras, devemos dar crédito ao Scott. Quando começamos a banda, nós éramos os idealistas sentados num café discutindo política com algum artista ou intelectual. Havia uma paixão pelo assunto, quer dizer, ela ainda existe, mas não guia nossos caminhos. Scott lê tanta coisa e é capaz de versar sobre seus sentimentos, coisas que o deixam com medo, ou virar a mesa e abordar momentos de felicidade extrema ou vitória. O resultado disso é que ele sabe contar uma história como poucos.
Muitas bandas ou músicos tentam sair desses períodos de hiato com covers ou fórmulas de sucesso garantido. Isso foi discutido em algum momento?
Não. Gravar covers é legal como exercício e como homenagem, mas se for para gravar um álbum cheio deles é melhor entrar para uma banda que só toca aos finais de semana em bares e festas (gargalhadas). São clones. Não que fique ruim, por exemplo, ouvi um cover para New World Man, do Rush, num estilo bastante eletrônico... ficou brilhante. Não sei quem fez, mas me deixou de queixo caído. Estava mijando no banheiro e era música ambiente, tomei um susto e pensei: “ah? Rush?”. Foi meio surreal. Liricamente, Rush fica bom em qualquer lugar.
Ficou com medo do último terremoto?
Nem! (risos). A não ser que as coisas comecem a cair das prateleiras, não me preocupo (risos). Fui criado em San Jose, aqui na Califórnia, então estou acostumado. Agora o interessante foi ver o rosto da minha esposa. Ela entrou em pânico! Ela é canadense. Comecei a rir histericamente na frente dela. Ela não ficou muito feliz. Quando eu ficar com medo, aí ela pode se desesperar.
É o fim do mundo chegando! (risos) Terremotos, vulcões, tantas catástrofes naturais. Até agora não consegui compreender a magnitude do que aconteceu no Chile. Tudo pode acontecer.
Música pode mudar as pessoas?
Com certeza! Começando comigo, mudei por causa da música. Quando abri o álbum Alive II, do Kiss, aos 10 anos, e vi o palco pela perspectiva do Peter Criss, com aquela bateria gigantesca tomando conta de metade da foto, pirei! Aquela cena transformou aquele garotinho. Eu queria viver aquele circo de luzes, guitarras, rock’n roll e de toda aquela energia vindo da platéia. Naquele momento comecei a aprender a guitarra. Meu pai ajudou um bocado, pois sempre trazia novos discos. Ouvia de bluegrass a AC/DC, então foi fácil despertar esse monstro sedento por novas músicas e estilos.
Pronto para a turnê?
Quase! (risos) Pelo que sei, começamos pelos Estados Unidos em junho, seguimos para Europa em julho, e América do Sul em Outubro. Estou empolgado para ir. Nunca visitei o Brasil. Tocamos na Argentina ano passado. É como tocar na frente de 40 mil bateristas. O modo como eles compreendem a música, sabem os ritmos, acompanham cada nota. É uma dedicação exemplar que encontramos na América do Sul. Nos Estados Unidos, o pessoal se empolga nos hits, mas no seu continente, TUDO fazia sentido. Foi uma das experiências mais vívidas que já tivemos em um show.