Avaliação: NOTA 8
 

Existe uma graciosidade nas produções argentinas dos últimos anos. A competência dos realizadores mantém o bom nível de suas histórias, quase sempre centradas em dramas bem elaborados que desenvolvem competências que fogem ao costumeiro do cinema americano. Foi assim com o premiado “O Segredo dos Seus Olhos”, de Juan José Campanella, e “Dois Irmãos”, de Daniel Burman, sem falar nos já clássicos “O Filho da Noiva”, também de Campanella, e “Plata Quemada”, de Marcelo Piñero, entre outros. Este “Um Conto Chinês” mantém a qualidade deste mercado e mostra que histórias parcialmente absurdas podem fazer rir de uma forma bem mais peculiar.

Protagonizado por Ricardo Darín, atualmente o ator de maior referência da Argentina no mercado internacional, a trama é praticamente uma comédia de costumes ao mostrar a relação entre um argentino antipático e um chinês perdido em Buenos Aires que se cruzam por mero acaso. Roberto (Darín) leva uma vida automática e solitária, até que Jun (Ignacio Huang) aparece para desestabilizar (ou seria estabilizar?) a sua vida. Com problemas de comunicação devido aos idiomas completamente distintos, os dois passam a conviver de forma estranha e nem sempre pacata, esperando o momento em que alguém salvará o chinês naquela terra de desconhecidos.

Aparentemente sem família em Buenos Aires, Jun passa a “trabalhar” com Roberto em sua loja de ferragens, ao mesmo tempo em que eles dividem o mesmo teto sem ao menos se gostarem. Entretanto, é durante essa convivência que o público passa a enxergar o quão parecidos são os dois personagens, mesmo que eles não se compreendam verbalmente, apenas por gestos, expressões ou histórias de vida.

Nesse meio tempo, Roberto nos parece extremamente inacessível, como se o acolhimento do chinês fosse apenas um favor temporário. Esperamos que eles se apeguem, mas isso nunca fica tão claro. O clímax que nos faz compreender o quão o destino pode ser irônico para as pessoas é bem mais significativo do que qualquer clichê no terceiro ato costumeiramente usado pelas comédias americanas. Darín e Huang formam uma dupla deliciosa de se ver em cena, cada um com grandes atributos que dão a uma trama simples um bom êxito.

Darín, que aqui empresta um pouco de seu caráter cômico, ainda que exerça todo o seu potencial dramático, desempenha com grande êxito toda a profundidade de seu personagem, sofrido pelas mazelas do passado e que “aprendeu” a ficar sozinho. Roberto não dá abertura nem a um possível novo romance em sua vida, ao mesmo tempo que transmite sua dificuldade em aceitar no que se transformou. A rotina do protagonista fala muito sobre como sua vida virou mero acaso, apenas aceitando que um dia é seguido do outro e por aí vai. Mas ao conhecer Jun, ele passa a se importar, mesmo que nem sempre demonstre, com aquele rapaz jovem e que tanto o lembra: perdido, sozinho e claramente de bom coração.

Dirigido e roteirizado pelo pouco conhecido Sebastián Borensztein, que tem experiências com séries de TV e acumula alguns filmes pouco conhecidos por aqui, o longa mostra que o conceito de “histórias absurdas” é relativo. A trama foi baseada em uma história real, contada rapidamente nos minutos iniciais da película, e é cercada de boas tiradas e gags bem desenvolvidas pelo elenco. Não há o exagero da comicidade, jamais se aproximando do humor pastelão e sempre reiterando o caráter dramático daquela situação. Borensztein sabe como explorar seus personagens e, por mais que não se destaque tanto em relação ao seu desempenho técnico no cargo de diretor, dá ao filme grande simpatia e que pode chegar a emocionar em seu terceiro ato.

“Um Conto Chinês” é uma comédia dramática que nos traz mais uma relação curiosa e bem realizada em cena. Ainda que não marque de uma forma visual e não acrescente grande estilo à filmografia argentina, o longa é forte por sua história sensível e de empatia certa, além da sempre agradável presença de Darín nas telonas. Recomendado para quem cansou de besteirol ou das mesmas piadas de sempre contadas pelos mesmos ângulos.
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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e professor universitário na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.