Avaliação: NOTA 8
 
 


Que o Brasil é o “país do futebol”, todo mundo já sabe. O que poucos conhecem é a história de um dos melhores e mais controversos jogadores nacionais que já existiu: Heleno de Freitas. Brilhando nos campos durante a década de 1940, ele jogou no Botafogo (seu time de coração), no Vasco, no Boca Junior, entre outros. Antes tarde do que nunca, essa história é atualmente retratada no longa que tem seu nome como título. Mas, ao contrário do que se pode pensar, não se trata de um filme sobre futebol, sendo este apenas um pano de fundo que justifica nosso interesse pela vida pessoal do jogador, interpretado por Rodrigo Santoro.

O roteiro de Felipe Bragança, Fernando Castets e do diretor José Henrique Fonseca lida muito bem com a inevitável necessidade de introduzir o personagem título ao grande público, que o desconhece. Abstém-se de forma louvável do excesso de diálogos expositivos e da narração didática, valorizando o potencial narrativo das próprias ações. É paciente em tornar Heleno gradualmente familiar, elaborando pequenas situações que dizem muito sobre seu caráter.

O foco é inteiramente centrado no personagem. Isso pode causar um certo estranhamento inicial para quem não teve um contato prévio com a figura de Heleno, mas o interesse surge à medida que percebemos o drama do personagem, que não se limita à esfera esportiva. Outros elementos também recebem a devida atenção na trama: os casos amorosos, o descuido com a saúde, o temperamento difícil, entre outros. Tudo isso é trabalhado sem exageros dramáticos e até com certo respeito. Os jogos de futebol são mostrados apenas em cenas de transição, tendo mais uma função ilustrativa e introspectiva do que servindo de base para o enredo e influenciando diretamente este.

A preferência dada à pessoa em vez do ídolo também é notável pelos frequentes planos fechados, como se quisessem invadir a mente do jogador e questioná-lo sobre suas atitudes e emoções. A bela fotografia em preto e branco de Walter Carvalho dá consistência estética à obra, reconstruindo a atmosfera da época com sucesso. Além disso, também nos remete a um personagem esquecido pelo povo, deixado no passado e pouco reconhecido atualmente.

A narrativa não linear é uma boa estratégia para intrigar o espectador. Isso funciona ainda mais quando a fase mais recente não é a mera evolução da mais antiga, e sim uma total desconstrução desta. O choque entre o famoso craque galanteador e o quase inválido paciente de um hospital psiquiátrico é gritante. A montagem seca de Sergio Mekler é o único elemento que parece dar uma continuidade a essa dualidade, reconhecendo a mesma pessoa independente das condições em que se encontra. 

A maquiagem realista combinada com a brilhante atuação de Santoro traduz efetivamente o radical declínio do personagem.

É visível a dedicação do ator, que consegue vender bem seu papel. É dele quase toda a responsabilidade pela empatia do público, especialmente quando interpreta alguém pouco carismático. Alguns improvisos são perceptíveis e admiráveis, rendendo cenas memoráveis como a da conversa em roda de grupo entre os pacientes do hospital e a do recebimento do dinheiro por um jogo no vestiário. Os coadjuvantes também não deixam a desejar, embora nenhum se destaque tanto quanto o protagonista – e nem têm espaço para isso. Aline Moraes, que interpreta Silvia, a esposa de Heleno, faz um bom trabalho, mas na maior parte do tempo se limita a uma atuação genérica, apresentando somente alguns momentos pontuais de maior relevância.

“Heleno” é um ótimo representante da nova safra de produções nacionais, cada vez mais ousadas na forma e no conteúdo. O esforço e o talento dos envolvidos em realizar o projeto estão impressos na tela, desde a textura da imagem até os improvisos. Todos os elementos trabalham em harmonia para prestar uma merecida homenagem a um homem que dedicou corpo e alma ao amor por aquilo do qual um dia desfrutou.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.