Avaliação: NOTA 8
 


Em 1943, o então presidente Getúlio Vargas organizou a expedição Roncador-Xingu, que buscava desbravar a região amazônica do Mato Grosso. Na empreitada, três irmãos foram escolhidos: os Villas-Bôas. Por meio do contato direto com os índios da região, eles se engajam em uma incessante defesa de direitos e autonomia que, em 1961, vai culminar na criação do Parque Nacional do Xingu, área de total autonomia indígena.

O cineasta Cao Hamburger, criador do sucesso “Castelo Rá-Tim-Bum” e do longa “O Ano que Meus Pais Saíram de Férias”, viu a importância histórica, social e política do tema e se embrenhou para contar parte desta história em “Xingu”, contribuindo com o roteiro escrito a seis mãos junto de Helena Soarez e Anna Muylaert.

O longa começa com a chegada dos irmãos Cláudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat) nas aldeias do Alto Xingu, em um contato direto com os índios da região. O estranhamento e choque naturais das culturas logo dá lugar a uma relação de respeito e amizade envolvendo brancos e peles vermelhas.

O encantamento inicial diante da cultura e costumes dos indígenas cativam os sertanistas que logo passam a fazer parte da rotina na mata, aprendendo a língua, construindo ocas e estudando os nativos em uma literal ode ao “branco bom”. Buscando preservar ao máximo os valores culturais da raça, os Villas-Bôas logo veem o surgimento dos problemas do convívio, como o envolvimento com as índias e, principalmente, o surgimento de doenças, como uma epidemia de gripe que extermina metade da tribo.

O envolvimento do trio logo ganha destaque nacional, chamando a atenção de interessados inescrupulosos que querem explorar a área com a criação de postos e, até mesmo, de uma base militar. O resultado, claro, colocaria em risco a segurança dos nativos. Porém, outras ameaças rondam a região, como seringueiros, mineradores e agricultores, que anseiam pelo domínio do local e escravização dos  índios.

Do comportamento impulsivo e imaturo de Leonardo, passando pela fascinação e respeito de Cláudio e culminando na ânsia por liderança de Orlando, Xingu explora de forma competente a saga de três homens que defenderam a cultura indígena com o que tinham em mãos, além dos conflitos entre si, especialmente com Leonardo, que sai da expedição após engravidar uma das índias.

Tal dedicação ganha ainda mais destaque quando Orlando se aproxima da cúpula política brasileira e faz com que o presidente Jânio Quadros decrete a criação do Parque Nacional do Xingu em 1961, três anos antes do golpe que instituiu o Regime Militar no País. É a grande conquista dos Villas-Bôas, em uma causa que rendeu a Cláudio e Orlando duas indicações ao Prêmio Nobel da Paz e cujo Parque, atualmente, abriga 50 aldeias, com autonomia dos indígenas desde 1984.

Em seu primeiro filme adulto – considerando que “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”  também o é, mas é retratado pelos olhos de uma criança – Hamburger construiu uma obra ousada. Contando com diversos atores e figurantes indígenas, o cineasta oferece um longa com ritmo e que se apoia na fotografia e trilha sonora que não decepcionam. O dedo de Fernando Meirelles, um dos produtores junto de sua O2 Filmes, também é sentido em se tratando de qualidade, cuja história poderia resvalar em uma obra rasa e pretensiosa.

Assim, “Xingu” consegue distribuir os diversos enfoques de uma operação de tal magnitude, como os conflitos entre os irmãos, a relação entre índios e brancos, a questão política de poder e cobiça diante da terra e a fascinante cultura indígena, incluindo diversos diálogos na língua tupi. Até mesmo o lado pessoal dos personagens não é deixado de lado, como a culpa que Cláudio sente por intervir na cultura daquela população e os perigos que a expedição acarretou durante todos aqueles anos.

O trio de atores entrega interpretações corretas, destacando-se o sempre competente João Miguel, que dá vida a Cláudio, o homem que oscila entre o encantamento ingênuo e o comprometimento racional diante de sua missão. Já Hamburger, experiente em criar obras voltadas ao público infantil, dirige o filme de forma delicada, quase lúdica e inocente. Até mesmo o envolvimento dos brancos com as índias é mostrado com uma sensualidade quase pudica, discreta. Talvez a decisão tenha sido com intuito de atingir um público mais amplo e, mesmo com o risco de causar certo estranhamento diante do público adulto, entrega uma obra acima da média sobre um feito histórico de crucial importância no Brasil.
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Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.