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James Cameron uma vez falou que filmes que apelam para a pós-conversão em 3D, aqueles que não foram filmados com as câmeras específicas para o formato, matariam essa tecnologia. Seria fácil enxergar alguma hipocrisia por parte dele no relançamento de “Titanic” nos cinemas, agora convertido em 3D. Mas tem um pequeno detalhe a ser considerado: quando se trata de aspectos técnicos, o cineasta nunca faz nada nas coxas.

Aproveitando o centenário da tragédia marítima que ceifou mais de 1.500 vidas, o ressurgimento de um dos longas de maior sucesso de todos os tempos nas telonas com o plus do ingresso 3D mais caro certamente não fará mal aos bolsos de nenhum dos envolvidos. Mas será que, do ponto de vista do cinéfilo, esta volta faz sentido? Ao contrário das constantes mudanças que George Lucas fez na hexalogia “Star Wars”, “Titanic”, salvo a utilização do 3D, chega inalterado às telas. E isso é ótimo.

As audiências de hoje poderão revisitar a produção cinematográfica mais cara de seu tempo (praticamente) do jeito que fora originalmente concebida. E nos faz apreciar ainda mais o perfeccionismo que torna Cameron, seu diretor e roteirista, tão peculiar. Com exceção de alguns detalhes de chroma-key, o longa simplesmente não envelheceu, estando tão impressionante hoje quanto em 1997.

Não falo apenas da malfadada colisão do Titanic com o iceberg e de suas consequências terríveis e retratadas de um modo visualmente arrebatador, mas sim pela recriação dos salões e deques do navio nos mínimos detalhes, passando pelas louças e mobílias até chegar à proa do navio. Vemos na tela cada centavo do orçamento do filme, além de cada minuto dos vários anos que Cameron passou pesquisando a embarcação antes de embarcar neste projeto herculeico. Uma esplendorosa direção de arte e figurinos irretocáveis atuam em perfeita simbiose com efeitos especiais digitais e práticos, tudo isso fotografado de maneira impecável.

Representando-nos na tela está Brock Lovett (Bill Paxton, o “chaveirinho” de James Cameron), caçador de tesouros dos anos 1990 que busca apenas seu prêmio, o valioso colar conhecido como “O Coração do Oceano”, sem se importar com a tragédia humana. É por meio da narração de uma idosa senhora idosa chamada Rose (Gloria Stuart) que a audiência passa a ter algum investimento emocional na tragédia que ocorrerá inevitavelmente. E é tal tragédia, causada e amplificada pela arrogância de uma elite, que nos apresenta a atos de heroísmo e de covardia extremos.

A história de amor entre a jovem aristocrata quase falida Rose Dewitt Bukater (Kate Winslet), noiva do riquíssimo Cal Hockley (Billy Zane), e o paupérrimo Jack Dawson (Leonardo DiCaprio), um artista andarilho que está no navio por um mero acaso, é simplesmente o veículo que Cameron utiliza para nos conduzir por esta viagem. Ora, o que vemos na tela são personagens arquetípicos vivendo um romance condenado, um dos clichês mais antigos do cinema. Ou seja, figuras com as quais nos identificamos facilmente e uma trama de compreensão simplificada.

É com esses chavões que somos apresentados ao verdadeiro microcosmo social que é o Titanic, que engloba desde o luxo e opulência fria da primeira classe às acomodações espartanas da terceira, com pessoas repletas de paixão.  Há um plano subjetivo no qual Jack pergunta a Rose (e a nós) se é hora de ir a uma festa de verdade. Esse plano representa exatamente a intenção do diretor, nos conduzir por meio dessa experiência. É interessante notar que, nas andanças dos personagens, também vemos locais que geralmente não seriam mostrados em outras produções desse tipo com tanta riqueza de detalhes, como a sala de máquinas e o depósito do navio.

Deve ser ressaltado ainda que Rose é a verdadeira protagonista do filme. Afinal, é ela que se modifica durante a narrativa, deixando de ser a proverbial “pobre menina rica” e se tornando uma mulher forte e determinada. É a jornada dela que acompanhamos e Kate Winslet está fabulosa no papel. O Jack de Leonardo DiCaprio é meramente o instrumento desta mudança, sendo por ele – e pelo próprio naufrágio – que Rose tem o seu arco.

DiCaprio está ótimo em seu papel e exala jovialidade e energia, mas em nenhum momento é exigido do ator um grande desempenho. Em compensação, ele e Winslet sofreram fisicamente durante as arriscadas filmagens embaixo de água gelada, sendo por isso que para seus papéis não foram escalados atores mais conhecidos, que certamente exigiriam que tais cenas fossem feitas por dublês.

No elenco coadjuvante, os destaques são a sempre competente Kathy Bates como a carismática e “inafundável” Molly Brown e Bernard Hill, como E.J. Smith, que empresta imponência e alguma arrogância ao capitão do navio dos condenados. Billy Zane se mostra deveras canastrão e afetado em alguns momentos, pesando a mão demasiadamente em seu Cal Hockley. O mesmo também pode ser dito de David Warner, que vive Lovejoy, o fiel “capanga do vilão”.

A conversão 3D orquestrada por Cameron é a melhor vista até o momento, acrescentando profundidade de campo, mas sem deformar a imagem. É desnecessária e os óculos diminuem a intensidade das cores, prejudicando a fotografia, mas o resultado poderia ser muito pior (vide “Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma”).

“Titanic” é uma obra feita para ser vista na telona, em todo o seu esplendor, mesmo que uma boa fatia do público não consiga mais ouvir Celine Dion proferindo uma só nota de “My Heart Will Go On” sem passar mal. É uma maravilha visual que recria um tempo passado e uma tragédia humana, além de ser cinema em sua melhor forma, mesmo que com cores menos vibrantes graças aos óculos 3D. Recomendado.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.