Avaliação: NOTA 6


David Cronenberg abordando Freud e suas teorias. Uma mistura, aparentemente, infalível. Afinal, poucos retrataram tão bem nos cinemas a natureza humana defendida pelo austríaco fundador da psicanálise em sua vasta bibliografia. Mas o ousado, intenso, sensual e sexual Cronenberg exibe-se com timidez neste “Um Método Perigoso”. No lugar, surge um diretor frio, pragmático, comum, demasiadamente paciente com os inúmeros diálogos do roteiro. Depois de uma década marcada por bons lançamentos, especialmente do angustiante “Marcas da Violência”, o cineasta parece irreconhecível.

No papel principal está o ascendente Michael Fassbender, como o introspectivo psicólogo suíço Carl Jung. Passada boa parte durante a primeira década do século passado, a trama relata inicialmente o complexo tratamento que Jung decide começar na atormentada estudante russa de medicina Sabina Spielrein (Keira Knightley). Utilizando-se de métodos idealizados por seu contemporâneo Sigmund Freud (Viggo Mortensen), ele alcança bons resultados, o que o leva a aumentar seu contato com o psicanalista austríaco. Os desentedimentos teóricos, porém, levam-nos a caminhos diferentes. Para o suíço, o dilema torna-se maior ainda devido a um secreto envolvimento amoroso com sua bonita paciente.

Um dilema parece ser o que enfrenta também David Cronenberg. Empenhado em contar uma história de época de conteúdo que justifique e ratifique o que tão bem exibiu em seus filmes durante mais de quatro décadas, o diretor, porém, se perde e realiza uma produção que jamais parece assinada por ele mesmo. Faz, ao invés, um bom relato histórico de conteúdo inquestionável, que certamente agradará aos estudantes e profissionais do ramo da psicologia e psicanálise, mas que decepcionará seus própios fãs. Sem a habitual destreza por trás das câmeras que fez dele um dos mais intensos cineastas em atividade, Cronenberg rende-se a um roteiro padrão escrito por Christopher Hampton.

Não que Hampton faça um trabalho ruim. Pelo contrário. É deveras agradável acompanhar o embate e a exposição de ideias entre Carl Jung e Sigmund Freud, dois dos maiores gênios do século passado, este com teorias já construídas e consolidadas, aquele ainda em processo de formação de sua psicologia analítica. Deve-se elogiar ainda a maneira coerente encontrada pelo roteirista em fazer os dois discordarem entre si sem jamais julgá-los, mantendo-se isento em seu posicionamento científico. O problema é que as palavras e descrições de Hampton não são feitas para Cronenberg dar-lhes vida.

Logo torna-se flagrante a forma poldada de que trabalha o diretor, incapaz de fazer os espectadores sentirem (sua especialidade), mas apenas acompanharem o desenrolar desta importante história. São diálogos demais para o seu padrão, fazendo-o perder facilmente o ritmo da projeção, que torna-se ainda mais enfadonha na chata sequência de cartas trocadas entre os dois protagonistas. Até mesmo a relação entre Jung e Spielrein é registrada de forma fria e atropelada (de onde surge aquele amor inebriante?).

 É preciso que um quarto personagem, interpretado pelo excelente Vicent Cassel, entre em cena para que uma, ainda assim comedida, sensualidade surja em tela. Mas, infelizmente, ela dura poucos minutos.

As boas interpretações do elenco duram mais, especialmente de Fassbender e Mortensen, em mais uma parceria que alavanca o seu nível de atuação. David Cronenberg é que tem uma queda brusca de desempenho. A impressão, na verdade, é de que o projeto de “Um Método Perigoso” não poderia lhe pertencer. Cronenberg é um cineasta da contemporaneidade, que nunca deveria realizar um puritano filme de época. “Cosmopolis”, o seu próximo trabalho, aparentemente, marca o retorno ao seu sujo formato, de onde nunca deveria ter saído.
___
Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.