Avaliação: NOTA 7
 
Um dos maiores desafios que “O Espetacular Homem-Aranha” enfrenta é justificar sua própria existência, tendo em vista um filme ainda muito adorado sobre a origem do herói criado por Stan Lee e Steve Ditko ter sido lançado apenas 10 anos antes, havendo toda uma pressão para sair da sombra do irmão mais velho. Comandada por Marc Webb, a nova produção é uma releitura do Amigão da Vizinhança, mostrando como o deslocado adolescente Peter Parker, vivido agora por Andrew Garfield, assumiu seu alter ego mascarado.

Enquanto o longa de Sam Raimi em 2002 nos mostrava a jornada de crescimento completa de seu personagem-título, “O Espetacular Homem-Aranha” é apenas uma parte do arco de poder e responsabilidade que o define, com foco na busca de Peter para se encontrar, não como herói, mas como homem. Não é a toa que esse questionamento surge várias vezes no roteiro escrito a seis mãos por James Vanderblit (“Zodíaco”), Alvin Sargent (“Homem-Aranha 2”) e Steve Kloves (da franquia “Harry Potter”).

Buscando sua própria identidade (inclusive para libertar-se de sua versão anterior), o Peter de Andrew Garfield é mais raivoso e muito menos certinho e abobado. A ira de Peter deriva de um sentimento de abandono, por ter sido deixado quando criança para ser criado pelos seus tios Ben (Martin Sheen) e May (Sally Field), após seus pais terem desaparecido em circunstâncias misteriosas. Garfield nos mostra um garoto mais calcado nos jovens de hoje e nos problemas pelos quais estes passam, distanciando-se da quase utópica figura idealizada por Tobey Maguire, mas jamais cruzando qualquer linha que tornaria o protagonista antipático.

Mesmo criado com amor por Ben e May e privilegiado com uma inteligência genial, Peter cresce tímido, retraído, com o bullying sendo parte da sua vida e se mostrando incapaz de ir atrás da garota de seus sonhos, a brilhante Gwen Stacy (Emma Stone), filha do durão chefe de polícia novaiorquino, o Capitão George Stacy (Dennis Leary).

A busca do jovem Parker por suas origens o leva a encontrar o Dr. Curt Connors (Rhys Ifans), antigo colega de trabalho de seu pai na Oscorp, ajudando-o em um antigo projeto voltado para o cruzamento genético entre espécies com a intenção de curar doenças e deficiências. Um intento nobre que acaba transformando Peter no Homem-Aranha e Connors no selvagem Lagarto, fazendo também com que os dois libertem lados que desconheciam de suas próprias personalidades.

A despeito da participação de Alvin Sargent, um veterano na franquia do aracnídeo, são as novidades por trás das câmeras que dão o tom deste reboot. Steve Kloves, roteirista que passou os últimos anos lidando com as angústias de outro adolescente superpoderoso, Harry Potter, é um dos responsáveis por mostrar esse novo lado mais combativo de Peter tão explorado por Garfield. Considerando as semelhanças entre as histórias do mago e do herói, a contratação foi correta, tendo em vista que Kloves adicionou à personalidade de Peter uma agressividade adolescente antes ausente, sendo esta imaturidade o fator principal que leva à trágica perda de seu tio.

Em seu primeiro filme, a comédia romântica “(500) Dias Com Ela”, o diretor Mark Webb mostrou que sabe lidar com os anseios da juventude, algo presente nesta sua nova empreitada, especialmente por abordar com tanta sensibilidade o amor juvenil de Peter e Gwen, tornando cada momento constrangedor entre os dois em pequenas pérolas e sabendo usar muito bem a química entre Andrew Garfield e Emma Stone, magníficos em cada uma das cenas que dividem.

Nisso, Emma Stone foi um achado. Além de surgir em tela quase como arrancada das páginas de uma HQ desenhada por John Romita, sua Gwen é adorável e intelectualmente desafiadora para Peter, um par mais que perfeito para o cabeça de teia. Os dilemas da bela ainda são bem explorados, especialmente em um jantar de família onde as posições opostas dos homens de sua vida são expostas de maneira bastante explícita.

Em seu primeiro longa com sequências de ação complexas, Webb acerta ao apostar mais em dublês do que seu antecessor, dando mais peso às sequências de ação e as deixando mais reais, colaborando com a boa fotografia de John Schwartzman, que se utilizou de uma paleta de cores mais fria para compor o visual da fita, distanciando-a da de Raimi, que se apoiava em cores vivas.

O 3D é funcional, até pelo fato de o longa ter sido realmente filmado neste formato, mas apenas como parte do espetáculo visual, não tendo nenhum papel na narrativa. Até mesmo os alardeados planos subjetivos com o Aranha se balançando em primeira pessoa, que foram um dos destaques dos trailers, são breves e poucos.

Peter realmente se mostra bastante machucado após as lutas, lembrando o que acontece com o personagem nos quadrinhos durante o arco “Caído Entre os Mortos”, escrito por Mark Millar (“Kick-Ass”), e seu estilo de movimentação lembra muito a prática de le parkour, com as poses de ação remetendo diretamente à fase do personagem desenhada por Todd McFarlane, algo ressaltado pela figura mais esguia do herói nesta nova encarnação. Peter apanha, sangra e se mostra machucado, mas não deixa de soltar piadas infames, característica que ficou um pouco esquecida no cinema durante a trilogia anterior, tornando a versão de Andrew Garfield do herói mais carismática que o mascarado quase mudo de Maguire.

O design de produção concebido pelo recém-falecido J. Michael Riva é inteligente ao expor para o público detalhes da personalidade dos personagens pelos seus próprios ambientes. O quarto de Peter, por exemplo, é um belo apanhado de seus ídolos, gostos e paixões, passando por Albert Einstein (“imaginação é mais importante que conhecimento”), seu amor pela ciência e inventos (que levam à criação do disparador de teias, mas não do fluído teia em si, obra de seu pai), sua paixão por fotografia e até mesmo seu gosto por cinema e séries, com “Janela Indiscreta” e “Community” ganhando lugares em sua parede.

Até mesmo o uniforme do personagem ganha uma explicação mais fincada na realidade, mas não deixa de ser elaborado demais para os recursos de Peter, tendo sido desenvolvido na realidade pelo Cirque du Soleil. Já o visual do Lagarto lembra mais o design sessentista do vilão, com direito ao jaleco ostentado por este nos quadrinhos aparecendo pontualmente.

Por mais que esses novos elementos tornem a experiência de conhecer este ultimate Homem-Aranha instigante, o longa se ateve a alguns elementos do passado que incomodam, como uma promessa sendo feita em um momento crítico e, especialmente, o vilão. É difícil não reparar algumas semelhanças entre Curt Connors e o Norman Osborn vivido por Willem Dafoe na década passada, como as circunstâncias que levam às suas transformações e em alguns diálogos delirantes dos abalados cientistas com suas outras personas.

Até mesmo o relacionamento do Doutor com Peter se assemelha com ao dos protagonistas dos filmes de Raimi. Nos quadrinhos, Connors tinha algo que o tornava único, que era a luta para se manter no controle por sua família (esposa e um pequeno filho), o fazendo ainda mais complexo. Note que o personagem usa uma aliança de casadmento, mas não vemos nem mesmo uma foto de seus entes queridos em seu escritório ou mesmo em sua casa, sendo inexplicável o motivo pelo qual estes foram sumariamente limados, especialmente quando poderiam resultar em um ótimo paralelo com os Parkers.

Além desta sensação chata de deja vú, nem mesmo o plano insano do vilão é bem explorado pela fita e as cenas que Curt divide com o herói jamais possuem um impacto emocional duradouro, resultando em um antagonista deveras superficial, que subutiliza o ótimo Rhys Ifans e se apresenta como um desafio para o Homem-Aranha apenas no plano físico.

Por mais que Martin Sheen e Andrew Garfield tenham criado uma ótima dinâmica entre Peter e seu tio Ben, o mesmo não pode ser dito do relacionamento entre o herói e sua tia. Sally Field torna palpáveis os problemas pelos quais May passa, mas simplesmente não vemos o carinho maternal dela para com seu sobrinho do modo que a personagem requer.

O desnecessário mistério por trás da figura de Norman Osborn também é um problema, bem como o fato da Oscorp ter, convenientemente, o sistema de segurança mais falho do mundo. Ainda temos uma série de saídas forçadas no roteiro e exposições óbvias como o tal dispositivo de distribuição no laboratório de Connors e o policial ressaltando a estrela no pulso do bandido que mata o tio Ben. Por falar nisso, o já (desnecessariamente) obrigatório momento em que a cidade de Nova York ajuda o Aranha está presente, de uma forma deveras brega (oi, C. Thomas Howell!).

Outros tropeços da produção que comprometem o resultado final são a montagem um tanto truncada que prejudica o crescendo da película e a trilha sonora exagerada de James Horner, que carrega muito no melodrama, chegando a se tornar intrusiva quando da entrada de corais em uma cena heroica e das subidas repentinas de tom em um momento em que o Lagarto ameaça Gwen Stacy no terço final da projeção.

Em “Kill Bill Vol. 2” é dito que Bill colecionava figuras paternas, levando consigo algo de cada um. Este novo Peter Parker tem algo disso, lutando para alcançar sua maturidade com a ajuda de seu pai, Tio Ben, Capitão Stacy e até mesmo de Curt Connors. A jornada de Peter apenas começou e este não se encontrou ainda. Mas, por mais que este primeiro passo não tenha sido exatamente perfeito, foi instigante o bastante para continuar a acompanhá-lo.
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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.