Primeiras Impressões
Perception
A loucura é a receita para o sucesso.
Spoilers Abaixo:
Não é de hoje que personagens excêntricos, com um toque de loucura e anormalidade, dão certo nas séries. House, por exemplo, durou oito longos anos e atraiu milhares de fãs e elogios no mundo todo. Sherlock Holmes, o patrono dos loucos, vem arrastando admiradores desde 1887, saltando dos livros para as telonas e telinhas, e sem previsão de fim para seu sucesso.
Some então esta loucura ao tino para assuntos policiais, e aí você obtém o louco-bom-moço. House não chegou a tanto, mas Bones, Castle e companhia estão aí para testemunhar que a fórmula dá certo. Querendo pegar carona neste sucesso, Kenneth Biller e Mike Sussman criaram Perception, que conta com seu louco particular, Dr. Daniel Pierce. Kenneth já roteirizou Smallville, então está acostumado com heróis, e ele e Mike têm no currículo Star Trek: Voyager e Legend of the Seeker, séries com muita asa para imaginação. Logo, Perception tem todos os ingredientes da receita.
O problema é que, ou você dá ao protagonista as pistas para que ele as decifre, ou deixa que ele imagine estas pistas. Infelizmente, Perception vai com a segunda opção, o que é um erro. Dá para acreditar num cara que, como Sherlock Holmes, tenha a percepção aguçada e veja o que a maioria das pessoas não consegue. Dá para “acreditar” porque no universo da literatura, da TV e do cinema nós achamos que isto é crível. Mas ir além disso? Aí já é mágica ou a barra está sendo forçada demais.
Dr. Daniel Pierce, um neurocientista brilhante, autor de quatro livros, professor universitário superstar, ajuda sua ex-aluna e agente do FBI, Kate Moretti, a resolver casos que envolvem uma análise profunda da mente humana. Como ela prima pelos ensinamentos do professor, ela percebe quando há algo de mais nos seus casos e acaba indo um pouco além do que deveria, o que rende um rebaixamento de cargo para a moça.
O Piloto começa bem com Daniel dando (um show de) aula e com Kate pedindo a ajuda dele no caso de um assassinato que já está aparentemente resolvido. A partir daí, o exagero inerente à premissa começa a ser abafado com o exagero exagerado mesmo.
Como já começamos a comentar, a linha entre o “crível na TV” e o “mágico na TV” ficou meio embaçada. Daniel sofre de “esquizofrenia paranoica” e vive tendo alucinações. De repente, somos surpreendidos com as tais alucinações dando pistas – verdadeiras – para o caso. Verdadeiras! E em nenhum momento anterior alguma dica (concreta, que fique claro) foi dada para que o “subconsciente” dele visse o detalhe que seu consciente não conseguia processar.
Segundo, era de se esperar, sim, que houvesse reviravoltas e que a esposa não fosse a real assassina. Consequentemente, logo de cara Daniel percebe que ela tem “um distúrbio neurológico, caracterizado por amnésia anterógrada, extrema suscetividade à sugestão e confabulação”, ou seja, tudo o que dissessem que ela tinha feito, ela confirmaria que fez. Porém, as reviravoltas não pararam por aí. Tanta gente foi apontada como assassina, tantas teorias sobre o crime foram levantadas que até me perdi.
No final, é a alucinação de Pierce que o aponta para o assassino e ainda o aponta para outro crime relacionado, do nada. Isso vai muito além da alçada de um neurocientista, não importa o quão louco ele seja.
Fora isso, Eric McCormack (Ally McBeal, Will & Grace) dá conta da excentricidade de seu personagem com maestria. Ele vai esquizofrenia à (imensa) fobia de pessoas sem problemas. Sua melhor amiga, Natalie Vincent (Kelly Rowan, de The O.C. e Flashpoint), é sua conselheira e é quase tão inteligente quanto ele, mas não passa de imaginação. Rachael Leigh Cook (Dawson’s Creek), apesar da cara meiguinha, convence como agente do FBI e parceira de Daniel. Só espero que o relacionamento dos dois permaneça no nível parceria profissional e mestre-aprendiz, e não avance para outras coisas mais.
O alívio cômico ficou a cargo de Max Lewicki (Arjay Smith, The Finder), o assistente (ou babá) do professor. Cabe à Max garantir que a rotina de Daniel seja cumprida, para que a loucura não tome conta dele, e também dizer a Pierce quando as pessoas ao seu redor não estiverem de fato ali.
Perception precisa ficar mais verossímil. Ela já conseguiu a façanha de usar uma fórmula batida sem muito desgaste, e de ter um ator que faça normalmente o papel de anormal (ou melhor, que dance em cima da mesa de uma delegacia como se estivesse no banho). Mas fazê-lo adivinhar coisas é um verdadeiro desperdício de talento, roteiro e tempo, especialmente de quem se interessar em acompanhar a série.
Para terminar, vai aí uma interessante interrogação de Daniel, que discutia o que é a realidade: “Se o que percebemos é frequentemente errado… Como saberemos o que é real e o que não é?”.
Perception é exibida pela TNT americana e tem 10 episódios encomendados para a 1ª temporada. Os criadores Kenneth e Mike são também produtores executivos e escreveram o Piloto, enquanto a direção ficou com Alan Poul (Six Feet Under).
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