DJ Marky: o homem drum’n bass do Brasil. A figura máxima do estilo chegou aos seus 32 anos de vida, quase 20 deles dedicados à noite, com saúde, sobriedade e ânimo. Continua a todo gás, com inúmeras datas nos mais variados lugares. Depois de um longo tempo na residência da noite VIBE, no Lov.e Club, a festa chegou ao fim, mas Marky continua trabalhando e dedicando seu tempo à noite Marky & Friends. O maior DJ do Brasil concedeu uma entrevista ao DNB Online e falou de tudo: família, trabalho, cena e até mesmo das coisas negativas – assunto do qual a maioria dos DJs foge.
Mesmo não estando sempre no Brasil, é aqui, na Zona Sul de São Paulo, que o DJ tem seu apartamento. Ao adentrar à porta, fica fácil saber quem vive ali: uma parede longa e comprida, adornada por toneladas de discos, várias bags, agulhas, fones e todo o aparato presente no dia-a-dia de um DJ. Marky, do seu computador, aproveitava a noite de domingo para conversar com os amigos através da internet e nós, do DNB Online, trocamos mais de uma hora de perguntas curtas e respostas longas em um dos mais esperados bate-papos da cena jungle.
Mesmo não estando sempre no Brasil, é aqui, na Zona Sul de São Paulo, que o DJ tem seu apartamento. Ao adentrar à porta, fica fácil saber quem vive ali: uma parede longa e comprida, adornada por toneladas de discos, várias bags, agulhas, fones e todo o aparato presente no dia-a-dia de um DJ. Marky, do seu computador, aproveitava a noite de domingo para conversar com os amigos através da internet e nós, do DNB Online, trocamos mais de uma hora de perguntas curtas e respostas longas em um dos mais esperados bate-papos da cena jungle.
DNBOL: Pra começar, vamos pela Marky & Friends. Gostaria que você falasse um pouco sobre a festa, sobre o começo e sobre o que vem por aí.
Marky: Na verdade a festa foi criada através do Layo – que é o dono do The End – e ele queria que eu fizesse uma noite diferente, com DJs diferentes e com o room 2, com sets diferentes. O High Contrast tocou disco, Marcus Intalex tocou nu jazz, Total Science tocou hip-hop, tiveram mais participações de vários DJs. Era uma noite na qual todo mundo colocava muita fé, mas eu não sabia se ia virar ou não. Foi legal porque serviu como termômetro pra ver a dimensão que meu nome tem na Inglaterra.
Quanto à festa no Brasil, a gente fez três edições, naquele club todo preto, que eu não lembro o nome... ah, o e-Muzik. Primeiro a gente trouxe o Zinc, numa festa que foi incrível e trouxemos também o Nu:Tone, numa noite bem legal. A pedido da galera, a gente trouxe a Jenna G pra uma festa que não encheu muito, porque estavam rolando muitas festas no dia, mas também foi uma noite absolutamente incrível. Meu empresário, o Edo, e eu já estávamos pensando em ter a residência no Lov.e, quando voltei para lá, e ao mesmo tempo fazer a Marky & Friends uma festa grande uma vez por mês, ou a cada dois meses. A gente acabou não definindo de quando em quando vai ser. Agora resolvemos fazer essa festa para dar um gás justamente porque acabou a VIBE e essa festa significou muito. Com certeza foi a noite mais importante do drum’n bass, nela tocaram vários DJs. O primeiro DJ a tocar na VIBE – todo mundo pensa que foi o Bryan –, nem sei se todo mundo sabe, foi o DJ Die com o Dynamite MC, o Lov.e ainda era um club chiquérrimo na época, antes de ficar mainstream.
A gente trouxe nomes de peso como Calibre, Marcus Intalex, Bryan Gee, JJ Frost, Roni Size, Bad Company, Hazard – inclusive eu não tava aqui, foi um line up estranho, Hazard e Patife. Essa aí eu até queria ver [risos] –, também trouxemos vários, até perdi a conta. Total Science, EZ Rollers, Storm, Fabio... A gente conseguiu trazer um número de artistas muito grande.
A volta, não foi nem uma volta. A gente já tinha planos de fazer a festa, mesmo porque a gente decidiu encerrar a noite VIBE e foi uma coisa meio conjunta. Tanto com o Lov.e, como comigo, com o Neg, com o Edo. Foi o club onde toquei mais tempo na minha vida, foram quase nove anos nesse club. Tenho um certo carinho e respeito por todo mundo, todas as pessoas que passaram por lá, que trabalharam lá, mas infelizmente chega uma hora em que tudo acaba. Não é pra sempre, assim como antes a VIBE tinha um público e hoje esse público não vai mais e aí reciclou e vieram outras pessoas e outras pessoas, passaram inúmeras pessoas por lá. Então a gente decidiu voltar com a Marky & Friends e a minha intenção era trazer o Random Movement mesmo. Fechamos com ele antecipadamente, tudo certinho, passagens, cachê e tivemos que devolver tudo devido a problemas de visto, ele não resolveu a tempo, mesmo tendo mandado tudo pra ele três meses antes, é um cara lesado, produtor e tal, um cara que gosta de ficar sentado em casa fazendo música, tranqüilo.
Mas foi o que eu disse pra ele, “acho que você é um grande talento e acho que você deve se preocupar com seus negócios porque você pode perder uma oportunidade única na sua vida.”. Ele ficou conhecido justamente pela Innerground, por minha causa e acredito que em nenhuma parte do mundo ele tem tantos fãs como ele tem aqui. Foi um erro terrível dele, ele mesmo confessou. Quanto aos próximos convidados, não é nem querendo fazer mistério, mas eu não sei. Na verdade eu sempre quis trazer alguma coisa pra tentar equilibrar, fazer um line up meio equilibrado. Tanto soulful, quanto jump up, quanto alguma coisa meio hard. Lógico que não adianta eu chegar aqui e falar que vou trazer o Dylan pra tocar, porque na verdade, poucas pessoas conhecem ele e eu faço festa pra todo mundo e não só pra um tipo de pessoa que gosta só daquele certo tipo de drum’n bass. Eu quero fazer festa pras pessoas que gostam de tudo um pouco, acho que é a partir daí que a gente constrói uma cena saudável.
DNBOL: Você conheceu o trabalho do Random Movement, acreditou e lançou. E anda vendo alguma coisa surgindo assim aqui no Brasil?
Marky: O Random Movement é um cara lá de Ohio, faz as músicas no meio das vacas e cavalos [risos] e tem o estúdio dentro de um celeiro. Um dos primeiros caras que me levou pra Dublin pra tocar, o DJ Rohan, é o dono da Bassbin Records. Um dia eu estava no AIM e ele me falou: “Marky, preciso falar um negócio muito sério com você” e eu disse: “fala aí, Rohan!”. Meu brother, o cara. Ele disse: “eu assinei quatro músicas de um artista e tenho certeza que você vai tomar ele de mim, mas eu vou deixar” e eu pensei “pô, como assim? Esse cara ta viajando...” Aí ele me mandou uma música chamada “Stars in the Dark”. Escutei e pensei: “Meu, o que que é isso???”. O Rohan falou que só eu tinha e não ia passar pra mais ninguém. Me deu a música e eu acabei com ela no planeta. Tava com gig no Japão, na Austrália, na Nova Zelândia, Europa inteira e tocando essa música igual a um doido, alucinado. Cheguei a tocar essa música umas cinco vezes na mesma noite no Lov.e. Quando eu gosto, fico repetindo mesmo, fico repetindo. Quando acredito na música... E foi por causa dessa música que eu conheci o Andrezz de Mauá, ele era alucinado por essa música. Depois disso o Rohan me mandou a “Time to Rock”, aí acabou mesmo.
Fui tocar em Ohio e conheci o Mike, que é o Random Movement – na verdade tinha outro cara, o DJ Shapeshifter, mas ele não fazia nada, era o cara que mandava as músicas, mas não produzia e eles se separaram. Assinei o Red/Love Nights que é um dos singles que eu mais gosto da Innerground. Se me perguntar hoje qual o meu single favorito do selo, é esse. É o disco que não teve vendas excelentes, foram ruins – não tenho porque esconder. O pior é que toda vez que eu toco a música, todo mundo vem me perguntar o que é e todo mundo passa mal. Agora é que o disco está vendendo. Esse menino começou a me mandar um monte de músicas e eu mandei pros DJs. O Zinc cresceu o olho nele e começou a maior briga e ele assinou com a Nu Directions, fui lá e comecei a quebrar o maior pau e falei “ninguém vai assinar esse cara!” e na verdade eu já tinha tentado assinar ele, ele não queria, e agora a gente talvez feche um contrato pra ele ser artista exclusivo da Innerground. Um cara que eu queria que fosse artista da Innerground mesmo é o Bungle. A gente se conhece há pouco tempo, mas temos uma amizade que é muito além da música. Somos amigos, companheiros, conversamos sobre a vida pessoal, problemas e a gente tem uma relação meio de irmão mesmo, se ele precisa de mim eu empresto grana pra ele, ele me empresta, me ajuda aqui e ali, tenho uma idéia e falo “pô, André, to com uma idéia, vamos fazer uma música!” e ele pode até ter compromisso, mas fala “claro, vamos fazer”. É um cara espetacular! Sei que ele tem a carreira dele, dei uma boa força pra ele assinar com a CIA, vieram falar comigo e acabei organizando a coisa entre o Bungle e o selo. Hoje ele é um talento e graças a Deus, anda com as próprias pernas. Minha missão foi feita e não preciso fazer mais nada, agora é com ele. Espero que ele lance mais discos pelo meu selo.
Tem outros artistas com potencial por aí. O C.A.B.L.E. é um cara que me mandava umas 600 músicas por dia e eu não gostava de nenhuma.[risos] Nenhuma. Um dia, o Beto (Dog Face) tava aqui em casa e me mostrou uma música chamada “New Infection”. Eu perguntei: “de quem é essa música?” e ele falou: “do C.A.B.L.E.”. Liguei pro Danny na hora e falei: “meu, vamo assinar essa música!” e ele ficou muito contente porque eu gostei da música dele porque ele sempre me mandava e eu não gostava de nada. Fiquei muito feliz, essa música é muito legal porque ela tem uma coisa bem funky que é da Innerground, mas ela não é soulful. Só que eu queria dar uma direção diferente ao selo. Dito e feito: cheguei em Londres e comecei a tocar a música. Dei pra quatro DJs, Fabio, Grooverider, Zinc e Nu:Tone que são os primeiros a receber qualquer faixa minha. O Fabio chegou a dar quatro rewinds no programa e todo mundo veio me pedir a música. Foi aí que o C.A.B.L.E. deu uma decolada animal. Acho que não adianta só você lançar discos. “Ah, eu lancei pelo selo ‘x’”, “Ah, eu lancei pela Renegade Hardware”, que nem o C.A.B.L.E lançou. Ele lançou pela Renegade Hardware, pela 31 Recordings, por vários selos. Qual foi o que conseguiu dar uma projeção pra ele? Foi a Innerground. Não por ser um selo brasileiro ou pela música não ter características brasileiras. Foi porque a música é boa. Eu não quero que a Innerground seja presa e vista como um selo de música latino-brasileira, meio “Sambassim” da vida. Quero que seja um selo de música e artistas bons, isso que eu mais procuro.
Eu recebo várias coisas de muitos artistas. Inclusive eu até queria lançar a música do 2 Funkyz, a “Music”. Eles até ficaram meio chateados, mas eu não lancei por causa do sample, não tenho como licenciar. Mas estou com o schedule do selo bem cheio, tenho três singles do Random Movement pra lançar, tenho dois EPs Marky & Makoto pra sair, tem um disco do Seba & Paradox, outro single com Vice Versa – “She´s The One”, são uns caras da Austrália que moram no Japão e do outro lado vai sair Drumagick – “So Far Away”, já assinei essa música há mais de um ano e preciso lançar. Já ta no Schedule. Juninho, não se preocupe!
É mais ou menos essa cara que eu quero dar pra Innerground. Eu quero lançar discos também de outros artistas brasileiros. Eu tenho uma gravadora, não posso falar que só vou lançar disco do Random Movement ou só Marky & XRS, não sou como o Calibre que faz 30 músicas num mês. Ele pode lançar só Calibre pelo selo dele porque ele tem o status que ele tem e o nome que ele tem. Eu quero lançar música dos outros DJs. Legal que hoje o ‘Um Real’’ (referindo-se ao DJ Unreal, presente durante a entrevista) abriu a mente e agora ele manda as músicas aí e uma hora aparece uma pra eu falar “meu, é essa!!!” entendeu? Foi a mesma coisa com a “LK” quando eu e o XRS fizemos e eu mandei pros selos e ninguém gostou. Primeiro cara que escutou foi Marcus Intalex e não gostou. O Bryan foi lá, pegou e a música estourou. Como o Hive quando fez “Last Call”. Deu pro Marcus e ele falou que a música era ruim. Ofereceu pro Total Science e eles falaram que era ruim. Ofereceu pra V e a V não quis, ofereceu pra Renegade Hardware e ninguém quis. Aí o Hype foi lá, pegou e a música estourou. É mais ou menos assim que funcionam as coisas.
Quando estava começando a Innerground, eu e o XRS, o Vegas chegou com um CD e me falou: “olha, o que você quiser assinar daqui você assina.”. Acho que o XRS nem lembra disso, ele me deu o CD, escutei e ouvi algumas coisas interessantes, mas nada... eu pensei: “nada que vá decolar. Eu preciso de músicas pra fazer o selo decolar”. Aí o XRS escutou o CD também e não gostou de nenhuma música e tinha uma ESSENCIAL naquele CD, uma que se chama “True Romance”. Eu não assinei a música, tive a faixa na minha mão e não assinei. O Zinc me ligou desesperado falando que queria assinar uma música que se chamava “True Romance” e eu falei “que música é essa?” e ele: “é a música do D-Bridge com o Vegas” e eu pego, abro a gaveta e tava o CD lá em casa. “Meu Deus do céu!”, falei. “Zinc, os caras me deram um CD e queriam que eu assinasse essa música e eu não quis”. Ele ficou bravo comigo umas três semanas, sem falar e falou que eu era idiota. O Goldie foi lá e assinou e a música e olha aí: “True Romance” é um clássico. Às vezes a gente erra, dá umas vaciladas, não tem jeito. Mas acho que a Soul:R vacilou duas vezes com a “LK” e “Last Call” então acho que o Marcus é o vencedor![risos]
DNBOL: Você falou do XRS e dá pra dizer o motivo de vocês não produzirem mais juntos?
Marky: O Michel decidiu tomar um rumo diferente, decidiu fazer coisas diferentes, não teve briga nem discussão. A gente teve nossos quebra-paus, dois geminianos juntos é problema, mas a gente tinha uma sintonia muito grande e tínhamos idéias muito boas. Ele conseguia ler minha mente e isso era muito louco. E eu também conseguia ler a mente dele para várias coisas. O Xerxes quis fazer coisas diferentes, ele foi pra Alemanha e depois ele me falou que estava fazendo uma tour por lá. Uma das últimas vezes que encontrei com ele, fui ver o Nookie tocar e ele tava lá na festa e a gente se falou, foi bem bacana. Na verdade se eu falar que eu não sinto falta disso vou estar mentindo. Lembro como se fosse hoje cada música que a gente fez. A gente fazia música em três horas, sabe? O Michel é um crânio, um professor pardal. Eu tinha as idéias, tinha os discos, conheço de samples e falava como íamos fazer e o Michel já picotava, fazíamos um arranjo aqui, outro dali e a coisa saía, como fizemos com “Misto Quente”. Era pra ser um remix da Luciana Mello que no final deu errado. E essa melodia eu tinha na minha cabeça. O Michel toca um pouco de piano e perguntei o que ele achava. Ele disse: “peraí, vamos tocar.” e ele tocava.
Era incrível, foi um dos melhores momentos que eu tive na minha vida, sem dúvida nenhuma. Vivi grandes momentos lá na Vila Alpina na casa dele, quando a gente fez a “Striptease”, eu que levei o disco da Dione Warwick, que é o sample. A mãe do Xerxes, a Débora, entrou e falou “nossa, essa música! Eu dancei essa música!” e a gente falou que ia samplear e botamos uma acapella do First Choice... Era tudo muito vibe mesmo, a gente não tinha um compromisso, era tudo muito natural. Na última vez que nos falamos ele falou que era isso que ele gostava. Coisa de gênio, gênio é louco. Eu tenho as minhas loucuras e ele as dele, quem sabe um dia, de repente, volta?
Do mesmo jeito que eu faço músicas com o Bungle, mas eu não faço música direto também, acho que é legal respeitar o lado dele e meu lado. Quando eu vou pro estúdio fazer uma música com alguém, tudo depende do meu estado emocional. Dizem que artistas funcionam assim. Eu não entro no estúdio pra fazer um big hit, uma coisa mega. Foi um momento que aconteceu, como “No Time to Love”. Foi um dia em que eu quebrei um pau num problema pessoal e o Bungle teve um também, no mesmo dia e eu liguei pra ele e falei “preciso fazer alguma coisa!” e ele falou: “pô, preciso fazer alguma coisa também!” e eu falei: “vamos fazer um tune!”. Cheguei aqui, gravei o sample do Don Downing. Chegamos lá e fizemos a música e agora vamos fazer isso aqui, esse ‘won wonn wonn’, sabe? Era uma expressão de raiva mesmo, uma coisa negativa, não era uma coisa boa, por isso o nome da música. Foi algo muito ruim tanto pra mim quanto pra ele e a gente conseguiu colocar isso na música.
A mesma coisa foi o “Back Like That”. Eu escutei a original no carro do Total Science meio dormindo, quando a gente foi levar o Conrad embora, a gente tinha ido fazer uma música com ele. Aí eu escutei aquele sample e ficou na minha cabeça. Aí fui buscar meu filho em Curitiba e passei duas semanas com ele que foram incríveis. Ele me chamando “papai, papai!” toda hora, brincando na rua, jogando bola toda hora, aí deixei ele com a mãe dele e liguei logo depois pro Bungle dizendo “Bungle, to muito feliz, meu filho tá muito perto de mim, por mais que esteja trabalhando” e ele falou: “pô Marky, to muito feliz também, aconteceu muita coisa boa comigo” e eu disse “to com um sample aqui embaçado, vamos fazer uma música?” A gente foi e fez o “Back Like That” e na seqüência o “13 Floor”. No mesmo dia a gente fez as duas músicas. É uma coisa mesmo que funciona com o sentimento, música tem que ser assim pra ficar legal, acho que as pessoas sentem isso também na pista, quando toca a “Back Like That” é uma coisa diferente, incrível.
Pô, tô falando demais né?
DNBOL: E eu tô achando ótimo! [risos] E como está sendo conciliar a vida pessoal com a profissional? Seu filho aqui e você rodando pelo Brasil e pelo mundo... Como funciona?
Marky: Meu filho mora em Curitiba. É bem difícil. Eu tive o sonho de ser um DJ famoso, queria que as pessoas me vissem e falassem “esse cara toca pra caramba!”, que as pessoas acreditassem no meu trabalho. No final eu queria também ir pra Londres e dar fitas pras pessoas, não tinha nem CD-R na época, tinha CD-R, mas era dar um mixtape pras pessoas pra elas falarem “tem um DJ no Brasil que toca bem, vamos mandar as músicas pro cara”. Essa era a minha intenção, não gastar mais dinheiro com discos. Receber os promos. No final das contas aconteceu algo totalmente surreal e rolou uma reviravolta na minha carreira que eu não sei nem te explicar. Tudo foi muito rápido pra mim. Acho que tudo foi muito rápido pro Xerxes também. Logo a gente começou a produzir e fizemos o “LK”. Fomos os últimos artistas a se ir no “Top of the Pops” (da BBC inglesa), que era um programa como se fosse o do Silvio Santos, um Show de Calouros, sabe? Daqueles que todo mundo assistia, oito da noite, todo mundo ligava pra ver o Pedro de Lara ou como Os Trapalhões, sete da noite, todo mundo ligando a TV quando passava. Todo mundo foi lá, de Barry White a Oasis. A gente foi os últimos a ir nesse programa, porque acabou. Depois de mais de 40 anos. Os Beatles foram nesse programa!
É surreal, mas ao mesmo tempo a gente sempre sente falta de uma pessoa, acaba sendo muito carente. Todo mundo acha que a você vai pra Londres e fica lá, tudo às mil maravilhas, mas é difícil você ficar sentado direto num quarto de hotel, isso quando tem internet rápida. Isso não supre a sua carência. E eu fui muito abençoado com a vinda do meu filho, o Gabriel. E agora a coisa tá ainda mais difícil porque eu me considero um pai-mãe dele, porque o carinho e o amor que eu tenho pelo meu filho é incrível. Minha mãe até fala “nunca vi um pai como você”, sabe? Eu sou um cara que, do meu jeito, tento ser o mais dedicado possível. Quando eu tô com ele, eu me fecho no meu mundo. Eu e ele e acabou, o ‘um real’ sabe desde quando ele nasceu e pegou ele no colo. Veio aqui várias vezes. É muito difícil, meu filho não mora aqui, mora no sul, é uma coisa bem complicada. São coisas que eu nunca esperava que fossem acontecer comigo. Infelizmente, se está acontecendo é porque Deus quer que eu enxergue alguma coisa. Eu tenho que descobrir. Isso é prova de que eu estou amadurecendo.
Não me preocupo muito mais com lances de cena, o que um cara fala ou outro fala, ou o que o fórum fala de mim. Até mesmo o que o Falcão, que falou que pra ser DJ de drum’n bass no Brasil tem que passar por um filtro que se chama DJ Marky. Isso não é verdade e nunca foi. As pessoas que estão aí, o Bungle ta aí porque o nome dele ta crescendo, por ele ter corrido atrás, pelo talento dele. Eu dei um empurrão, lógico. Mas porque ele tem talento, como eu ajudei o 2 Funkyz, como ajudei diversos DJs. Ney Faustini, a primeira vez que tocou, tocou no Lov.e. Como tem vários caras se esforçando, fazendo festa. O ‘um real’ ta se esforçando, acho que todo mundo tem que correr atrás do sonho. Eu não sou ‘Genie é um gênio’ e não posso ajudar a todo mundo. Eu ajudo as pessoas dentro das minhas possibilidades, mas é bem difícil. As pessoas fantasiam uma coisa e não é bem assim. Só eu sei o que eu sinto quando eu to sozinho num quarto de hotel na Inglaterra ou em Tóquio, sabe? Como no ano passado, passei o réveillon na Austrália e toquei numa festa, cheia, legal, mas eu não estava curtindo. Tudo o que eu queria era ficar com o meu filho, mas eu tenho as minhas obrigações como pai e tenho que ver isso aí! Senão ninguém come. Mas é difícil. Essa é uma boa pergunta pra fazer também pro Koloral, ele tem dois filhos só que os dele moram aqui em São Paulo. É um sofrimento muito grande e é uma coisa só minha. Não tem ninguém que possa sofrer por mim. Mas acredito que no final das contas tudo vai dar certo e sei que meu filho vai entender e ele sabe dos sacrifícios que eu faço por ele. Isso é que importa.
DNBOL: Você falou das críticas e essa é uma questão sobre a qual eu queria saber mais. Como é pra lidar com elas e com as fofocas? Alguns donos de selo criticam, por exemplo, o uso do Serato. Como você faz pra lidar com essas críticas, tanto de conhecidos quanto dos desconhecidos?
Marky: A crítica do Serato eu nem sabia! [risos] O fato de tocar com o Serato se deve a várias coisas. Por exemplo: hoje, pra você viajar pra Inglaterra – isso você pode até perguntar pro S.P.Y., ele até me disse que tá afim de um Serato – é uma mão na roda pra todo mundo. Os melhores DJs de hip-hop do mundo, Mixmaster Mike, Jazzy Jeff, A-Trak, Craze, todo mundo usa Serato. DJs de techno como o Richie Hawtin, de electro como o MSTRKRFT, Marcus Intalex, Klute, A-Sides, Grooverider... quando eu vi o Grooverider tocando com Serato eu pensei: “tô bonito... agora tá tudo tranquilo!”
Na Inglaterra, hoje, você só pode levar uma bagagem de mão e despachar uma, só. Tá cada vez mais difícil você viajar com os discos. Quando eu toquei a primeira vez em Ibiza, o ano passado, toquei com o Serato e levei dois cases de disco. Paguei um baita excesso de bagagem. A primeira vez que eu fui pra Austrália fazer uma tour com o Bryan Gee, a gente fez Austrália e Nova Zelândia, eu e o Bryan, cada um, pagou mil Pounds de excesso de bagagem – era só dubplate. Mil Pounds! Na época o Pound era perto de R$ 6. Então cada um pagou seis mil reais. Pra ir! E seis mil pra voltar. Eu comecei a ficar meio de bode, já não tava fazendo muito sentido, mas mesmo assim eu falei “não, vou continuar tocando com disco.” Quando eu fui pra Nova Zelândia – o Serato foi desenvolvido lá – eu conheci o Dave e o Scott, os caras que criaram o programa. Eles falaram: “hey Marky, a gente queria muito que você usasse o Serato, acho que você tem tudo a ver com o programa, acho que você vai gostar muito”, aí eu falei: “não, não quero porque eu já tentei usar o Final Scratch, uma vez eu comprei, o Xerxes também comprou... Só dava pau, a gente não gostou...”. E um deles disse “vamos fazer o seguinte: eu vou te dar o Serato, você usa durante seis meses e depois você me fala.” Aí eu usei e quando foi no ano passado em Ibiza, voltando na história, eu levei discos e Serato. Aí eu sentei com o Carl Cox, que é uma excelente pessoa, um cara incrível, um gentleman. Conhecedor, um cara que conhece muito de música e faz história até hoje. Independente de eu não apreciar o tipo de música que ele toca hoje, pra mim ele é um mega DJ. Ele é muito bom.
Conclusão: eu cheguei e conversei com ele sobre o vinil. Cheguei e disse: “putz, você tá tocando em CD??? Sempre te vi tocando disco, era muito legal...”. Ele disse: “pô Marky, não me leva a mal, eu entendo perfeitamente o que você tá falando porque pra mim foi muito difícil a transição do vinil pro CD. Só que a partir do momento em que eu vi que eu conseguia fazer as mesmas coisas que eu fazia no vinil no CD, eu comecei a achar mais prático. Por exemplo, eu perdi muita gig porque meus discos não chegavam, porque a empresa aérea perdia os discos”, isso aconteceu comigo, uma vez também aconteceu com o Grooverider, que chegou o case e quando ele abriu não tinha disco. Roubaram todos os dubplates dele. Ele falou: “a partir do momento em que eu consegui ver, fazer os loops, as coisas, comecei a pegar o jeito da técnica, a usar os recursos e efeitos...”. Ele falou que não perdeu o tesão de tocar com o vinil, falou que acha muito mais prático porque ele não perde gig, entendeu?
E outra coisa: pra você cortar um dubplate hoje, custa 50 pounds e você tem que esperar a boa vontade dos caras pra cortar, porque tem fila. Às vezes você mandava dizendo que precisava de 20 músicas na semana. Você tinha que cortar 10 plates e os caras te entregavam dois. Aí surgiu o fator: se um dubplate custa 50 libras, quase 200 reais. E tem uma mídia de CD que custa 50 centavos... quem vai cortar dubplate? Você olha hoje o Fabio: 90% do set dele hoje é CD. O Bryan Gee só toca CD hoje. Tem muitos DJs que continuam tocando vinil, eu acho legal, eu também toco com disco ainda. Não toco mais com tanta freqüencia, toco dois ou três discos. Eu continuo carregando um pouco de disco. Mas a facilidade e a praticidade que o Serato me deu eu acho incrível. Coisas que eu consigo fazer no Serato que eu não consigo fazer no vinil normal. Eu adorei mesmo o programa. Outra coisa que o Carl Cox também falou é que hoje em dia, quando você tá num club, as pessoas não querem mais saber o formato que você toca e ele tem razão! Vou te dar um exemplo: o Paul Van Dyk é um dos DJs mais caros do mundo, ele custa... sei lá... 150 mil dólares, pra fazer uma festa com ele. Ele chega lá, abre o laptop, dá play na barra de espaço e é o Live e tá tudo gravado e fica mexendo no e-cue. Eu acho isso pior. E o lance do Serato, você continua usando disco, você tá usando um vinil, ele faz a mesma coisa que um vinil faz. A única coisa é que pe timecode. É praticidade.
A mesma coisa, o ‘um real’ fez uma música hoje, eu gostei da música. Eu vou lá, importo a música, coloco no iTunes, chego na minha festa e já toco em disco. Não preciso nem queimar um CD. Quer dizer, é muito louco... nem eu... sou um defensor do vinil! Continuo compando disco, escuto disco o dia inteiro, compro que nem um louco, sou um fascinado, viciado mesmo por disco de vinil. Mas hoje em dia, pra tocar, eu me sinto muito bem, muito confortável no Serato. Se estão reclamando ou não, não quero nem saber. Quero que meu set seja legal, seja perfeito e que as pessoas gostem, entendeu? Não adianta a gente lutar contra meia dúzia... meia dúzia não vai formar opinião... Hoje em dia a tecnologia é uma coisa absurda. Olha hoje o AIM. Hoje você não precisa ir pra Londres, sentar no Music House lá naquela fila e falar pro cara “oi, você pode me dar sua música?”. Não, o cara te manda no AIM. Olha como tá a tecnologia hoje: todo mundo tem Logic, todo mundo tem computador... Qualquer um pode ser produtor, qualquer um faz música de qualquer estilo. Qualquer um tem a capacidade, tem recursos pra fazer uma música. Na verdade todo mundo reclama também “ah, porque eu uso Logic.”, o outro “ah não, porque o Fruity Loops é uma mer**!”
O Concord Dawn usa Fruity Loops, e os caras arregaçam! “Ah, o Reason é uma mer**!”... O Liam Howlett do Prodigy faz música no Reason. E aí? Olha o quanto os caras faturam! Não tô falando que é só um fator de grana, mas é o que você se sente confortável fazendo. Hoje eu me sinto confortável tocando com o Serato. O Beto e o Cézar, o 2 Funkyz. Os caras tocam com o Serato e arrebentam! A penúltima vez que eu vi o Jazzy Jeff tocar, ele tava com quatro seguranças e os caras levando quatro cases cada um. Hoje em dia ele toca com o Serato. E faz a mesma coisa que ele fazia com os quatro cases. É a praticidade. Hoje, a gente tem que procurar fazer uma coisa que te agrade e o que me agrada hoje é tocar de Serato. Mas por exemplo: o “Shame”. Eu acho que a master do “Shame” que eu tenho no disco é muito melhor que meu wave que tá no meu computador, então eu toco de disco. O remix que eu fiz pro Makoto, eu toco de disco. A música do Jonny L, eu toco de disco.
Indiscutívelmente o som do vinil é melhor que o do CD, que do MP3, isso eu não tenho o que falar: é melhor! Mas cara, se você for analisar hoje, 90% das festas – não tô falando só de drum’n bass, tô falando no geral – quem quer saber em que formato você tá tocando, no geral? Todo mundo quer se divertir, cara. A missão do DJ é levar diversão, não ficar... não tentar pregar coisa. Eu acho que eu me considero até meio que idiota de ficar tentando pregar alguma coisa. Não tem jeito. A gente não vai conseguir parar a tecnologia. Isso porque já tá pronto a mesa de som com os dois iPods em que você já pode mixar com pitch. Aí vai ser terrível.
Na segunda parte da entrevista, DJ Marky fala do DJ como espelho da cena, da presença dos MCs brasileiros nas festas de drum'n bass e esclarece algumas questões que estão na cabeça da maioria dos freqüentadores dos bailes do estilo em São Paulo.
De quebra, o paulistano ainda fala sobre os novos artistas, ovacionados pela mídia especializada, como Alix Perez e Lynx. Esta parte também traz um desabafo do DJ, que se demonstrou extremamente indisposto diante das pessoas que estão inseridas, só sabem reclamar e não trabalham em prol do crescimento do cenário drum'n bass no Brasil.
DNBOL: Você falou do DJ ‘pregar’, tá meio relacionado com o lance da cena. Das pessoas que te vêem, te escutam e querem se espelhar. Como anda a coisa da cena e você acha que o DJ ainda tem esse papel de espelho?
Marky: O DJ sempre tem que ser o espelho. Mas as pessoas precisam se ligar no DJ de verdade né? Falando num contexto geral, quero frisar isso. Tá surgindo uma porrada de DJs picaretas aí, né? Até gente da TV hoje é DJ. Vai lá, coloca um CDzinho mixado, bota o dinheiro no bolso e vai embora. Mas eu acho bacana as pessoas que vêem o DJ como espelho.
O lance da cena, eu sinto que o que eu podia fazer, eu fiz. Acho que fiz até demais. Uma coisa que me deixa meio triste, eu sei que é muito difícil, mas eu vejo DJs em outras cidades desistirem de tocar drum’n bass. Por exemplo, parece que em Fortaleza, eu não sei direito, o que ouvi dizer é que uns três DJs que eram de drum’n bass hoje tocam minimal. Eu não sei quem é, talvez eu conheça, mas não sei. Quem me disse isso foi o Neg. Eu tava conversando com o Linkage e ele disse que o Poeck tá com um projeto de eletrohouse, não entendi nada. O Linkage veio falar comigo e eu dei uma dura nele porque ele tá tocando break, ele falou “pô, Marky, num dá...” e eu falei “meu, se você não persistir, não dá!”.
Eu vou te dar um exemplo muito legal: eu tenho um amigo em Vitória, o Flávio Zogaibe, ele é DJ de house. Ele não gosta de house baba, só gosta dos houses bonitos, filés. E eu sou fã de house, eu gosto. E ele só gosta de música que eu gosto e a gente só conversa sobre música boa. Aí já entra em disco, funk, soul... Outro dia ele me chamou no AIM e falou: “Marquinho, eu quero tocar drum’n bass, eu quero tocar pelo menos uns quatro, cinco na noite”. Eu mandei as músicas pra ele e ele toca no meio da noite dele de house. E arregaça, cara! Tocou “Mariachi” do Lynx, tocou “Back Like That”... Lógico, ele tem que dar uma ‘babeada’, tem que tocar o “LK”, alguma coisa assim. Toca umas quatro ou cinco músicas e isso ajuda a cena. Ajuda as pessoas a abrirem a mente e ver que drum’n bass não morreu. Eu estive tocando lá e foi incrível, foi uma das melhores gigs que eu tive esse ano, em matéria de club, fora Marky & Friends, Skol Beats e essas coisas, foi o melhor gig que eu tive desse ano, em Vitória, quinta passada. Foi absolutamente incrível, até queria mandar um parabéns pra ele e toda a galera de Vitória. E lá não tem cena de drum’n bass, não tem nenhum DJ de drum’n bass. O cara chegou e gostou da música, acredita e toca no meio da noite. O cara correu atrás, achou um club – ele não toca nesse club direto -, foi lá, falou com o cara e tá fazendo a noite dele. Acho que é isso que tá faltando nas pessoas.
E também falta um pouco de bom senso dos DJs. Acho que o ‘um real’ tá de prova. Muita gente fala assim: “só vou tocar o que eu gosto!”. E a coisa não funciona assim, não adianta. Se você quer ser um bom DJ, não toque para os seus amigos. Você tem que tocar para o público, você tem que fazer com que o público goste da música que você toca. É a mesma coisa, eu não esperava que a música do Makoto, a “Eastern” ia ter a dimensão que tem hoje na minha festa. Qualquer festa que toque essa música todo mundo fica louco. Eu lembro a primeira vez que eu toquei essa música, esse cara aqui (DJ Unreal) subiu no teto, cara. Não era nem a versão que tava pronta, não tinha nem terminado. Eu dei meu plate pra ele. Toma aí, toca aí. Vai fazer três anos, a música saiu esse ano, entendeu? É muito gratificante isso, você acreditar numa música, tocar e as pessoas gostarem. Não é uma coisa apelativa.
Por exemplo, eu sou muito amigo do TC. Quando ele me mandou “Game Over” eu já sabia que era hit. Tem música que você já sabe que é hit de cara. “Game Over”, hit! As músicas do TC, todas são hits. Qual a música que eu fui lá e falei “essa é a música!”? O “Strictly Drum & Bass”, que é a música mais difícil do cara, a melhor música dele. Foi uma música mais diferente que mostrou uma versatilidade incrível dele. Compara “Rockstar” com “Strictly Drum & Bass”. Não tem comparação. E é a música que eu mais pego no pé. Toco no programa, tento fazer com que as pessoas entendam. Não é só “Where’s My Money”, sabe? É legal? É, na festa. Eu vejo isso como uma música de três meses. Depois disso você pega o disco e encosta. É legal os DJs pararem um pouco de tocar certas músicas descartáveis. Toque! Mas toque também coisas bem interessantes no meio. Tentem ir pra um lado de colocar a mulherada na festa, porque sem mulher não tem festa, já começa por aí. Sem mulher não tem festa. Não adianta querer ser radical. Falo isso porque eu já tive que tocar axé na minha vida, já toquei hip-hop. Não tenho vergonha de nada, porque eu já aprendi e muito. Eu dou um valor muito grande, se não fossem essas coisas terem acontecido na minha vida, eu não seria o profissional que eu sou hoje. Eu vejo as coisas de uma maneira muito simples, mas os DJs às vezes complicam, são muito radicais.
Outra coisa que mais me irrita também, é que hoje todo mundo quer tocar o dubplate. Quando eu tocava na Toco, quando eu comecei a tocar no Lov.e, eu tocava disco selado, sempre toquei disco selado. Durante 16 anos – eu sou DJ há quase 20 anos. Nunca tive problema. Tocava disco selado com a maior alegria do mundo. Acho que se hoje eu tenho músicas antes das outras pessoas, acho que é um fruto do meu trabalho. Trabalhei bastante pra isso. Não é à toa que eu fui um dos caras que acabou abrindo as portas para todos os produtores, não só os DJs, mas produtores de outros países. Antes do “LK”, você não via nada americano, que se destacasse. Depois de “LK”, já veio o D.Kay, de Viena... Veio o Pendulum, veio o Hive... Aí que a galera de Londres foi abrindo o leque. Isso é uma das coisas que as pessoas esquecem. E elas deviam se lembrar. Que eu sou um cara que fez muito pela cena, continuo fazendo tentando divulgar nomes nacionais em quem eu acredito. Porque se eu recebo uma música que eu gosto e acredito, eu vou tocar. Mas também não toco música pra fazer média com amigo meu. Não faço média, respeito. Mas eu não gosto de fazer média. Não vou ser hipócrita. Vou falar “ah, a música é do car****!” e nunca toco a música. Daí o cara fala: “ah, se minha música é legal, porque você nunca toca?” Fica chato, né?
E as críticas? O que me irrita é quando as pessoas falam uma coisa que não é verdade. “o Marky boicota o Andy”. Ou “O Andy boicota o Marky”. Eu e o Anderson, eu e o ‘botinha’, é brother de moleque. Eu vendia disco pra ele, ele me vendia disco. Ia na Overnight direto ver ele tocar, ele ia na Toco me ver tocar. É como se a gente trocasse figurinha, sabe? Não existe pícuinha. Não tem Subgrave versus VIBE, porque ele sempre tocou na VIBE e eu, na medida do possível, sempre que tive data vaga toquei no Subgrave. Nunca teve problema. Tenho o Anderson como meu irmão. Falo com ele, a gente dá risada, se diverte. Fiquei muito feliz porque ele foi na minha festa, eu sei que ele foi porque choveu! [risos] Fiquei surpreso em ver ele por lá. Ele até me falou: “pô, porque você não me colocou pra tocar na festa?” Eu falei: “ô Anderson, pensei que você tivesse em tour lá fora!”, mas ele já tinha chegado. Mas com certeza na próxima ele vai tocar. Ele tá fazendo a carreira dele lá, tá fazendo as coisas que ele acredita. Eu não sei onde as pessoas acham picuinha. É lógico que a gente é amigo, a gente tem nossas discussões, como você tem suas opiniões, eu tenho as minhas e a gente se respeita. Eu respeito muito o Anderson, respeito muito todos os DJs, tento ficar numa boa. Mas fazer críticas sem ter razão...
A mesma coisa: começaram a falar “ah, porque vinha o Calibre com o Zinc” e eu não divulguei isso na imprensa. Divulguei que ia vir o Random Movement. Se eu tinha planos de trazer o Calibre é uma coisa que eu guardei pra mim e falei para algumas pessoas. Se vazou? Tudo bem, mas eu não falei isso na mídia. Eu não acho que as pessoas devem querer ficar falando mal. E outra coisa: se essas pessoas que querem ficar falando mal, metendo o pau, se elas fizessem alguma coisa em prol da cena, eu ficaria quieto. Mas não fazem nada! Nada! O que eu posso esperar dessas pessoas? Nada. Eu não espero nada delas, não quero nada delas. As pessoas que falam mal da minha festa, eu peço um favor: não vá! Eu não quero que vá! Não faço questão. Não ajuda, então não atrapalha. Faça o seu que eu faço o meu. Fica em casa, cara! Não fica falando mal e depois vem dar tapinha nas costas dos outros. Vá pro inferno! É bem por aí... Quer falar mal, fala. Mas se for falar mal, vem falar na minha cara! E ninguém vem falar. Aí fala mal e prove. Prove e faça. Não vi ninguém fazer nada. Eu confesso pra você que antes eu ligava e bastante, mas hoje eu nem ligo mais. Porque nenhum deles paga as minhas contas. Não devo pra eles, não devo pra ninguém, minhas contas estão todas pagas, então tá tudo certo. Cada um, cada um, só que se for fazer uma crítica, vem fazer na minha cara. Eu tô tranquilo.
Não falo só comigo, mas com qualquer DJ. Tô falando isso em nome das pessoas que trabalham. Todo mundo meteu o pau no Lagosta. O Lagosta errou. Ele errou comigo, errou com o Lov.e e errou com os DJs. Tem gente comprando briga aí e nem tá no meio. E outra coisa: se as pessoas que falam mal dele, que metem o pau nele, fizerem um por cento do que ele fez pela cena, eu bato palma e fico quieto. Tem gente aí que fala mal dele e tocava com os discos dele. Pra mim é hipócrita. Não fala mal, não é por aí.
DNBOL: Bom, vou tentar mudar um pouco o foco porque você já falou quase tudo o que eu queria perguntar... Como é sua relação com os MCs? De uns quatro anos pra cá começou a crescer a cultura do MC aqui no Brasil, tem gente que gosta e tem gente que não gosta... O que você acha dessa parte da cena?
Marky: O Black, eu gosto bastante dele. Já vi ele fazendo MC várias vezes e foi muito legal. Algumas vezes não me agradou muito... O Lucky me agrada. Ele consegue levar a galera pra cima, contagiar a galera. Mas às vezes ele é meio preguiçoso. [risos] Mas é uma crítica totalmente construtiva. Eu gosto muito do Clóvis, eu acho que ele, das vezes que vi ele fazendo, é um cara que leva muito a sério. Tanto ele, quanto o Lucky e o Black, todos levam a sério. Eu acho que é importante eles fazerem alguma coisa em português e as rimas em inglês, é legal fazer um curso de inglês, pra você criar suas próprias rimas... É meio chato você ficar escutando um set e ficar chupando rimas, assim como é chato você escutar o set de um cara e copiar mixagens. Mas o Lucky sabe disso muito bem, eu dou um mega suporte pra ele. Ele fez uma festa comigo incrível em Foz do Iguaçu, incrível. Ele foi incrível. Ele me surpreendeu muito. No Skol Beats desse ano ele roubou a cena. Ele conseguiu apagar o Dynamite e o Stamina juntos. Ele fez isso, no final do meu set. Eu não esperava e agradeci, sou hiper grato. O Lucky também é muito esforçado.
Tô esperando eles começarem a fazer um curso, falarem as palavras corretas, saberem o que estão falando, pra coisa ficar profissional e legal ao mesmo tempo. Acho que tanto o Black como o Lucky e o Size, todos tem talento e são interessados. As pessoas devem dar força pra eles. As pessoas que não gostam, tudo bem, não gostam. A gente deve respeitar, mas é um pedido também: se eles fizerem um pouquinho menos, um pouquinho menos, respeitarem um pouco a música, também fica legal. As pessoas acabam entendendo mais e eles acabam ganhando elas também. A gente tá construindo tudo de novo. Eles também estão construindo a cultura MC. Faltam alguns ajustes, mas eles também vão se encaixar e acredito que vai rolar e vai dar certo.
DNBOL: Falando em Skol Beats, dá pra adiantar alguma coisa já?
Marky: Cara, mó viagem isso! [risos] Vou te dar um exemplo: essa semana, foi uma das semanas mais ‘heavy metal’ que eu tive na minha vida. Eu tava com o meu filho, querendo brincar e eu no computador tentando achar DJ pra tocar no lugar do Random Movement. Quando eu consegui o Taxman foi no susto. Inclusive, no domingo passado ele me ligou porque a mulher dele tá gravida de oito meses e sofreu um acidente de carro. Ele quase não vinha tocar. Eu tava em paranóia total aqui em casa, meu filho chorando e eu não sabia o que fazer. “Caramba, o Taxman não vem!!!” e liguei pro Logistics, liguei pro Clipz, liguei pra todo mundo e todo mundo “nossa Marky, eu tenho estúdio marcado e não vai dar pra ir...” A festa deu certo, graças a Deus... E eu não tenho nem como pensar em Skol Beats! Na verdade o line up do Skol Beats é feito lá pra fevereiro, março... não é feito tão antecipadamente, pelo menos da tenda drum’n bass.
DNBOL: E tem alguém que você gostaria muito de trazer?
Marky: Eu não sei. Um DJ que eu gostaria muito de trazer pra tocar no Skol Beats seria o Calibre. Justamente porque ele sempre tocou em club, nunca tocou num festival como o Skol Beats. Já tocou lá fora, mas não aqui, uma coisa grande. Eu queria, porque é um lance de educar as pessoas. Por exemplo, D-Bridge. O set dele foi um dos mais comentados e eu acho que foi uma aula não só pra mim, como pra todo mundo. Inclusive quando ele toca no Swerve, só tem DJ. Pergunta pro S.P.Y. Da última vez que ele tocou tava eu, Bungle, Makoto, A-Sides, Bailey, Flight, Nu:Tone, Commix, Logistics, Craggz & Parallel Forces, Total Science, Goldie... Só tinha DJ! Você pode ver que ele não é um cara assim tão técnico. Ele é bem um DJ normal, mixa as músicas. Mas o repertório? Infalível! Hoje em dia eu vejo muito mais o lance do repertório do que o lance da mixagem.
Hoje o repertório é muito mais interessante que um double drop. O D-Bridge tem algo que eu me identifico muito que é tentar passar alguma coisa pras pessoas. Ele tocou “Nitrous”, aqui. Mas você vê um set dele lá em Londres, ele não toca o óbvio, toca muito diferente. E eu quero tocar o óbvio, mas quero tocar também muita coisa diferente, pra mostrar pras pessoas a direção das coisas. Que a cultura lá é muito diferente da cultura aqui.
Mas acredito que Calibre, o próprio Random Movement. Seba... É muito cabeçudo, mas acho que um dia vá rolar. Seba, Paradox, esses caras a gente tem que trazer pra uma festa menor, pra drum’n bass heads, pra galera viciada mesmo. Tem vários DJs, Randall... O Randall já tocou no Skol Beats uma vez. O set old school do Randall... é... Tem muito DJ bom. O povo fala hoje: “Andy C, Andy C!”. O Andy é muito bom DJ, muito bom. Sem dúvida nenhuma. Mas o Randall foi o cara que criou tudo né? É um cara por quem as pessoas tem que ter muito respeito. E é um doce de pessoa, não tem a atitude... fala com todo mundo, o cara é incrível. Até arrepio de falar dele... Doc Scott, tem vários DJs que eu aprecio e eu gosto. Mas vamos ver.
Eu acredito que Calibre e Random Movement são dois artistas que tem cadeira cativa no meu programa, cadeira cativa no meu set e no meu case. No meu carro. São artistas com quem me identifico muito. E o Makoto também, mas o Makoto já tocou. Ele é meio irmão, já, mas então nem precisa colocar ele na lista. A gente é brother de verdade.
DNBOL: DJ Marky e a cena daqui a dez anos?
Marky: É uma pergunta que não dá pra responder. Eu espero poucas coisas. Espero que as pessoas parem de ficar falando abobrinha e trabalhem. O trabalho é a coisa mais importante. DJ Marky daqui a dez anos? Eu não sei. Não tenho a mínima idéia. A gente não sabe o que vai acontecer com a música. Não sei explicar. A cena hoje tá ok, tá melhorando aqui no Brasil, lá fora tá super bacana, mas se você for analisar bem, hoje a gente não tem um hit. Tem um outro “LK”? Tem alguma música que compare com “LK”, hoje? Ou um “Shake Ur Body”? Tem alguma que você compare com “Casino Royale”?
DNBOL: “Planet Dust”...
Marky: Exatamente, sabe? “Planet Dust” ou “Four Days”. Kraken, “Side Effects”, “Pacman”... Não tem. Isso eu até tava conversando com o D-Bridge. Ele mesmo falou. Hoje não tem hit. A mesma coisa, um monte de gente hoje fala do Alix Perez. “Ah, porque o Alix tá arregaçando” e não sei o quê. Ele tá fazendo coisas interessantes, indiscutivelmente tá fazendo coisas bem interessantes. Mas ele não é tudo isso que todo mundo tá falando, entendeu? Ele não é tudo isso que a mídia tá falando.
DNBOL: Tipo o Lynx? Você acha que ele é tudo isso que a mídia tá falando?
Marky: O Steve Lynx, eu conheci. Ele foi um dos primeiros caras que eu conheci em Londres. Em dezembro, completam dez anos que eu conheci o Steve. Ele nem fazia música. Depois que ele foi para estúdio com o Nu Balance, que é o Skinny, que fazia música com o Friction. O Friction fazia música com o Skinny, que era o técnico. Hoje o Friction tem o jeito, mas o Skinny foi o cara que mostrou estúdio pra eles. O Lynx ficou totalmente apagado, tinha uma música que eu tocava que era dele e do Skinny que nunca saiu. O Cezar Peralta era doente por essa música. Eu tenho o plate até hoje, mas a música não tinha nome. Era um jump up, ele fazia jump up. Música ‘hitão’ mesmo, pra pista.
Hoje todo mundo fala do Lynx como se fosse ‘o cara’ mesmo. A grande revelação do drum’n bass, mas a última grande revelação mesmo que eu ouvi, na minha opinião, é um menino lá de Belfast que é o Calibre. O Calibre eu nunca vi. O mundo inteiro doente por causa da música do cara. Eu acho que o “Disco Dodo” é um big tune, é. A primeira vez que eu escutei “Disco Dodo”, confesso pra você. Achei a música uma bos**, uma mer**. Quem me fez gostar dessa música foi o Bungle. Ele táva no dia. “Nossa, Marquinho, essa música é do car****!”. E eu: “Isso é uma mer**!”.
Comi bola! Escutei depois e falei “meu, essa música é Ok...”. Aí o Fabio me deu a música. E eu comecei a tocar. Conforme você vê a reação da pista, automaticamente você começa a gostar. Como “Together” do Logistics, eu detestava essa música. Achava meio estranha, mas a reação na pista era tão bacana que hoje eu adoro a música. Toquei, explodi música aqui. No começo eu achava meio... sei lá... meio trancezinho, meio eurotrance, meio baba. Mas a construção da música é incrível. Também não acho o Lynx tudo isso. O Marcus tá lançando um álbum dele pela Soul:R. Hoje em dia, pra um artista lançar um álbum, acho que é muito complicado. O Lynx é um bom artista, mas acho que ao invés dele fazer um álbum ele deveria lançar mais singles antes. Acho que o nome dele não é grande pra fazer vender um álbum ainda. Ele não é um Pendulum da vida. Pendulum que vendeu cento e poucas mil cópias. Eu não sei quantos discos ele vai vender. Eu sei que o álbum do MIST:I:CAL foi Ok...
A mesma coisa: a minha idéia do Masterplan era ser um álbum quádruplo. Eu tive uma reunião com a minha distribuidora, com a SRD. Eu queria fazer um disco preto, todo escrito prateado, sabe? Cheio de fotos dentro, fotos de todo mundo do Brasil, meus amigos em Londres, abrir o disco e virar um poster. Eles falaram: “você vai perder dinheiro. Vai realizar seu sonho, mas vai perder dinheiro e ninguém vai comprar o disco, porque ninguém vai comprar um quádruplo. Hoje um disco quádruplo não tá vendendo. A melhor coisa é você fazer dois Eps.” e deu super certo! Acho que é um dos mais vendidos no momento. Eu tô muito feliz e é legal você ter essa retaguarda.
A gente nunca sabe o que vai acontecer. Muita gente fala: “hoje disco não vende.”. Disco vende pouco. Não vende mais o que vendia antes. Hoje, tem muita procura por MP3, agora será que o MP3 vai ser mesmo o formato do futuro? Pode ser que sim. Eu não acredito nesse lance “ah, o disco vai acabar!”... Há quanto tempo estão com essa história que o vinil vai acabar? Eu toco no Serato, mas compro disco. Não compro disco de drum’n bass. Mas disco de soul, funky e jazz... Todas as músicas que eu fiz com todo mundo, a gente sampleou de disco, não foi de CD nem de MP3. É difícil você prever o futuro, difícil dizer o que vai acontecer daqui a dez anos...
Vou ser bem sincero: o que espero é estar tocando, daqui a dez anos. Eu quero ser produtor, mas não produzir minha própria música, quero produzir música dos outros, não drum’n bass. Produzir bandas, artistas... Tipo o Will:I:Am, tipo o Mazolla. Esse cara fez disco de todo mundo, Chico Buarque, Gilberto Gil, discos que venderam 300 mil cópias, um milhão de cópias. Quero fazer alguma coisa disso ou montar uma banda de jazz. Fazer um projeto paralelo de ter uma banda tocando clássicos de funk, soul e música brasileira. Uma coisa totalmente não-drum’n bass e depois, de repente, fazer remixes ou dar pros artistas fazerem remixes drum’n bass. Esses são os sonhos que eu tenho. Alguns quase pra se realizar.
DNBOL: Quer mandar um shout pra alguém?
Marky: Queria mandar um shout pra toda a galera que apóia a Marky & Friends, os DJs que ajudam na festa. Não vou nem citar nomes. Queria mandar a todas as pessoas que dão suporte pro Marky & Friends. A todas as pessoas que escutam o Terremoto Drum & Bass Show, todos que entram no site. Queria agradecer ao Enderson NS que tem o maior carinho pelo site, ele que criou tudo, é um cara super bem intencionado. Queria agradecer à galera lá de fora, Random Movement, Calibre, Makoto, Total Science, todos os artistas. Queria agradecer ao DNB Online que sempre tá levando matérias bacanas, coisas sérias pras pessoas, não levando picuinhas, levando informação que é muito importante. Hoje é o que a gente mais necessita: informação correta, coisa boa, good vibes. Xô coisa ruim, só coisa boa. Vamos acreditar e fazer a coisa virar de novo.
Agradecimentos do DNB Online: DJ Marky pela hospitalidade e paciência para a hora e meia de conversa.
DJ Unreal e Joel JFX pela logística e colaboração para a realização da entrevista.
Hélio Matos é editor do DNB Online.
Quinta-feira, 22 de Novembro de 2007 - 03:16
Quinta-feira, 22 de Novembro de 2007 - 03:16
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