quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Up: Altas Aventuras


















Sensível e tocante, "Up - Altas Aventuras" pode ter seus defeitos, mas é uma prova de que a Pixar consegue capturar o público pela emoção em suas histórias, mesmo contando com os mais inusitados heróis.

Quando o trailer de "Up - Altas Aventuras" apareceu, muitos duvidavam do apelo do longa. Um senhor de idade em uma casa que voa por meio de balões? Como a Pixar ia fazer essa premissa funcionar? Honestamente, fui um dos que ficou com a pulga atrás da orelha com o potencial deste projeto, que me pareceu ainda mais estranho após o trágico incidente envolvendo um padre aqui no Brasil. Devo dizer que queimei feio minha língua. Após 10 minutos de projeção, já estava de olhos marejados e totalmente imerso na vida do protagonista Carl Fredricksen.

O longa começa mostrando a infância de Carl, um garoto que sonhava em ser um grande explorador e viver grandes aventuras, apesar de sua timidez. Certo dia, ele conhece Ellie, uma animada menina que compartilha das paixões dele. A
amizade se torna uma bela história de amor que, infelizmente, não gerou filhos. Ellie morre e deixa Carl sozinho. Agora um vendedor de balões aposentado, ele vê a casa na qual conheceu e viveu com sua amada esposa sendo objeto de cobiça de grandes corporações.

Ameaçado de ser mandado para um asilo, ele resolve fugir dali com sua casa, amarrando centenas de balões a esta, com rumo às Cataratas do Paraíso, lugar onde o herói de infância dele e de sua esposa se aventurava e grande sonho da falecida Ellie. O que Carl não contava era com um pequeno clandestino a bordo, o jovem Russell, um prestativo, atrapalhado e rechonchudo escoteiro, ansioso para ajudar o bom velhinho. Os dois mal sabem os problemas e confusões que irão encontrar no caminho, que incluem um estranho pássaro e um cão "falante".

O primeiro ato do filme, que nos apresenta Carl e Russell, bem como nos mostra o passado do protagonista, é simplesmente perfeito. O drama do casal principal, a transformação da vizinhança destes, a introdução de Russell, bem como a ameaça das grandes empresas e o desrespeito ao idoso são apresentados ao público de maneira magnífica, alternando momentos mais sérios e dramáticos com gags visuais e narrativas engraçadíssimas, sem jamais que o filme pareça sofrer de transtorno bipolar, com a genial sutileza típica da Pixar dando o tom.

Quando a trama se desloca para a América do Sul, a situação muda um pouco de figura. O ritmo da trama fica mais rápido e a história ganha um vilão, o explorador Charles Muntz, outrora grande ídolo de Carl e Ellie, que se tornou um homem obcecado em capturar uma estranha ave que vive nas redondezas das Cataratas do Paraíso, contando com o serviço e a companhia de seus cães, equipados com coleiras que fazem com que “falem”.


Nesse ponto do roteiro, são inseridos diversos elementos fantásticos, extrapolando um pouco o nível de metáfora estabelecido pela casa voadora. Ao contrário da residência de Carl, que simboliza o próprio passado do personagem, bem como as lembranças de sua amada esposa (chegando ao ponto dele chamar a casa de “Ellie”), os elementos fantásticos apresentados no segundo ato da história servem apenas para acrescentar emoção à aventura do idoso e de seu jovem parceiro.



Não que o segundo ato seja ruim, nada disso. Mas destoa e muito do espírito colocado na primeira parte da fita. Com o tempo, passamos a nos divertir e muito como cãozinho Dug e com Kevin e até mesmo torcemos pelos personagens. O primeiro possui uma característica adorável, que é a sua entrega incondicional, uma vontade de amar que transcende tudo. Já Kevin faz um bom contraponto ao fato de que tanto Carl quanto Russell possuem uma deficiência no departamento “pais e filhos”.



O grande problema da fita encontra-se em seu vilão. Muntz já era adulto quando Carl e Ellie eram crianças e não parece muito mais velho que o protagonista quando eles se encontram, forçando não só a suspensão de descrença, como também a lógica. Suas motivações são extremamente fracas, parecendo mais uma versão menos interessante do capitão Ahab de “Moby Dick” com o rosto do ator Vincent Price, enquanto as demais figuras da fita primam pela originalidade. Até mesmo seus capangas parecem mais interessantes, vide o cão Alfa e sua hilária dificuldade de comunicação.



De qualquer modo, tal inimigo empalidece perante o verdadeiro antagonista da fita, que é o esquecimento. Após a morte de sua esposa, Carl se vê menos relevante no mundo. Sem filhos, ele vê a morte cada vez mais perto, tendo com esta jornada o meio para fechar sua vida, cumprindo sua promessa para Ellie, estando ignorante para o fato de que ele ainda está vivo e que sua importância para o mundo não cessou. Surge Russell, um jovem carente de atenção paterna.



Ele e Carl foram feitos um para o outro, sendo o jovem o caminho pelo qual o idoso pode não somente ser relevante novamente, mas ter sua memória perpetuada após seu falecimento. A relação entre esses dois, bem explorada pelo diretor Pete Docter, é o motor que move a produção. São justamente os intricados significados escondidos por uma aura de simplicidade que tornam a película inesquecível e nos fazem ignorar quaisquer falhas.



O filme conta ainda com ambientes inspirados e um ótimo design de personagens, com destaque para o paralelo entre o jovial e arredondado Russell e o envelhecido e quadrado Carl, sem contar o interessante desenho dos animais. Além disso, a excelente dublagem nacional realmente traz aquelas figuras à vida, com destaque para Chico Anysio, um dos mais talentosos atores brasileiros de todos os tempos, que concede todo um senso de humor irônico ao idoso protagonista.




Chega a ser um pouco triste que a trajetória de Anysio esteja lembrando tanto a de seu personagem, um tanto quanto relegado ao esquecimento mesmo com sua trajetória tão bonita. É até apropriado que o filho do veterano ator, Nizo Neto, participe com destaque do trabalho de dublagem, fazendo muito bem a voz do cachorro Dug, arrancando risadas dos mais jovens. Deve ainda ser mencionada a belíssima trilha de Michael Giacchino, que já louvei ao falar este ano de seu trabalho em “Star Trek”. O tema principal composto por Giacchino é utilizado de maneira espetacular, dos mais diversos modos, valendo destacar ainda uma inusitada versão da ópera "Carmen".




Vale ainda destacar o uso diferenciado da tecnologia 3D na fita, não se empenhando em “jogar” objetos na cara do espectador, mas sim em auxiliar na imersão no filme. Tocante e divertido ao mesmo tempo, “Up – Altas Aventuras” é um lembrete para que o público nunca subestime a capacidade da Pixar em fazer com que o público se envolva com as histórias contadas em seus filmes. Desse jeito, os óculos 3D nem são necessários. Recomendado!

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