Produzida para a TV, minissérie usa recursos do cinema para contar uma história eletrizante.
Não se deixe espantar pela duração de "Carlos". Os três episódios da série produzida pela TV francesa valem cada um de seus 330 minutos. A versão integral que a Mostra exibe hoje é a mesma que, em maio, no Festival de Cannes, causou primeiro polêmica e depois espanto.
Trata-se da única chance de os espectadores brasileiros seguirem, na tela grande, a história do terrorista Illich Ramíres Sanches, conhecido como Carlos, o Chacal.
A série, que custou 14 milhões de euros (cerca de R$ 33 milhões) e foi rodada em dezenas de países, causou desconforto em Cannes.
Houve quem achasse que o Palais não deveria abrir seus projetores para um produto nascido da TV. Corporativismo. "Carlos" é puro cinema. E de primeira. O diretor Olivier Assayas fez um filme eletrizante, que desconstrói, detalhadamente, um personagem que esteve envolvido em alguns dos principais acontecimentos históricos do século 20.
Ele recusou-se a fazer um hino à glória de Carlos. Assume, porém, o desejo de tratá-lo como mito geracional. Para personificar esse mito, Assayas contou com a força do ator Edgar Ramirez, venezuelano como o personagem. Ramirez encarna à perfeição a dubiedade do homem de esquerda que vai sendo cegado pelo narcisismo e pela violência.
O terrorista que fez seu aprendizado lutando ao lado dos palestinos, na Jordânia, é construído com uma personalidade que flerta com o glamour -seja o do heroísmo midiático, seja o dos prazeres da vida burguesa- e que se quer um Don Juan.
Ramirez, que passa por transformações físicas radicais, pode ser tão sedutor quanto monstruoso. SEQUESTRO POLÍTICODentre as muitas sequências memoráveis de "Carlos" está a do sequestro de ministros de diversos países durante a reunião da Opep, em Viena, em 1975.
A ação, que se desdobra em uma série de acontecimentos, traz a gênese de conflitos políticos mundiais. "Carlos" seguirá Chacal até a queda do Muro de Berlim, quando ele se ligar às células revolucionárias alemãs, mas começar a virar uma caricatura de si.
Chacal, que fora condenado à prisão perpétua em 1997, na França, é também um símbolo do fim das utopias e de uma era. Assayas, como havia feito em "Horas de Verão" (2008), olha para o tempo que passou com um quê de melancolia e outro quê de crítica.
Mas a lição que ele deixa não é nem ideológica nem política. É cinematográfica. Em Cannes, disse ter feito um filme segundo seu conceito de cinema. Não importava quem bancaria o filme e onde se daria sua difusão. Provou que discutir essas fronteiras não tem mais sentido.
ANA PAULA SOUSA
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