Que atire a primeira pedra quem não se impressionou com o trailer de “A Lenda dos Guardiões”. Aquele visual arrebatador sincronizado com a bela música “Kings and Queens”, do 30 Seconds to Mars, chamava a audiência a experimentar uma proposta de animação diferente, que parecia dispensar o caráter cômico que rege boa parte dos filmes do gênero, se embrenhando no drama. A escolha por corujas como bichos-personagens também contribuía para um crescente interesse, afinal poucos animais são tão misteriosos e bonitos como elas. A referência “dos mesmos produtores de Happy Feet” arriscava uma comparação perigosa com o longa vencedor do Oscar de animação em 2007 e revelava a enorme pretensão da fita.
Para decepção dos mais crescidinhos, no entanto, “A Lenda dos Guardiões” é um filme infantil, repetitivo e, acima de tudo, sem coração. Tudo porque não há nada de original no roteiro de John Orloff, de “O Preço da Coragem”, e do desconhecido Emil Stern. Estão lá todos os vícios de uma trama épica protagonizada por um ainda inexperiente herói, aqui o pequeno Soren, que acaba resgatado por um grupo do mal de sua espécie ao lado do irmão. Longe do afago dos pais, eles são aprisionados e assim deverão permanecer pelo resto dos tempos.
Entretanto, claro, a nascente coragem do protagonista e a ajuda de um subalterno levam-no a fugir das garras (literalmente) do mal ao lado de uma nova amiga, alguém muito carismática e fiel. Enquanto isso, o irmão, que já era acometido por lapsos de desvio de personalidade, é corrompido pelo clã adversário e passa a ser o maior inimigo do herói. Circunstâncias e muita sorte levam o personagem principal a encontrar a trupe sobre a qual ouvia histórias na infância, e ao lado deles tentará impedir que se cumpram as intenções maquiavélicas dos vilões, lutando bravamente, como jamais sabia que era capaz.
E dessa forma, com todos esses clichês, “A Lenda dos Guardiões” caminha até o seu desfecho, nunca saindo de sua zona de conforto e entregando um resultado extremamente comum, que até pode satisfazer as crianças, mas que é apenas uma embalagem caprichada de um produto já vendido há décadas. É preciso que se diga que, no entanto, o filme não se constitui em uma tragédia, bomba ou outras expressões utilizadas para desqualificar obras. Trata-se apenas de um filme regular, nada além disso, apenas com uma pitada a mais.
E essa pitada está exatamente naquilo que o trailer já trazia como certeza, naquilo que não se podia desconfiar antes de entrarmos e sentarmos na sala de cinema. Que visual tem essa animação! Tudo é tão caprichado nesse quesito, que em alguns momentos esquecemos de nomes de personagens e história. Apenas apreciamos. Do detalhismo das penas das corujas, sempre balançando por influência do vento, à bela fotografia, sempre proporcionando imagens que se assemelham a pinturas, o longa jamais decepciona tecnicamente.
Ao olharmos para o nome do diretor, tudo se explica. Trata-se de um tal de Zack Snyder, conhecido por sua destreza ao tratar cada sequência e tomada. Aqui ele justifica a fama que leva, tanto positiva quanto negativamente. Se um filme seu nunca foi tão belo, poucas vezes também Snyder deixou de fora a emoção, quase por completo, como aqui. “300” sofria do mesmo mal, mas o longa de 2007 era um filme masculino, feito para os, digamos, mais insensíveis. Já com “Watchmen”, dois anos mais tarde, ele compensou em termos, para agora regredir completamente.
Snyder é um cineasta altamente dependente de bons roteiristas e aqui ele não conta com eles. Além de respeitarem demais a estrutura de uma narrativa tida como acessível, Orloff e Stern também trazem uma introdução atropelada, incapaz de desenvolver adequadamente a rivalidade entre irmãos, por mais que tentem. Os coadjuvantes não são nada engraçados. Aliás, ao final da sessão, é difícil lembrar do nome de alguns deles. Adaptação do livro “Guardians of Ga’Hoole”, de Kathryn Lasky, o roteiro escapa apenas ao dispensar inserir um interessa amoroso para Soren. Nem mesmo o plot para uma improvável continuação deixa de existir.
Este é mais um caso em que o trailer é bem superior ao filme. Engraçado como algo de meros dois minutos consegue emocionar mais do que uma obra de noventa minutos. Se mesmo assim, você decida conferir “A Lenda dos Guardiões”, o faça em 3D. Já que estamos diante de um longa quase exclusivamente visual, que seja visto na melhor plataforma possível. Com a época de premiações chegando, mais um concorrente de “Toy Story 3“ já pode ser riscado na busca pelo reconhecimento.
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