domingo, 25 de abril de 2010

"Lost" se perde em mais dúvidas




Série ainda tem quatro capítulos inéditos antes de terminar com episódio duplo em 23 de maio nos EUA

Lentidão em solucionar mistérios aumenta devoção e ódio; TV paga brasileira exibe sexta temporada com duas semanas de atraso

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Falta pouco para terminar. Apenas quatro episódios separam "Lost" de seu episódio final, em 23 de maio, nos EUA. No Brasil, a temporada passa com duas semanas de atraso, mas o canal AXN não quis divulgar uma data para o fim.

Falta muito para acabar. A série, criada por J.J. Abrams, Carlton Cuse e Damon Lindelof, deixou para o último mês de exibição mais dúvidas que respostas -na próxima terça, está programada uma reprise.

Mesmo os mistérios solucionados têm clima nebuloso ou não fecham as equações da série, iniciada em 2005, sobre um grupo de passageiros de um avião que cai numa ilha mágica e de localização incerta.

Nos episódios anteriores de "Lost", o monstro diz a Sawyer que não pode cruzar o canal entre as duas ilhas na forma de fumaça, mas aparece diante de Michael na figura de Christian Shepard, em alto-mar, quando uma bomba explode e mata a tripulação do cargueiro.

Na primeira cena do final da quinta temporada, a caravela Pedra Negra surge num dia ensolarado de calmaria no mar. Neste ano, em "Ab Aeterno", o mesmo navio chega à noite em meio a uma tempestade e se choca com a cabeça da estátua de mais de 20 metros num tsunami que o leva ilha adentro.

Além de erros de continuidade, alguns mistérios parecem ter sido jogados para debaixo do tapete e vão terminar sem solução. Por que os Outros falam latim? O que é a caixa mágica e como o pai de Locke surgiu na ilha? Mais do que os sobreviventes, perdidos mesmo estão os mais de 10 milhões de telespectadores só nos EUA.

E mesmo as explicações que foram dadas não encerram as dúvidas que as cercam. Se os sussurros são produzidos pelos mortos amarrados à ilha por problemas cármicos, por que anunciavam sempre a chegada ou a presença dos Outros, vivinhos da silva? Se os números estão atrelados a cada um dos candidatos, por que fazem Hurley ganhar na loteria e qual o papel deles na Dharma?

Para manter o espírito do seriado, os produtores vão deixar para os 45 minutos do segundo tempo os grandes mistérios da trama, como o que são a ilha, o Monstro de Fumaça, a relação entre Jacob e o Homem de Preto, a herança egípcia e a missão de cada personagem. "Across the Sea", o 15º de um total de 18 episódios, deve concentrar algumas dessas respostas.

A lentidão em desvendar os segredos da ilha multiplicam as teorias na internet e criam devoções e ódios pela série.

Enquanto isso, as perguntas vêm aumentando. O capítulo da última terça respondeu a apenas uma. Em compensação, deixou no ar o terror de Sun ao ver Locke chegar à emergência do hospital com ela. De onde eles se conhecem na realidade alternativa? Aliás, o que é isso?

A tarefa de juntar os pedaços tampouco é fácil, principalmente se você não se lembrar de detalhes anteriores (nisso, a Lostpedia.com pode ajudar).

Os criadores prometeram em diversas entrevistas -inclusive à Folha- que tudo será explicado. Será um feito. Não de todo impossível, mas bem complicado. Mas sempre haverá um flashback para ajudar. Ou pelo menos desviar a atenção dos buracos pelo caminho.




Nada se resolve e tudo se complica
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Seja bem-vindo ao primeiro testamento" é o que parece dizer a sexta e última temporada do seriado "Lost".

Não que o maniqueísmo exacerbado não estivesse presente desde o primeiro capítulo, mas nos últimos episódios essa tendência dicotômica chegou ao limite. A mitologia de "Lost" remete cada vez mais à Bíblia, influência assumida pelos produtores em entrevistas.

Não é, evidentemente, a sua única referência literária. Além de citarem os livros de Júlio Verne, respiraram Stephen King. É dele o tijolão "The Stand", originalmente publicado em 1978 e atualizado em 1990. Assim como em "Lost", a trama é circunscrita a um período curto de tempo de 90 dias, mas os personagens "escapam" para a frente e para trás. Há ainda toques de "O Fugitivo" e também da série pioneira "Twin Peaks", de David Lynch.

O hermetismo de Lynch é, precisamente, o principal ingrediente da fórmula radical da série da ABC. Assim como no universo bem maluco do cineasta, em "Lost" nada se resolve e tudo se complica.

Não parece haver, entre produtores e roteiristas, alguém que verdadeiramente saiba as respostas pelas quais o público anseia. Todos, plateia e artistas, estão no mesmo bote à deriva.

Ou pior: maximizando exponencialmente a regra literária de ouro de Hemingway (aquela que afirma que uma história deve mostrar apenas a ponta do iceberg, enquanto o que realmente interessa permanece oculto sob a água), "Lost" é um imenso iceberg submerso.

A não ser por um tipo chamado Gregg Nations (cujo perfil na Wikipedia deixa várias margens à dúvida de que ele não passa de mais um personagem entre tantos), roteirista e o responsável pela linha do tempo dos episódios (um imenso arquivo que determina todas as idas e vindas desde o início até o final), ninguém parece saber o destino de Jack, Sawyer, Kate e seu bando de náufragos. É um indicativo a ser levado em conta, porém, que Nations seja o responsável por guardar a sequência temporal da série.

O tempo é a palavra-chave em "Lost", assim como parece ser em várias das séries mais interessantes da atualidade, sejam de ficção científica (como "Fringe" e "FlashForward") ou não. Até mesmo na aparentemente dissímile "The Wire" o tempo faz sua participação.

"Lost" poderia, inclusive, se chamar "Flashback", pois usa e abusa desse recurso, indo e voltando em meio às vidas pregressas e presentes dos personagens, fornecendo de modo bastante avaro fragmentos minúsculos de personalidade, sugerindo que o espectador costure sua própria colcha de retalhos. Como fazer, porém, para tapar os buracos?

O "cut up", aliás, é outra técnica literária, desenvolvida por William S. Burroughs e Brion Gysin. Trata-se de um processo de montagem similar ao utilizado na indústria audiovisual, com a diferença de que, no "cut up", se busca a anomalia do acaso por meio da colagem de elementos alheios entre si. Sob a influência da literatura mais experimental, "Lost" tem sido responsável por justamente tornar cada vez mais comum o que deveria ser estranho.

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