Poucos artistas têm sido tão controversos quanto James Douglas Morrison, o vocalista e compositor do Doors. E nenhum fez com que tantos jornalistas construíssem um imaginário gótico tão vasto na tentativa de explicar sua mística. No início, Morrison estava um tanto relutante sobre ser entrevistado pela Rolling Stone. No fim, mudou de ideia e, em sessões que se estenderam por mais de uma semana e por vários bares, provou que seu empresário, Bill Siddons estava correto quando disse: "Jim costumava ter uma porção de demoniozinhos dentro dele... Mas não acho que tenham sobrado muitos". Em outras palavras, Morrison abrandou, amadureceu.
Para a primeira sessão, nos encontramos no escritório do Doors (convenientemente próximo do escritório da Elektra e de vários clubes de strip-tease) e conversamos em um bar das redondezas, o Palms. A ideia era comer algo com a cerveja, mas o cozinheiro estava de folga naquele dia, então ficamos só na bebida - com um pequeno grupo de clientes habituais espalhados pelo bar pagando rodadas uns para os outros e contando histórias em alto volume ao fundo, enquanto nos sentamos em uma pequena mesa. Não se percebeu nenhuma comoção quando Morrison entrou e a barba cheia que vem cultivando desde Miami tinha pouco a ver com isso; aqui ele também é um cliente habitual.
Como você entrou neste negócio... Decidiu se tornar artista?
Acho que tinha um desejo reprimido de fazer algo assim desde que ouvi... Sabe, o nascimento do rock and roll coincidiu com a minha adolescência, quando comecei a ganhar consciência. Foi algo empolgante, embora na época eu jamais fosse capaz de me permitir fantasiar racionalmente sobre eu mesmo fazê-lo. Acho que fiquei o tempo todo inconscientemente acumulando essa propensão e escutando. Assim, quando finalmente aconteceu, meu subconsciente já estava preparado para a coisa toda.
Não pensei a respeito. Estava apenas lá. Nunca havia cantado. Nunca tinha nem pensado nisso. Eu achava que seria escritor ou sociólogo, talvez escrever peças de teatro. Nunca fui a shows - um ou dois no máximo. Vi poucas coisas na TV, mas eu nunca seria parte disso. Mas ouvi na minha cabeça toda uma cena de show, com uma banda e cantando e um público - um grande público. Aquelas primeiras cinco ou seis músicas que compus, eu só estava fazendo anotações no fantástico show de rock que rolava dentro da minha cabeça. E, uma vez que escrevi as músicas, tinha que cantá-las.
Há músicas de que você gosta mais que outras?
Para dizer a verdade, não escuto muita coisa. Há músicas de que gosto mais de cantar do que outras. Gosto de cantar blues - essas longas e livres viagens de blues, onde não há começo ou fim específico. Apenas entro no ritmo e posso ficar inventando coisas. E todo mundo vai solando. Gosto mais desse tipo de música do que da música propriamente dita. Sabe, começar um blues e ver até onde vai.
Viagens de improviso...
É. Precisávamos de outra música para este álbum. Estávamos destrinchando nosso cérebro pensando que música seria. Estávamos no estúdio e então eu comecei a jogar todas essas músicas antigas. Viagens de blues. Clássicos do rock. Finalmente começamos a tocar e seguimos por cerca de uma hora, e passamos por toda a história do rock - começando com blues, passando pelo rock and roll, surf music, latina, a coisa toda. Chamo de "Rock is Dead". Duvido que alguém vá ouvir um dia.
Como você se vê? Poeta? Astro do rock? O quê?
Não recebo muito retorno além do que leio. Gosto de ler o que escrevem sobre mim. Só nessa hora recebo alguma resposta sobre a coisa toda. Viver em Los Angeles não é grande coisa. É uma cidade anônima e vivo uma vida anônima. Nossa banda também nunca alcançou o estágio de fenômeno de massa que alguns alcançaram; nunca houve adulação em massa. Então isso nunca me pegou. Acho que me vejo como um artista consciente se afastando do dia a dia, assimilando informação. Gostaria de ter um teatro. Estou muito interessado nisso no momento. Embora eu ainda goste de cantar.
Algo que já lhe perguntaram antes inúmeras vezes: você se vê tendo algum papel político? Cito algo que você mesmo disse, descrevendo o Doors como "políticos eróticos".
É só que eu tinha consciência da mídia nacional enquanto crescia. Eles estavam sempre pela casa e comecei a lê-los. E aí me tornei consciente gradualmente, apenas por osmose, do estilo deles, sua abordagem da realidade. Quando entrei no ramo da música, estava interessado em assegurar um tipo de lugar neste mundo, então estava mexendo meus pauzinhos e de repente sabia instintivamente como fazê-lo. Eles procuram por frases pegajosas e citações que possam usar em manchetes, alguma coisa para basear um artigo, para dar uma resposta imediata. É o tipo de termo que significa alguma coisa, mas é simplesmente impossível de descrever. Se eu tentasse explicar o que significa para mim, perderia toda a força como chavão.
Você mencionou que há músicas de que gosta mais de cantar, aquelas que permitem certo improviso. Suponho que se refira a faixas como "The End" e "When The Music's Over"...
Uma vez que vão para um álbum, elas se tornam muito ritualizadas e estáticas. Essas eram faixas constantemente em mutação livre, mas, depois que foram para o disco, meio que estagnaram. Elas estavam no auge do seu efeito, de qualquer modo, por isso não importa muito na verdade. Não... Quero dizer o tipo de música em que os músicos simplesmente começam a improvisar. Começa com um ritmo e você não sabe onde vai terminar ou o quão longa vai ser ou sobre o que é realmente, até que termine. É o tipo de que mais gosto.
Quem faz a linha musical que você ouve quando está escrevendo? A banda? Ou é algo que ouve dentro da sua cabeça?
Bem, a maioria das músicas que compus simplesmente surgiu. Não sou um compositor muito prolífico. Muitas das canções que escrevi foram feitas bem no começo, há uns três anos. Tive apenas um período em que escrevi um monte de músicas.
Você disse que o primeiro LP saiu fácil...
Rápido. Começamos quase imedia tamente, e algumas músicas precisaram apenas de umas poucas tomadas. Fazíamos várias só par a tercer teza de que não podíamos fazer uma melhor. É verdade também que no primeiro álbum eles não queriam gastar muito. O grupo também não, já que as bandas pagam pela produção de um álbum. Isto é parte do adiantamento dos royalties. Você não recebe royalties até que o custo da gravação seja pago. Por isso a banda e a gravadora não estavam arriscando no custo. Então por razões econômicas e só porque estávamos prontos, saiu muito rápido.
Os álbuns subsequentes foram mais difíceis?
Mais difíceis e muito mais caros. Mas é algo na tural. Depois que ganhamos US$ 1 milhão em cada álbum e emplacamos sucessos, podíamos pagar. Mesmo assim, esse nem sempre é o melhor jeito.
Fico meio hesitante em tocar no as-sunto, porque já se falou tanto a respeito e creio que quero sua reação a isso tanto quanto a verdade sobre o assunto... A parte edipiana em "The End" [quando Morrison grita que quer "foder" a própria mãe].O que essa música significa para você?
Vejamos... Édipo é um mito grego. Sófocles escreveu a respeito. Não sei quem escreveu antes disso. É sobre um homem que inadvertidamente matou o pai e casou-se com sua mãe. Sim, eu diria que há uma similaridade, definitivamente. Mas par a dizer a verdade, toda vez que ouço essa música, quer dizer algo diferente para mim. Não sei mesmo o que estava tentando dizer. Começou como uma simples canção de adeus.
A letra tem a ver com a sua família?
Não quero falar sobre isso. Não quero envolver ninguém a menos que a pessoa queira.
Em suas primeiras biografias, dizia-se que seus pais estavam mortos - entretanto, sua família está bem viva. Por que essa história?
Eu apenas não queria envolvê-los. É muito fácil descobrir detalhes pessoais se você realmente quiser. Quando nascemos, temos todos nossas impressões do pé tiradas e tudo mais. Acho que disse que meus pais estavam mortos como um tipo de piada. Tenho um irmão também, mas não o vejo faz cerca de um ano. Não vejo nenhum deles. Isto é o máximo que já falei a esse respeito.
Você disse outro dia que gosta de fazer as pessoas se levantarem de seus assentos em shows, mas não de criar situações de caos intencionalmente.
Nunca saiu de controle, na realidade. É bem divetrido, mesmo. Nós nos diver timos, os garotos se diver tem, os policiais se divertem. É como um tipo de triângulo bizarro. Só pensamos em entrar e tocar boa música.
Há algumas cidades onde... Por exemplo, você foi preso por obscenidade em New Haven. Em Phoenix foi outra coisa...
Sobre as vezes em que nos envolvemos em confusão, diria que é como se uma pessoa está andando em uma rua movimentada e, sem razão aparente, tira a roupa e continua andando... Você pode fazer qualquer coisa desde que esteja em sintonia com as forças do universo, natureza, sociedade, o que quer que seja. Se está em sintonia, se está funcionando, você pode fazer qualquer coisa. Se por alguma razão você está em uma frequência diferente da das outras pessoas que estão à sua volta, isso vai ofender a sensibilidade de todas elas. E aí elas vão ou embora ou vão fazê-lo parar. Por isso é só um caso de ir longe de mais para eles ou de todo mundo estar em uma viagem diferente naquela noite e nada dá certo. Desde que tudo esteja conectado e funcionando, você pode se safar até com assassinato.
Veja a guerra. Olhe do seguinte modo. Suponha que há uma patrulha de caras, guerrilheiros, que caem além das linhas inimigas no Vietnã, certo? Eles são matadores treinados. A função deles é matar. Bem, e se um dos membros do esquadrão curtir demais matar? Tanto que eles não conseguem lidar com isso. Ele gosta tanto de matar que os outras caras diriam, "Ei, todos nós curtimos matar, mas isso está indo longe demais". Creio que esse personagem já foi explorado em livros e filmes várias vezes. Há alguns caras que são grandes matadores, mas vão para a corte marcial porque vão além do que seus companheiros assassinos são capazes de tolerar. Enfim... É só uma metáfora para o que eu estava tentando dizer: é tudo uma questão de timing.
Há algumas palavras recorrentes nos seus diálogos. Uma delas é "ritual". O que isso significa para você?
É meio como escultura humana. De certo modo é como arte, porque dà energia de um modo que é um costume ou uma repetição, um plano habitualmente recorrente ou espetáculo com significado. E permeia tudo. É como um jogo.
Você mencionou religião de passagem e notei que normalmente usa uma cruz. É católico?
Religião é como filosofia, algo a que você devota mais seu tempo. Pode ser uma mulher. Pode ser uma droga. Pode ser álcool. Pode ser dinheiro. Pode ser literatura. Creio que religião é a coisa na qual você mais pensa e trabalha. Estou meio que ligado ao ramo da arte e literatura. Como disse antes, meus heróis são artistas e escritores.
E a cruz que você usava era...
Quase um acidente, sério. Fui criado dentro de uma cultura cristã e a cruz é um de seus símbolos, só isso. O que acha dos jornalistas?
Eu poderia ser jornalista. Creio que a entrevista é a nova forma de arte. Acho que a auto entrevista é a essência da criatividade. Fazer perguntas a si mesmo e procurar respostas. O escritor está apenas respondendo a uma série de perguntas jamais feitas.
Por duas vezes você disse que manipulou a imprensa com sucesso. O quanto desta entrevista foi manipulado?
Não se pode evitar o fato de que o que você diz poderia possivelmente aparecer impresso um dia, por isso você mantém isso em mente. Tenho tentado esquecer isso.
Há outro tema em que você gostaria de tocar?
Que tal... Podemos discutir o álcool? Só um diálogo rápido. Nada longo. Álcool em vez de drogas?
Ok. Parte da mitologia diz que você bebe bastante.
Em um nível muito básico, amo beber. Mas não me consigo ver tomando leite ou água ou Coca-Cola. Isso estraga tudo para mim. Você tem que ter vinho ou cerveja para completar a refeição. [Longa pausa]
Isso é tudo que você quer dizer? [ Risos]
Ficando bêbado... Você tem o controle completo até certo ponto. A escolha é sua, toda vez que toma um gole. Você tem uma porção de pequenas escolhas. É como... Acho que é a diferença entre suicídio e a rendição lenta...
O que isso quer dizer?
Não sei, cara. Vamos ali beber.
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