A Dama de Ferro: Meryl Streep impressiona como Margareth Thatcher
Interpretação impecável, que vai do auge da política à velhice senil, rende 17ª indicação à maior ‘atriz viva do Cinema’.
Avaliação: NOTA 10
Às vezes eu me pergunto se Meryl Streep tem a dimensão do que ela representa para o cinema mundial. Impossível não se encantar a cada trabalho icônico dela que, indo além da fronteira da minha modesta tietagem, é comprovado a cada prêmio em sua diversificada filmografia com crescente respeito e encantamento em suas interpretações.
Indicada ao Oscar pela 17ª vez, ela ultrapassou a recordista Katherine Hepburn (1907-2003), que concorreu 12 vezes. Porém, Streep ainda não alcançou a marca de estatuetas na prateleira da saudosa Hepburn: foram dois prêmios para a primeira (Atriz Coadjuvante em 1980 por “Kramer vs Kramer” e Atriz em 1983 por “A Escolha de Sofia”) contra os quatro – todos de Melhor Atriz, vale frisar – conquistados pela segunda.
Em “A Dama de Ferro”, um dos seus mais esperados trabalhos nos últimos anos, Streep se reinventa em uma volta de 180 graus para dar vida a uma das figuras mais controversas da política contemporânea: a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, que governou o Reino Unido de 1979 a 1990 com pulso firme em plena Guerra Fria.
No longa, ela atua pela segunda vez sob a batuta da diretora inglesa Phyllida Lloyd (as duas já haviam trabalhado juntas no despretensioso musical “Mamma Mia!”) expondo meias palavras a atual situação da baronesa Thatcher, consumida pela demência que a acomete desde 2000. Assim, acompanhamos a rotina senil da famosa ‘Dama de Ferro’, alcunha criada pelos soviéticos por suas críticas à URSS e ferrenha oposição aos sindicatos britânicos.
Por meio de flashbacks, “A Dama de Ferro” alterna, em ritmo, direção e edição competentes, o cotidiano de Thatcher, que relembra momentos marcantes de sua juventude e da vida adulta, enquanto ‘conversa’ com a lembrança do marido Denis Thatcher (Jim Broadbent), morto em 2003 e com quem foi casada por 52 anos. Auxiliada pela primorosa maquiagem (também indicada ao Oscar 2012), Streep não se rende a maniqueísmos exagerados e cria, com sotaque inglês competente, uma personagem consumida por resquícios de uma vida de glória e poder, sempre acompanhada pela bebida e pelo marido, encarnado com humor e leveza pelo ótimo Jim Broadbent.
Da juventude, interpretada pela atriz Alexandra Roach, na Universidade de Oxford no início da década de 1950, quando deu o primeiro passo em sua vida política como presidente da Associação Conservadora de Oxford, observamos a influência do pai ativista em sua carreira, que a impulsiona ao cargo de Ministra da Educação nos anos 70 durante o mandato de Edward Heath no Partido Conservador. Ali, Thatcher tem sua grande chance de entrar para a História. E consegue: em 1979, ganha as eleições do partido e se torna a primeira mulher a comandar uma democracia moderna.
Exceção feminina em um mundo dominado por homens, Thatcher (em fase adulta também interpretada por Streep) impõe seus princípios – defendidos por uns e condenados por outros – sem pudores, como forma de impor o respeito necessário na cadeia alimentar da política. Com uma Grã-Bretanha em situação delicada por conta da Crise do Petróleo de 1979 e defendendo suas políticas diante dos sindicatos, mercado de trabalho e privatizações de empresas estatais, suas dificuldades só tendem a crescer durante os três mandatos no poder.
Em plena Guerra Fria, sua decisão mais arriscada foi envolver-se na Guerra das Malvinas em 1982, uma disputa armada contra a Argentina pelo domínio das Ilhas Malvinas (ou Falklands, como são conhecidas pelos britânicos). Sua vitória lhe garante a reeleição no ano seguinte, porém a insatisfação popular diante do seu primeiro mandato ainda a assombrava, especialmente por abolir o salário mínimo e cortar benefícios à população, como a distribuição gratuita de leite nas escolas.
Nesse vai e vem no tempo, é impossível não se impressionar com a versatilidade de Streep em “A Dama de Ferro”, seja no auge de sua carreira política ou na decadência de sua velhice, pontuando cenas de arquivo entrelaçadas com reconstituições praticamente imperceptíveis ao público.
Sua carreira como líder europeia, como já citada, é apenas pontuada, exibindo as consequências e louvores de decisões polêmicas, como a redução da inflação, aumento da cotação da libra esterlina e desemprego (que chegou a atingir 3 milhões de trabalhadores), levando sindicatos a instaurar calorosas manifestações e greves em oposição. Sua trajetória chegou a desagradar até mesmo o Exército Republicano Irlandês (IRA), que respondeu com um atentado a bomba no hotel em que estava hospedada o apoio à retenção britânica de uma das províncias daquele País.
Seu deslize derradeiro se deu durante o terceiro mandato, em 1987, quando se mostrou irredutivelmente contra a formação da União Europeia e renunciou de primeira-ministra em 1990, saindo da vida pública com o início de sua demência. E é a partir daí que o longa se firma, em um retrato real e cruel do fim da vida.
São muitos os fatos pessoais e políticos que envolvem Margareth Thatcher, porém “A Dama de Ferro” se destaca pela proximidade do espectador com sua vida pessoal, nos colocando dentro de sua sala de estar, diante de uma mulher lutando contra a própria insanidade, solitária e que se vê imersa na velhice em uma vida repleta de memórias que, muitas vezes, nem ela mesma reconhece como sendo sua.
Dessa forma, não haveria escolha melhor para o papel de Thatcher do que Streep, que já levou o Bafta e o Globo de Ouro pelo personagem, tão competente e emocionante que só nos resta torcer para que a tenhamos por muitos e muitos anos na telona. E, talvez, seja melhor ela nem ter noção de sua própria dimensão. Afinal, seu talento pode, justamente, vir do desconhecimento da própria grandiosidade.
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Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.
Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.
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