Avaliação: NOTA 9
 


Cena clássica: sábado à noite, casal de namorados na fila do cinema. Ele querendo ver o mais novo filme de ação em cartaz. Ela reluta e diz que filme de ação ela não assiste. Estereótipos à parte, se você (garota) for ao cinema com seu namorado e ele quiser assistir “Drive”, aceite. E esteja preparada para cenas com boas doses de violência.

Comandado pelo diretor/roteirista/produtor dinamarquês Nicolas Winding Refn (conhecido pelo anterior “Bronson”, com Tom Hardy) e que levou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 2011, deixando para trás nomes como os experientes Aki Kaurismäki e Lars von Trier, o filme se veste dos mais velhos clichês dos filmes de ação dos últimos anos para trazer um thriller de qualidade e sem pretensão de se levar a sério. E com isso não digo de explosões mil e cenas absurdas, mas de contar uma história simples e direta.

Ryan Gosling (“Tudo Pelo Poder” e “Namorados para Sempre”) interpreta um dublê de filmes de ação que, nas horas em que não está capotando carros frente às câmeras para salvar a vida dos atores do filme, ele trabalha como mecânico e, de bandeja, presta serviços ilícitos, como dar carona a assaltantes para fugir da polícia.

Conhecido apenas como Driver, seu jeito quietão e misterioso vai despertar o interesse de Irene (Carey Mulligan), que mora com o filho sozinha enquanto seu marido, Standard (Oscar Isaac), está na prisão. Na ausência dele, os dois se aproximam em uma relação que quase beira o lúdico. Porém, Standard é solto e, por conta de uma dívida não paga com outros prisioneiros, ele é obrigado a fazer um último assalto. Para proteger Irene e o garoto, Driver, claro, ajudará o recém libertado a se safar desta.

A história, baseada no livro do escritor, poeta e músico James Sallis, foi adaptada pelo roteirista indicado ao Oscar Hossein Amini (do ótimo “Asas do Amor”) e traz uma Califórnia tomada pela marginalidade, gangues e máfia, onde a lei do mais forte impera. O plano que envolve Driver não dá certo, claro, e ele se vê no meio de uma trama de cifrões e mortes cruéis.

“Drive” conta, ainda, com atores como Ron Perlman (o ator grandalhão que deu vida a Hellboy) e um ótimo Albert Brooks, no papel de Bernie Rose, um personagem frio e calculista, que lhe rendeu diversas indicações a prêmios nos festivais de cinema independente ao redor do mundo. Não é para menos, pois certamente o elenco afiado prenderá a atenção do público que gosta de suspense e sabe que um filme de ação não precisa de artimanhas maiores.

Constantemente por trás do volante, Driver é um gênio sobre quatro rodas no filme, considerado de baixo orçamento para uma produção americana (custou cerca de US$ 15 milhões) e é um deleite aos fãs de filmes com perseguição (uma paixão, também, dos norte-americanos). Com um jeito sensual, que alterna da calmaria à fúria incontrolável, Ryan Gosling cria um personagem curioso em seu jeito distante e sua eterna jaqueta de escorpião amarelo.

Com uma força competente no uso da luz (boa parte do filme se passa à noite em meio a luzes amarelas) e da câmera lenta, o filme de poucos diálogos e clima de constante tensão agradará aos fãs do gênero, especialmente pelos planos curtos que misturam cenas anteriores e posteriores em uma edição bem cuidada. Tudo isso apoiado na trilha sonora de Cliff Martinez, que se garante dividindo espaço com artistas ligados ao eletrônico como The Chromatics, College, Desire e até mesmo a presença da brasileira Lovefoxx, da banda Cansei de Ser Sexy, dividindo vocal com o francês de electro house Kavinsky.

Bebendo da fonte do clássico contemporâneo “Marcas da Violência”, de David Cronemberg, sobre um homem comum que se envolve em uma bola de neve de violência e vingança, já se tornaram memoráveis as cenas em que Driver, com uma máscara, observa à espreita Nino (Perlman) em sua pizzaria; e quando, no elevador, em questão de segundos, o (anti)herói passa do beijo em Irene a um assassinato que impressiona pela violência excruciante. Afinal, escritor, poeta e músico, o autor Sallis pode dormir sossegado, pois “Drive” não deve em nada  no bom uso de todos estes elementos de sua arte. Um achado, sem dúvida.
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Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.