W.E. – O Romance do Século: produção sem foco desperdiça potencial da trama
Em seu segundo trabalho como diretora, Madonna basicamente transforma um dos maiores romances do século XX nos delírios de uma mulher presa em um casamento fracassado.
Avaliação: NOTA 4
O Rei que abdicou de seu trono para ficar com a mulher que ama. Isso parece ter saído de um conto de fadas, mas é bem real. Em 1936, o monarca inglês Rei Edward VIII, conhecido como David em seu círculo interno, desistiu de sua posição para casar com sua consorte, a recém-divorciada plebeia americana Wallis Simpson. É uma trama deveras cinematográfica, tocada de maneira periférica pelo oscarizado “O Discurso do Rei”, mas que teve o azar de ser levada às telas por ninguém menos que Madonna com este “W.E. – O Romance do Século”, que co-roteirza e dirige esta produção.
Não discuto de maneira nenhuma o talento artístico de Madonna, muito pelo contrário. No entanto, ela não conseguiu aqui o foco suficiente para contar de maneira eficiente o caso de amor entre Wallis (Andrea Riseborough) e David (James D’Arcy). Isso porque esse é apenas um dos plots desta confusa produção. A outra trama, que se passa nos tempos atuais, mostra a bela Wally Winthrop (Abbie Cornish), mulher fascinada por Wallis, que passa a se envolver com o russo Evgeni (Oscar Isaac) quando seu casamento entra em uma série crise.
Lidar com storylines paralelas é um risco para qualquer contador de histórias, seja qual for a mídia com a qual lide. Os plots devem complementar um ao outro, trabalhando juntos para transmitir a mesma mensagem. Falhando nisto, a atenção do público fica dividida e a obra inteira pode entrar em colapso com uma trama lutando com a outra.
Ora, considerando as diversas nuances presentes no romance de Wallis e David, incluindo o possível fascínio deste pelo nazismo e sua complexa relação com o restante da família real, está já é uma história que não precisa de reforço. A solução narrativa encontrada por Madonna foi a pior possível, tendo em vista que logo fica claro que não estamos acompanhando realmente o passado de Wallis e David, mas os devaneios de Wally sobre sua heroína.
Dessa forma, não só o filme não se fixa naquilo que seria seu ponto mais forte, mas o transforma nos delírios de uma mulher que está claramente passando por gravíssimos problemas psicológicos, até mesmo interagindo com suas fantasias ocasionalmente, chegando ao ponto de imaginar David e Wallis dançando ao som do Sex Pistols após drogarem uma festa inteira (!).
As “conexões” entre as vidas de Wallis e Wally, bem como as transições entre as duas linhas, são extremamente forçadas, adjetivo que pode ser aplicado a quase tudo ali. Sem nenhuma razão narrativa, Madonna alterna estilos de fotografia durante a projeção de maneira quase aleatória e lança mão de diversos planos-detalhe completamente despropositados, apenas distraindo o público e não dando qualquer dinamismo à edição. Neste momento, geralmente seria citada a montagem não linear extremamente problemática, mas, considerando que é uma mente perturbada quem dita o ritmo do filme (a de Wally, não a de Madonna), até que este defeito faz sentido.
Note-se a imponência quase operística com qual a câmera captura basicamente tudo o que acontece, destruindo o impacto dos momentos mais dramáticos justamente por conta da falta de sutileza, algo ressaltado por uma trilha sonora quase onipresente que se recusa em parar um instante e deixar a história respirar.
O elenco acaba sendo desperdiçado pelo roteiro absurdo e direção sem rumo. Por mais que Andrea Riseborough e James D’Arcy estejam bem caracterizados como seus personagens históricos e se mostrem confortáveis em seus papéis (quando o roteiro permite), logo somos lembrados que ambos estão vivendo apenas fantasmas que habitam a mente perturbada de Wally, vindos diretamente de vinhetas de notícias mal-preparados e das próprias psicoses da moça.
Já Abbie Cornish jamais consegue cativar ou despertar a simpatia do público por sua personagem, dependendo de incidentes extremos para conseguir uma mínima conexão com a audiência. Ademais, a atriz não possui nenhuma química com Oscar Isaac, tornando a história de amor entre ela e Evgani deveras implausível.
O que se salva no filme é o seu visual. Tanto a direção de arte quanto o figurino são impecáveis, seja retratando o período contemporâneo quanto os anos 30 com bastante elgância. A maquiagem aplicada em Riseborough e D’Arcy é mais do que efetiva em retratar o envelhecimento de Wallis e David. E a música original pela qual Madonna ganhou o Globo de Ouro, “Masterpiece” só toca nos créditos finais, não exercendo nenhuma função no filme.
No final, “W.E. – O Romance do Século” joga fora uma oportunidade de apresentar ao cinema uma das maiores histórias de amor do século XX da maneira que merece, reduzindo-o aos delírios de uma mulher maltratada por um péssimo casamento, mostrados como se fosse um belo desfile de moda. Uma pena.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.
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