Avaliação: NOTA 8
 


Cinebiografias geralmente rendem boas atuações, aceitação do público e da crítica. Porém, o formato de se contar a história da vida de uma pessoa tornou-se tão padronizado e enfadonho que, muitas vezes, são chamadas de “filme de Oscar”. Recentemente, este formato tem sido repensado e as cinebiografias assumem um caráter menos linear e didático. Este é o caso de “J. Edgar”, cuja narrativa toma uma liberdade temporal necessária para o ritmo do longa que, diga-se de passagem, foi completamente esquecido no Oscar.

Como o próprio título já deixa claro, o filme contempla toda a carreira de John Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio), o primeiro e mais importante diretor do Federal Bureau of Investigation (FBI), exercendo o cargo por 48 anos. Apesar de o foco narrativo privilegiar o lado profissional do personagem, o roteirista Dustin Lance Black parece ter conhecimento sobre a importância de explorar sua vida íntima, ainda mais quando seus segredos pessoais vão contra toda a imagem pública que ele mesmo fez questão de construir. A devoção à mãe, a gagueira nos momentos de nervosismo e a homossexualidade são explorados sem exageros dramáticos, dando a mesma ênfase que se dá às realizações profissionais do personagem.

Essa dualidade é reforçada pela direção do icônico Clint Eastwood, que varia entre planos de câmera alta e baixa, demonstrando uma sensibilidade que exalta ou vulnerabiliza o personagem título em diferentes momentos. Por outro lado, a fotografia de Tom Stern exibe uma certa “frieza” intencional na maneira de abordar as ambíguas faces de Hoover, mantendo-se sóbria e quase indiferente às variações do nível de segurança emocional do protagonista.

Tal proposta pouco interventiva funciona graças à excelente atuação de DiCaprio, que talvez seja sua melhor até hoje. Uma vez que a textura das imagens escolhe ser imparcial quanto ao drama do personagem, o ator é obrigado a carregá-lo nas costas e convencer o público praticamente sozinho de que sua história vale a pena ser contada. Não é a toa que tanto a autoridade quanto a fragilidade reprimida do homem que revolucionou o sistema de justiça dos Estados Unidos estão presentes na expressão do ator em cada plano, dando ao espectador o privilégio de ser o único a realmente conhecê-lo.

A efetiva maquiagem de Sian Grigg e Duncan Jarman dá naturalidade e realismo ao rosto envelhecido de DiCaprio, permitindo que seu trabalho seja visível e passivo de julgamento sem dificuldades. Porém, a maquiagem de Alessandro Bertolazzi para Naomi Watts, que interpreta Helen Gandy, secretária pessoal do diretor, é a que funciona melhor. A atriz também é competente em seu trabalho, que exige uma sutileza precisa para gerar dúvidas sobre seus sentimentos por Hoover, pois sua possível amargura amorosa pode ser facilmente confundida com profissionalismo. Já Armie Hammer, que vive o braço direito Clyde Tolson, não é tão privilegiado quanto seus colegas de elenco no tocante à caracterização. Apesar de bem realizada, ela soa artificial e pouco crível para os padrões do próprio filme, causando certa perda do ator e desviando a atenção do público para aspectos que não dizem respeito à narrativa.

Ainda com o conservadorismo inerente aos ideais norte-americanos, “J. Edgar” consegue impor  valores mais humanos ao conhecimento sobre a história e a pessoa de Hoover. Os pontos fracos do personagem sustentam quase todo o interesse do espectador que, por tabela, estende-se sem grandes esforços aos demais aspectos que o filme aborda. A direção de Eastwood, a estrutura dinâmica do roteiro de Black, a atuação de DiCaprio e a intrigante história real que serve de base para toda a obra garantem o equilíbrio certo entre informação e sensibilidade.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.