Eu Não Quero Respostas
Aviso: spoilers para os finais de The Killing e Dexter.
2011 foi bom para a televisão. Tivemos a consolidação de um novo período fantástico para comédias, com Archer, Parks and Recreation, Community, Cougar Town e várias outras soltando vários bons episódios em sequências cada vez mais longas, séries que expandiram o limite do que é possível como Louie e Treme, assim como outras que se despediram esbanjando os mesmos charmes de sempre (Friday Night Lights, Men of a Certain Age, sentiremos saudade). Foi, em resumo, um ano que empurrou a evolução da televisão mais alguns centímetros em direção a linha imaginária de chegada, com uma quantidade mínima de auto-depreciação. Pessoas ficaram orgulhosas de fazer, ver e amar TV.
O ano também foi acompanhado das mesmas velhas frustrações. Cancelamentos, audiências baixas, atores problemáticos, aquela trama na sua série favorita que não fez o menor sentido ou o episódio que você gostaria de poder apagar do seu cérebro. Mas também veio carregado, um novo e estranho sentimento de débito nas costas que se espalhou em pequenas estratégias narrativas, pouco a pouco quebrando a confiança com os telespectadores das séries em questão.
As maiores representantes desse problema foram duas superficialmente semelhantes, The Killing e Dexter. Ambas são histórias sobre policiais, assassinos, policiais assassinos e os perigos de se viver em uma cidade onde o clima é absurdo nos dois lados do termômetro. Ambas também sofreram fortes controvérsias durante 2011: The Killing recebeu ódio pelo rumo mercenário que tomou com a investigação da morte de Rosie Larsen, Dexter foi motivo de chacota pela reviravolta mais óbvia na história recente – acusações contestadas pelos fãs e responsáveis por pequenas ondas de animosidade entre os mais diversos série maníacos no Brasil e afora. Não vou negar: foi bem divertido.
Só que menosprezar as confusões tanto de Dexter quanto de The Killing a esses dois fatores é muito simples para ser verdade. Existe uma ideia comum por trás desses dois tipos de frustrações similares e desse tipo de história com verdades e duplos sentidos e reviravoltas, uma abordagem narrativa igual que fascina parte da audiência, irritando a outra parte dela até atingir um nível curioso de obsessão. E obsessão é a palavra certa, perfeita para definir aquele sentimento de débito nas costas que eu mencionei, que em 2011 veio na forma de uma divisão brutal na forma como nós vemos e lidamos com algo enraizado nas origens da televisão dramática como conhecemos: mistérios e suas respostas.
O que, é claro, não se resume apenas a uma relação dependente entre os dois. Se a série se propõe a fazer um mistério, ela tem uma responsabilidade de resolvê-lo no tempo ditado pela história. Nesse caso, Dexter e The Killing passam: é conveniente que Dexter Morgan sempre resolva a sua situação atual dentro de doze episódios, mas não aceitar esse tipo de conveniência na televisão é um modo de pensar que leva a loucura. E The Killing nunca prometeu resolver “Quem Matou Rosie Larsen?” no fim da temporada. Ou seja, não. Não é sobre isso o problema. Todos concordam que conclusão para algo que foi prometido é, na maioria das vezes, necessária. A divisão ocorre no que esperamos das respostas. Nós queremos ser surpreendidos por elas ou queremos que elas façam sentido? Se pudermos ter os dois, ótimo, mas se não, qual vale mais? Em resumo, é a velha pergunta de ouro que fez Lost ser famosa. É o combustível que faz fóruns e sites funcionarem, que agarra os fãs pelo pescoço: qual é a resposta?
Só que tenho um problema com essa obsessão, e talvez seja completamente pessoal: eu não quero respostas. Não me entenda mal, eu amo mistérios e já passei horas, como todo série maníaco que se preze, discutindo sobre coordenadas e personagens e quem traiu quem e quem está trabalhando para quem e onde está personagem X e quem matou Y e… Também adoro quando a resposta para essas questões é excelente, servindo de impulso para a história ou revelando algo crucial sobre a pessoa envolvida na revelação. Mas sinto que ao nos importarmos tanto com a resolução, perdemos muito do caminho e do prazer no mistério.
Afinal, nós nos apaixonamos por eles. Enquanto respostas sempre são incógnitas que muitas vezes decepcionam, um mistério bem feito nunca vai se afastar da sua atenção. É aqui, também, que sinto a falha das duas séries: elas cultuaram essas soluções. Dexter, ao invés de explicar a natureza do relacionamento entre Travis e Gellar desde a premiere, fez um enorme erro de cálculo. Ela transformou em mistério algo que não era por acreditar que a resposta valia a pena… Não valeu, e o peso desse fantasma arrastou cada episódio. Já The Killing construiu expectativas enormes para algo não planejado. Criou um enigma com final, mas sem apoio de qualquer tipo – boa parte da temporada passou uma sensação de improviso e fórmula, um grande suspeito sempre aparecendo no final de todo episódio, apenas para ser descartado no seguinte. E todos os personagens viraram meio que paródias além e por causa disso.
Não sei vocês, mas gosto de não saber. De ver os personagens na tela sem grandes explicações, despertando para algo além da trama em questão. Muitas vezes, eles se perdem nisso. Nessas grandes ideias, afogados pelas pequenas conspirações. E poucas coisas me dão mais prazer na televisão do que uma série que deixa essas pessoas respirarem devido aos problemas que procuram ou tentam solucionar, dentro ou fora deles (Homeland sendo o exemplo mais claro em 2011). Sendo ambiciosa ao extremo não apenas pelas coisas que quer contar, mas pela maneira como as conta. Não brincando com a audiência. Subestimando ela, fingindo que não existe, armando situações para enganar.
Perdendo tempo com respostas, terminando sem boas perguntas.
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