QUEEN - DISCOGRAFIA COMENTADA
Por Sérgio Alpendre
Queen foi uma das primeiras bandas de rock que me encantaram. Pouco depois do Roberto Carlos na jovem guarda e das coletâneas vermelha e azul dos Beatles, mergulhei de cabeça no som desses quatro ingleses.
O primeiro álbum que tive deles foi The Game, recém lançado na época. Fui presenteado com ele por minha madrinha. Logo depois, comprei com meus pais A Night at the Opera, e com a mesada que eles me davam, ou com novos presentes de minha madrinha, fui completando a coleção nos meses seguintes, já em 1981. Eu tinha doze anos na época, e o rock já me atingia com o efeito de uma bomba sensorial.
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Quem me conhece sabe que gosto de separar os lados, como era na época original em que os álbuns foram gravados. Com o Queen, essa prática é plenamente justificada pois especialmente no começo eles pensavam cada lado de maneira singular, como se fossem dois EPs unidos. Paradoxalmente, a unidade de cada LP é formidável.
Como cada integrante contribui substancialmente para a sonoridade da banda, resolvi colocar entre parêntesis, nos destaques, os compositores de cada música. A partir de The Miracle isso já não foi mais possível. Apesar de ter a autoria de cada faixa na versão em inglês da Wikipedia, preferimos seguir a vontade da banda e mencionar os destaques como composições de todos a partir desse disco.
Queen (1973)
Apesar de se aparentar com um bom álbum de hard/art rock da época, este álbum de estreia de uma das mais fascinantes bandas que já existiram traz, como aperitivo ou em forma de ensaio, algumas das características que eles explorariam durante os discos dos anos 70: as harmonias vocais, a guitarra única de Brian May (e seus arroubos folk e country), o alcance da voz sem igual de Freddie Mercury, as intervenções precisas (na bateria e no vocal) de Roger Taylor, além de seu lado rock’n'roll, e o baixo seguro de John Deacon. Também já estão aqui o peso do hard rock britânico e a pompa do prog rock, em medidas muito bem dosadas. A banda já estava pronta para voar, bastava apenas romper a barreira do som.
Destaques: Keep Yourself Alive (May), Jesus (Mercury), Son and Daughter (May).
Queen II (1974)
A corrente diz que a banda foi melhorando, melhorando, até chegar à obra-prima com A Night at the Opera, o quarto LP. Eu não. Sempre achei que no segundo os caras já estavam no ponto, fazendo as músicas mais espetaculares da época, e conseguiram manter o pique até o álbum citado acima. É verdade que os fãs da banda tendem a ter este disco em alta conta. Mas mesmo eles parecem, no geral, se render ao clássico de 1975 quando perguntados sobre o melhor álbum que a banda fez. Pode ser os dois? Ou os três, para não esquecer o que está no meio? Queen II é na verdade uma sequência das ideias promovidas no álbum de estreia. Todo o lado A é feito de composições de May, exceto por uma de Taylor. O lado B tem apenas canções escritas por Mercury. É como se fosse o lado branco e o lado negro, como fica evidente pelo trabalho gráfico da capa dupla. É o tipo de disco que faz com que bandas como Sweet e Spooky Tooth necessitem de reavaliação. Como é possível preferí-las à Rainha? De Queen II dá vontade de destacar tudo, absolutamente. Não há uma faixa menor sequer. Mas para manter a graça…
Destaques: Father to Son (May), Ogre Battle (Mercury), The Fairy Feller’s Master-Stroke (Mercury), The March of the Black Queen (Mercury).
Sheer Heart Attack (1974)
Mais uma obra-prima, meses depois da anterior. Já se consolidava o fenômeno. Sheer Heart Attack é ainda mais eclético que seu predecessor. São treze faixas que passeiam pelo vaudeville, pelo burlesco, pelo hard rock, progresssivo, power pop, pop de FM e até heavy metal. Uma espécie de súmula do que estava rolando na época, caracterizada com a sonoridade única da banda. A capa provoca uma associação com o glam rock, tão em moda na época. Mas Queen não é banda que se possa reduzir a um ou outro estilo. Seu som é universal e ao mesmo tempo tão particular. John Deacon faz sua estreia como compositor com “Misfire”, que na verdade é mais um show de Freddie Mercury. E… meu Deus… o que é a faixa dupla que abre e encerra o lado B, “In the Lap of the Gods”?
Destaques: Killer Queen (Mercury), Tenement Funster (Taylor), She Makes Me (May), as duas In the Lap of the Gods (Mercury).
A Night at the Opera (1975)
O que dizer de um LP que abre com uma das faixas mais poderosas que já ouvimos no rock, a mercuriana “Death on Two Legs”? E que depois prossegue com o mesmo caldeirão de variedades que haviamos ouvido no álbum anterior? E que mostra Brian May cantando melhor e Mercury divinamente, como sempre? E que se encerra com “Bohemian Rhapsody”? E que ainda se apresenta com fotos maravilhosas da banda em ação? Tão perfeito que uma lindeza como “Love of My Life” fica fora dos destaques.
Destaques: Death on Two Legs (Mercury), ’39 (May), The Prophet’s Song (May), Bohemian Rhapsody (Mercury).
A Day at the Races (1976)
Talvez seja preciso esquecer a trinca matadora que veio antes para se deleitar com as músicas que compõem este belo quinto LP do Queen. Mas como, se eles apresentam o álbum como uma continuação, ou um contraponto ao anterior, A Night at the Opera (motivos da capa, ainda que em ADATR seja mais satírico ainda, nomes de filmes dos irmãos Marx, mesma estrutura operística)? Ou seja, é um disco inevitavelmenteà sombra do anterior, e qualquer obra que fique à sombra de uma outra, perfeita em acabamento e concepção, irá sofrer um bocado com isso. Se ouvido separadamente, contudo, num outro dia ou depois de algumas horas, A Day at the Races mostra toda sua força: nos hard-rocks de Brian May (“Tie Your Mother Down” e “White Man”), mais pesados do que nunca, nas melodias burlescas compostas por Mercury (“The Millionaire Waltz”, Good Old-Fashioned Lover Boy”), no pop envolvente de Deacon (“You and I”) ou no neo-psidodelismo criado por Taylor (“Drowse”).
Destaques: Tie Your Mother Down (May), The Millionaire Waltz (Mercury), Somebody to Love (Mercury).
News of the World (1977)
Com um LP que aponta para o futuro, a banda mais famosa do art rock inglês enfrenta a Disco music que já reinava por lá. Na capa, um gigantesco robô segura os membros da banda sem o menor cuidado. A destruição da Disco (segundo eles) era inevitável. Como lidariam com isso? Com um álbum ainda mais eclético que o mais eclético de seus álbuns. É irregular, mas aponta para um caminho interessante, que iria se condensar na maravilha que é o LP seguinte, Jazz. E, afinal, um disco irregular do Queen nos anos 70 ainda assim é um senhor disco. Pela primeira vez os membros menos ativos na composição comparecem com duas faixas. E as duas de John Deacon estão entre as melhores composições de toda a rainha.
Destaques: We are the Champions (Mercury), Spread Your Wings (Deacon), Sleeping on the Sidewalk (May), Who Needs You (Deacon).
Jazz (1978)
Depois de dois discos “menores”, Jazz surge como a quarta obra-prima da carreira do Queen. E o ecletismo do disco anterior continua, com faixas atirando para todos os lados, do pop ao revival rocker, do rock pesado ao orientalismo (na mesma música inclusive, ver “Mustapha”), do funk ao rock’n'roll safado. É mais um brilhante comentário musical do que estava rolando na época, algo que só o Queen sabia fazer. Após um disco que revela a excelência de Deacon como compositor, e com Mercury pela primeira vez em segundo plano em matéria de composições (apesar de ter cravado o maior sucesso, “We are the Champions”), Jazz é predominantemente um disco de Freddie Mercury, que arrebenta em todas as suas cinco composições.
Destaques: Jealousy (Mercury), Bicycle Race (Mercury), Dead on Time (May), Fun it (Taylor), Don’t Stop Me Now (Mercury).
Live Killers (1979)
O legal deste duplo ao vivo é que sua sonoridade é crua, com poucos retoques, o que permite que escutemos uma banda que sabe tocar rock para grandes platéias. Há um predomínio dos dois últimos discos que eles haviam lançado até então, News of the World e Jazz. O que é natural e importante, já que são discos ainda hoje subestimados.
Destaques: We Will Rock You (primeira versão – mais rápida), Death on Two Legs, Killer Queen/Bicycle Race (medley), Don’t Stop Me Now, Bohemian Rhapsody.
The Game (1980)
The Game está muito mais perto de Hot Space e The Works do que de News of the World e Jazz, no sentido de que aponta para os anos 80, para as necessidades de mercado de sua época (tanto que foi o primeiro disco que atingiu número 1 nas paradas americanas). Apesar desse parentesco com obras menores, que sinalizariam uma decadência criativa irreversível para a banda, The Game é sensacional, um dos melhores discos que alguma banda grande fez nos anos 80. Se Jazz foi o álbum de Mercury, The Game é o álbum de May, que brilha nas três composições que fez. Mercury fez outras três, também muito boas, mas ligeiramente inferiores (tirando a faixa-título). Taylor e Deacon fizeram duas cada, este último, a espetacular “Another One Bites the Dust”, que infelizmente não coube nos destaques. O disco marca também – sinal dos tempos – a aparição do primeiro sintetizador em um álbum deles, anos depois do prog rock ter popularizado o instrumento, e justamente no álbum mais distante de tal estilo entre todos os que fizeram até então.
Destaques: Play the Game (Mercury). Dragon Attack (May), Sail Away Sweet Sister (May), Save Me (May).
Flash Gordon (1980)
A maior parte das trilhas compostas para cinema funciona muito melhor acompanhada pelo filme para a qual serviu ou para quem tem o tal filme como uma reprise constante em casa ou em cineclubes. Flash Gordon, disco que aparece poucos meses depois do arrebatador The Game, não é exceção. Neste caso há uma série de diálogos que tornam a audição um tanto maçante, apesar de algumas melodias bem bonitas aparecendo como ruídos.
Hot Space (1982)
Hot Space não é tão ruim quanto muitos fãs do rock consideram. Seu problema é que começa com as duas piores faixas de todo o repertório do Queen até então, “Staying Power” (Mercury) e “Dancer” (May). Depois disso a coisa se ajeita relativamente porque chega em uma composição de Deacon, que já havia provado com “Another One Bites the Dust” (do álbum The Game) que sabia funkear com graça e estilo. Daí em diante as coisas engranam um pouco, o suficiente para não passar vergonha, pelo menos. “Body Language” (Mercury), por exemplo, a quarta faixa do lado mais funk e hostil aos fãs antigos, é um pop eletrônico safado de primeira composto por um Mercury que ecoa “Get Down Make Love” (do News of the World). O lado B é composto por faixas um pouco mais de acordo com o que se espera da banda, ainda que já temperadas pela new wave e pelo pop descartável da época. “Las Palabras de Amor” (May), apesar da breguice, é a que melhor se encaixaria num disco antigo da banda. O LP encerra com a ótima “Under Pressure”, que conta com participação de luxo do co-escritor David Bowie.
Destaques: Under Pressure (Bowie, Queen), Las Palabras de Amor (May), Cool Cat (Deacon, Mercury).
The Works (1984)
Um álbum que tenta retornar ao espírito de The Game, sem muito sucesso. A magia simplesmente se perdeu (seria culpa do produtor Mack?). “Man on the Prowl” remete descaradamente a “Crazy Little Thing Called Love”, “I Want to Break Free” a “Another One Bites the Dust”, e por aí vai a tentativa de recriar o melhor álbum deles nos anos 80. Mas se é um choque ver uma banda extraordinária se juntar aos simples mortais, uma reaudição revela que The Works é ainda assim um disco digno, com menos erros e bem mais coeso do que o anterior.
Destaques: Tear it Up (May), Keep Passing the Open Windows (Mercury), It’s a Hard Life (Mercury).
A Kind of Magic (1986)
O lado A de A Kind of Magic, apesar do single “One Vision”, provavelmente é o lado mais fraco da carreira da banda (sim, mais fraco que o lado A de Hot Space). A exemplo do disco de 1982, o lado B é bem melhor, mas ainda é muito pouco para o que a banda já foi. E de qualquer forma não há nada aqui tão forte quanto “Under Pressure”. O disco incrivelmente foi elogiado por várias publicações internacionais. As mesmas que avalizaram um pop canhestro e vergonhoso que comanda até hoje e encobre ou contamina as possíveis exceções, um pop que é inferior ao que o Queen fez neste disco.
Destaques: One Vision (Queen), Gimme the Prize (May), Princes of the Universe (Mercury).
Live Magic (1986)
O segundo disco ao vivo da banda é mais burocrático. Talvez porque resolveram pegar trechos de várias apresentações dentro da turnê do frac o A Kind of Magic. Mas convenhamos, ouvir ao vivo músicas como “Seven Seas of Rhye”, “Another One Bites the Dust” e “Under Pressure” é de ceta forma um luxo, não?
The Miracle (1989)
The Miracle é o disco mais roqueiro da banda desde Jazz. Provavelmente porque sentiram o exagero descartável do álbum anterior. As melodias desta vez não se escondem por trás de sintetizadores ou arranjos bregas. São valorizadas por uma produção limpa e eficiente de David Richards (mesmo produtor, or sinal, de A Kind of Magic). Neste disco até as popices descaradas se encaixam relativamente bem, como “Rain Must Fall”, que cairia muito bem no LP Faith, de George Michael. Só a capa é horrível neste disco.
Destaques: The Miracle, Rain Must Fall, Scandal, Was it All Worth It.
Innuendo (1991)
A exemplo da faixa título do álbum anterior, a faixa intitulada “Innuendo” é complexa, tem vários andamentos e é parente próxima do rock progressivo, desta vez com tintas zeppelinianas. É uma boa abertura para o último disco que a banda lançou antes da morte de Freddie Mercury. Talvez por causa da saúde já debilitada pela AIDS do cantor genial, Innuendo é o único disco sem foto dos artistas. Somente uma ilustração serve de motivo visual. A tristeza de ser o último disco da banda é atenuada pela sensação de que terminaram de maneira digna. Já pensou se o último disco fosse A Kind of Magic?
Destaques: Innuendo, I’m Going Slightly Mad, I Can’t Live With You, The Hitman.
Live at Wembley ’86 (1992)
Quase uma versão ampliada de Live Magic, este novo disco ao vivo, desta vez duplo, foi lançado seis anos depois de sua gravação, e mostra uma banda ainda mandando bem ao vivo, e tocando um repertório variado e grandioso (como não poderia deixar de ser em se tratando de Queen).
Made in Heaven (1995)
Disco com as canções que eles tinham gravado pouco antes da morte de Freddie Mercury, completadas e embaladas para consumo rápido. Nada que denigra o que a banda fez após The Game, mas francamente desnecessário.
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