Margarethe Von Trotta é prestigiada na Europa, mas em seu próprio país, a Alemanha, é subestimada pelos críticos. Sua obra é relativamente desconhecida no Brasil, apenas quatro de seus filmes foram lançados comercialmente. Em tempos da série televisiva “Avassaladoras” e de um filme como “Mulheres do Brasil”, ter a oportunidade de ver em película seus 11 filmes prova que cinema pode ser feminino sem cair num mau feminismo político.
O ciclo Margarethe Von Trotta ocorreu em São Paulo de 8 a 19 de Março, aproveitando os eventos dedicados ao Dia da Mulher. A cineasta passou rapidamente pela cidade, participou no CCBB de um debate sobre sua obra. Na sexta- feira, dia 10, conversou durante uma hora com o Cinequanon no hotel em que estava hospedada. Entre vários assuntos, falou sobre problemas de comunicação e arte nos dias de hoje, sua relação conturbada com a crítica alemã, o uso da segunda guerra pelo cinema, e claro: a peculiar feminilidade sempre presentes em seus filmes.
Entrevista concedida a Fernando Watanabe e Fábio Yamaji
Edição de Fernando Watanabe
Colaboração de Sônia Gigek, como tradutora
Falando com você com o auxílio de uma tradutora, me lembrei do seu filme “Christa Klages”, no qual a personagem vai para o exterior e percebe a importância da língua.
Margaretthe Von Trotta: Sim, essa parte do filme se passa em Portugal, quando Christa Klages vai para lá.
Foi um problema que você enfrentou quando foi filmar na Itália?
Margaretthe Von Trotta: Não, eu já falava italiano muito bem porque meu primeiro namorado foi italiano, então aprendi com ele. O melhor de estar apaixonada é que você aprende a língua rápido! Aliás, meu segundo namorado foi francês, então aprendi muito bem as duas línguas. Mais tarde, acabei indo morar na França e, um tempo depois, na Itália.
O que te levou à França ( Margarethe foi morar na França com 18 anos)?
Margaretthe Von Trotta: Fui a Paris estudar, no período pós-nouvelle vague, e lá descobri a Cinemateca francesa e muitos estudantes interessados em cinema, em cultura e arte em geral.
E das outras artes, o que te influenciou dessa época em Paris?
Margaretthe Von Trotta: Meu namorado era estudante de filosofia, então ele me iniciou em Kant, Spinosa, no existencialismo de Sartre e Camus, a poesia de Baudelaire, Freud... Líamos muito juntos. Ele, na verdade, foi um mestre de cultura para mim, pois na Alemanha nós só estudávamos literatura alemã, não estudávamos o cinema de outros lugares, as artes de outros lugares. Então Paris abriu um grande horizonte para mim.
Isso me lembra um comentário que você fez na debate do dia 8...
Margaretthe Von Trotta: Ah sim, hoje, ao mesmo tempo em que você se comunica rapidamente com o mundo inteiro, se perdeu um pouco da curiosidade pelo o que outros fazem na área artística. Estamos sobrecarregados, com muita informação, temos acesso a tudo, então a tendência é a retração do indivíduo em si mesmo, como uma defesa a um ataque, esse ataque de informações. Antes era mais difícil viajar ao exterior, então quando se tinha a oportunidade, o destino era a França, Itália, grandes centros de produção de cultura. Hoje é muito fácil ir a esses centros, então as pessoas preferem visitar lugares exóticos como o Caribe, a Tailândia. Hoje, para as pessoas, isso que é viagem...
Que dificuldades você enfrentou para dirigir seu primeiro filme?
Margaretthe Von Trotta: A primeira coisa foi o fato de eu ser mulher e também de ser atriz. Com Volker ( Schlöndorff), um escrevia o roteiro, Volker dirigia, e eu atuava. Então as pessoas perguntavam “porque não continuar assim se está dando certo?”. Meu primeiro filme, ele foi realizado numa co-produção com a televisão para ter mais recursos financeiros, e Volker, escondido de mim, disse aos produtores que se eu não fosse capaz de terminar o filme, ele mesmo o faria. Ele tinha consciência de que eu ficaria furiosa se soubesse que ele tinha se oferecido como garantia para a realização do filme. Após co-dirigir “A Honra Perdida de uma Mulher” com Volker, eu quis criar meus próprios filmes, ser a autora deles.
No “Segundo Despertar de Christa Klages” , o último plano puxa minha próxima pergunta. Nesse plano, a acusadora, perante a polícia absolve Christa Klages, apesar do crime ter sido realmente cometido por esta. Mas, ela absolve-a de maneira tão fria...
Margaretthe Von Trotta: Não, não. A acusadora absolve Christa Klages na delegacia, observada atentamente pela severa autoridade policial. Você, se estivesse no lugar dela, de que forma diria aquela última frase?
Pergunta difícil...
Margaretthe Von Trotta: Porque se você achou que aquilo foi uma atitude fria, então você não compreendeu meu filme!
Mas eu queria mesmo era chegar à questão do estilo cinematográfico. Desse entendimento de um cinema da economia rigorosa dos meios expressivos...
Margaretthe Von Trotta: Ah! bom. Foi uma coisa que aprendi na época em que atuei para o Fassbinder. Ele filmava muito rápido porque sabia exatamente o que queria. E há também o lado econômico, economizar na expressão artística era economizar dinheiro, principalmente nos meus primeiros filmes. Também nos anos 50, na Alemanha, foram feitas muitas comédias, então nós do Novo Cinema Alemão não queríamos fazer filmes cômicos, mas, sim, ir em outra direção. Mas meus filmes não são frios em nenhuma hipótese, isso é um clichê!
Com relação a segunda Guerra, vi ontem no “Anos de Chumbo” uma cena na qual os jovens assistem ao filme de Alain Resnais, “ Noite e Neblina”. Ali ficou claro para mim que você dá um tratamento diferente ao tema, em relação ao que normalmente se faz...
Margaretthe Von Trotta: Eu não faço filmes sobre a guerra. Sou contra espetacularizá-la. Faço, sim, filmes sobre as pessoas que viveram a Guerra e o que fica dentro delas, suas memórias e sentimentos que irão influenciá-las em seus atos. Dizem que o assunto se esgotou, mas quem o fez foram os americanos, os italianos, eles fizeram muitos filmes de guerra e talvez para eles o assunto precise ser esquecido. Mas, na Alemanha, contam-se em duas mãos os verdadeiros filmes cobre a Segunda Guerra, então ainda há muito o que se falar. Faz apenas 60 anos que a guerra acabou, é muito cedo. Jesus Cristo morreu há 2000 anos e ainda se filma a sua história! Não que eu esteja comparando, são duas coisas bem diferentes. O que eu digo é que ainda há nazistas da guerra que não foram presos, estão soltos sem punição, vivos. Eu sou a primeira de uma segunda geração alemã que começou agora a tematizar a guerra, depois de mim outros perceberam que era necessário que os alemães começassem a dizer algo. Já era hora. Hoje já há filmes como “A Queda” e “Sophie School” e tem que haver muito mais, pois para os alemães esse assunto nunca irá se esgotar, é algo que está impregnado eternamente em nós.
E Leni Riefensthal?
Margaretthe Von Trotta: Era uma grande cineasta, sem dúvidas sabia fazer imagens. Mas, fez imagens a serviço de Hitler, e com isso eu não posso concordar.
E como é o seu relacionamento com a crítica do seu país?
Margaretthe Von Trotta: É horrível! Muito ruim. Depois que ganhei o Leão de Ouro em Veneza (“Os Anos de Chumbo”, em 1981) tudo piorou. Meu filme posterior foi apresentado em Berlin e os críticos ficaram furiosos, se sentiram agredidos, disseram que era um filme feminista. Desde essa época que colaram em mim essa etiqueta de feminista e não querem tirá-la. Mas, eu não tenho esse tipo de relação com feminismo, não é assim.
Agora chegamos à questão inevitável sobre a mulher e o cinema. Não te incomoda ser colocada, junto com outras realizadoras, numa espécie de gueto, o gueto do cinema feito por mulheres?
Margaretthe Von Trotta: O curioso é que isso é endossado pelas próprias mulheres, algumas delas. Para você ter uma idéia, existe um festival na França organizado pelas mulheres, só para filmes feitos por mulheres. Talvez para elas, isso não seja a afirmação de um gueto, não sei. Em Festivais como Cannes e Veneza, a maioria das produções é de realizadores homens porque o grosso da produção ainda é masculina.
Fale um pouco sobre seu último filme (terminado ano passado).
Margaretthe Von Trotta: Se chama “Eu sou a outra". É escrito pelo roteirista de Fassbinder, Pea Fröhlich, que escreveu “Lola”, “O Casamento de Maria Braum”, entre outros. Ele morreu após terminar o roteiro e o filme é uma forma de homenageá-lo. É a história de uma mulher com tripla personalidade, três personagens diferentes que não conhecem umas as outras, porém encarnadas num mesmo corpo de uma única atriz. É uma espécie de esquizofrenia.
Para terminar, qual é sua ambição ao fazer cinema?
Margaretthe Von Trotta: No início, eu queria me expressar, dizer algo que estava dentro de mim. Quando, na Cinemateca francesa eu assisti “O Sétimo Selo”, fiquei muito impressionada com a possibilidade de materializar num filme um sentimento muito pessoal. Então queria escrever e dirigir meus filmes. Já hoje sou bem mais profissional, consigo trabalhar sendo contratada para dirigir algo concebido por outra pessoa.
Biografia
MARGARETHE VON TROTTA nasceu em Berlim em 1942. Depois de uma temporada na França e de uma bem-sucedida carreira como atriz, estreou atrás das câmeras com “A honra perdida de uma mulher” (1975), co-direção com Volker Schlöndorff, então seu marido. Ganhou o Leão de Ouro em Veneza, em 1981, com o filme “Os anos de chumbo”.
Filmografia
" A Honra perdida de uma mulher” 1975
"O Segundo despertar de Christa Klages" 1978
"Schwestern oder die Balance des Glücks" 1979
"Os anos de Chumbo" 1981
"Heller Wahn" 1983
"Rosa Luxemburgo" 1986 (Deutscher Filmpreis/ Melhor filme)
"Felix" 1987
"Fürchten und Lieben" 1988
"Das Versprechen" 1994
"Paura e amore" 1988
"L'Africana/Die Rückkehr" 1990
"O Longo silêncio" 1993
"Rosenstrasse" 2001
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