quarta-feira, 13 de maio de 2009

Para começar a gostar de música eletrônica


























































Poucos gêneros foram tão vitimados pelo preconceito quanto a música eletrônica. Primeiro, porque muita gente acha que o rótulo cabe apenas àquelas insuportáveis porcarias sem qualquer melodia ou harmonia decente, dominadas apenas por batidas "putz, putz, putz", que DJs picaretas insistem em chamar de "música" e que levam a pseudodançarinos descerebrados a um êxtase emburrecedor que chega a dar pena.


Por isso, resolvi montar mais uma "seleção de craques", agora reunindo tudo aquilo que a pessoa que não tem a menor noção a respeito de música eletrônica precisa ouvir para sacar a modernidade do gênero. São DJs, músicos e, principalmente, duos que fazem discos sensacionais, que passam muito longe da aridez de criatividade que impera nas boates, raves e o escambau. Propositalmente, não inclui discos do Kraftwerk - a influência-mor de toda a cena de música eletrônica surgida a partir da segunda metade dos anos 80 - por julgar que a pessoa que está enveredando por este universo vai estranhar muito a atmosfera excessivamente robótica e por vezes minimalista dos discos do grupo alemão, cuja audição recomendo depois de um, digamos, "período de adaptação" por parte do "calouro".


Bem, segure-se na cadeira. Vamos lá...


PLAY - Moby
Seu trabalho sempre teve uma faceta pessoal muito intensa, mas isso só atingiu o ponto máximo neste brilhante álbum. Usando inúmeras influências do blues e do gospel norte-americano por sobre beats espertíssimos, Moby conseguiu compor um repertório que celebra a união de mundos aparentemente díspares. Há um quê de espiritualidade inserido nos padrões rítmicos, o que explica a profunda carga de soul music e blues existente, respectivamente, em "Natural Blues" e "Find My Baby", em contrapartida à urgência dura e cortante de "Bodyrock", à atmosfera espacial de "Inside" e ao uso quase simplório do piano em "Honey" e "Porcelain". Este disco é o perfeito exemplo de como a tal "música eletrônica" pode soar admiravelmente orgânica, com alma.
Gostou? Então ouça 18



DIG YOUR OWN HOLE - Chemical Brothers
Nenhum grupo expandiu tanto as fronteiras rítmicas e sonoras do universo eletrônico contemporâneo como a dupla formada por Ed Simmons e Tom Rowlands. Sem medo de ousar, os dois caras misturaram psicodelia retrô e rítmicos germânicos em sua disciplina, soando ora grandiosos ("The Private Psychedelic Reel", "Elektrobank"), ora esquizofrênicos ("Don't Stop the Rock", "Lost in the K-Hole", "It Doesn't Matter"). Mas os destaques são a surpreendente cacofonia hardcore de "Block Rockin' Beats - com uma mortal linha de baixo - e seu correspondente qualitativo, a inacreditável "Setting Sun", uma explícita homenagem sacolejante e distorcida aos Beatles (com referência a "Tomorrow Never Knows") e os vocais de Noel Gallagher (sim, o guitarrista do Oasis). Ouvir este disco é viajar por intoxicantes e lisérgica paisagens, com cores e nuances não menos que caleidoscópicas, sem deixar de sacar que o futuro já chegou. E o taxímetro continua rodando…
Gostou? Então ouça Come With Us


LEGION OF BOOM - Crystal Method
Esta dupla de Los Angeles, formada por Scott Kirkland e Ken Jordan, tem uma pegada bastante roqueira, mas não dispensa outras inúmeras influências. Em seu terceiro disco, os caras capricharam nos breakbeats e nos riffs de guitarra (evidenciados em "Born Too Slow" e "Weapons of Mass Distortion"), sem esquecer do 'molho dançante' típico do hip hop em "The American Way". Não dá para não sentir um calafrio na hora de dançar em "I Know It's You", sendo hipnotizado pela voz sedutora da bela Milla Jovovich. Por vezes sombrio, este disco permite a revelação de inúmeros elementos que vão abrir os ouvidos de quem quer se habituar a chacoalhar o esqueleto a bordo de timbragens pesadas.
Gostou? Então ouça Teekend.


THE FAT OF THE LAND - Prodigy
Raiva, medo, peso, sexo, ultraje. Estas são algumas das palavras que melhor definem este espetacular disco do combo liderado pelo produtor Liam Howlett, que conseguiu a proeza de abrir as portas do até então refratário mercado norte-americano. Amparado por clipes geniais e polêmicos - como não lembrar do surpreendente vídeo da pesadíssima "Smack My Bitch Up"? -, a banda teve em Howlett o capitão perfeito, cujas escolhas - dos samples a incrível quantidade de peso e adrenalina injetados nas cadências de hip hop empregadas em "Firestarter" e "Breathe" - evidenciaram ainda mais o poderoso caos sonoro perpetrado por faixas como "Funky Shit", "Serial Thrilla", "Diesel Power" e a versão de "Fuel My Fire" (do hoje finado L7). Ainda hoje, é um disco antológico.
Gostou? Então ouça Music for the Jilted Generation.



DECKSANDRUMSANDROCKANDROLL - Proppellerheads
Outra dupla adepta dos block beats, o Propellerheads - formada pelo baixista/tecladista Alex Gifford e pelo baterista/DJ Will White - causou um grande alvoroço na Inglaterra quando, depois de alguns EPs e de uma famosa versão para "On Her Majesty's Secret Service" (um dos temas de James Bond), lançaram este ótimo disco em 1998. Transitando com energia avassaladora pelas searas do rock, house, hip hop, funk e soul, os caras abusavam do volume, incutindo em seus temas um mix de agressividade e sutileza surpreendente para um mundo então dominado pela monotonia rítmica do chamado "techno" - vide as excelentes "Take California", "Spybreak!" e "Velvet Pants".
Gostou? Então ouça Extended Play.


THE ALTOGETHER - Orbital
Esta dupla, composta pelos irmãos Phil e Pau Hartnoll, foi uma das primeiras a transformar a música eletrônica em algo digno de ser curtido em grandes shows, tirando o techno do circuito de casas noturnas de pequeno e médio porte. Tudo porque o seu som trazia inúmeros elementos do rock e do pós-punk, algo exemplificado em escala máxima neste disco, em que temas explicitamente roqueiros - "Tension", "Tootled" - contrastam com o soul de "Funny Break (One is Enough)" e o pop explícito de "Illuminate". Hoje, a dupla não existe mais, mas mesmo sem os poderes de suas criações, o Orbital continua a fascinar os novos artistas que enveredam pelo campo da música eletrônica.
Gostou? Então ouça Middle of Nowhere.



TWO - Utah Saints
Jez Willis veio da banda de rock industrial Cassandra Complex, enquanto que o DJ Tim Garbutt era conhecido da cena house londrina. Quando os dois resolveram unir forças dentro do projetoUtah Saints, o resultado foi bacana que a banda chegou a abrir alguns shows do U2 logo depois de ter lançado seu disco de estreia. Em seu segundo trabalho, escolhido para integrar esta "seleção", a dupla exibiu sua exuberância em relação às suas dinâmicas sonoras de maneira mais que evidente, desde o piano incutido na cibernética "Massive" até as guitarras escondidas na ultrasacolejante "Three Simple Words", culminando com a surpreendente versão de "Funky Music", ótima canção funk/soul que Edwin Starr celebrizou na primeira metade dos anos 70. Além disso, contou com convidados especialíssimos - Chuck D. (Public Enemy) emprestou sua voracidade na pesadaça "Power to the Beats", Michael Stipe declamou frases esquisitas na climática "Rhinoceros" -, que deram um caráter experimental e bacana para o disco.
Gostou? Então ouça Utah Saints.



BEAUCOUP FISH - Underworld
Depois de estourar com o "Born Slippy", incluído na trilha sonora do filme "Trainspotting" , este trio lançou um disco que redefiniu a sonoridade eletrônica para os anos seguintes em termos de acid house e trance. A justa e oportuna inclusão de faixas com forte acento rítmico - "Kittens", "Moaner" - ao lado de outras pérolas, digamos, mais convencionais, como as ótimas "Push Upstairs", "Jumbo" e os quase doze minutos da hipnótica "Cups", fizeram com que este disco se tornasse crucial para quem deseja entender o universo dance como forma de arte contemporânea.
Gostou? Então ouça Dubnobasswithmyheadman.



YOU'VE COME A LONG WAY, BABY - Fatboy Slim
Muita gente desconhece que Fatboy Slim é, na verdade, o ex-baixista do grupo Housemartins (lembra do hit "Build"?), Norman Cook, que enveredou pela carreira de DJ na segunda metade dos anos 90, obtendo estrondoso sucesso. Neste disco, ele atingiu o grau máximo de criatividade em escolher samples espertíssimos e criar ritmos tão mirabolantes quanto surpreendentes - vide a clássica "The Rockafeller Skank". Mas faixas como "Right Here, Right Now" e a suingada "Praise You" mostram que Slim não é um DJ qualquer.
Gostou? Então ouça Halfway Between the Gutter and the Stars.



MOON SAFARI - Air
É muito difícil tentar catalogar o som da dupla francesa formada por Jean-Benoit Dunckel e Nicolas Godin. Tudo porque as influências dos caras são tão díspares - Kraftwerk, Burt Bacharach, Aphex Twins, Serge Gainsbourg - que cada uma de suas composições soa como um amálgama esquisito, mas ansioso para ser decifrado. Em Moon Safari, o duo levou o conceito de liberdade sônica sob uma égide elegante em faixas maravilhosas como "La Femme d'Argent", "Sexy Boy", "Kelly Watch the Stars". Tudo coexiste pacificamente quando um grupo faz com que suas notas musicais ditem a simbiose entre mundos distintos.
Gostou? Então ouça Talkie Walki.



GOODBYE COUNTRY (HELLO NIGHTCLUB) - Groove Armada
O duo formado por Andy Cato e Tom Findlay trouxe em seu terceiro disco mais que uma coleção de belos samples por sobre uma eficiente base calcada no trip-hop. Usando a influência advinda da participação de convidados ilustres - Nile Rodgers e Richie Havens - para montar um repertório em que coube tanto a malemolência de "Suntoucher" como a cadência dub irresistivelmente dançante de "Superstylin'", a dupla ainda teve a rara felicidade de construir uma espetacular sutileza soul em faixas como "Little By Little" e "My Friend". É um disco não menos que brilhante.
Gostou? Então ouça Vertig.

Por Regis Tadeu

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