terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

GERMANO MATHIAS - Malandro pra valer












Aos 75 anos, Germano Mathias é referência do samba de sotaque paulistano; em 2010, comemora 55 anos de carreira, lembrando os Carnavais de outros tempos



No quarto andar do bloco B de um conjunto habitacional da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), na Vila Brasilândia, periferia norte de São Paulo, mora uma lenda viva do samba.



É ali o apartamento do cantor e compositor Germano Mathias, 75, grande expoente do estilo sincopado, em que uma cadência bem marcada dialoga com o sotaque paulistano. "É o samba do "orra, meu'!", brinca.



De chapéu, "mimosa" estampada e "pisante" classudo, Mathias é o último dos malandros de figurino. Carrega consigo parte da história do gênero que destila em performances cheias de bossa, improviso e imitações dos sons de cuíca e trombone.


O que chama de "tempero" é o batuque que faz na tampa de lata de graxa, herança dos tempos em que frequentava rodas de samba dos engraxates na praça da Sé, no centro.



Mathias é autor de sucessos dos anos 50 e 60, como "Guarde a Sandália Dela", e intérprete de muitos outros hinos do gênero, como "Malvadeza Durão", de Zé Keti, "A História de um Valente", de Nelson Cavaquinho, e "Joga a Chave", de Adoniran Barbosa.


Na parede de sua sala, há uma fotografia do sambista Caco Velho, que tem como mestre. No sofá, amontoam-se quatro dicionários entre páginas de palavras cruzadas, às quais se dedica diariamente, com a ajuda de uma lupa.

55 anos de carreira
É neste cenário que o sambista comemora, em 2010, 55 anos de uma carreira marcada por altos e baixos.



Os 15 anos vividos no CDHU, cercado de favelas, evidencia que os baixos não foram poucos. O Carnaval, por outro lado, permanece sua glória anual.



"Eu me agarro a esses bons momentos com unhas e dentes. Neste ano, com mais unhas do que dentes, porque esse aqui, ó, eu perdi semana passada", diz, escancarando a boca para mostrar o buraco deixado por um molar que se foi. E cai na risada.




Para ele, os desfiles das escolas de samba de São Paulo já empataram, em qualidade, com os do Rio. "Não sou bairrista, sou realista", diz.




Quase perde o rebolado, no entanto, na hora de decifrar a pecha de "túmulo do samba" com que o poeta Vinícius de Moraes batizou sua cidade. "Ele deveria estar bêbado e despeitado com alguma moça paulistana. Aí, quis se vingar."



Mathias afirma que nunca foi de beber. "Só dava uns tapas no moleque de vez em quando para me animar", diz, confessando que já fumou maconha.




Dos tempos da malandragem, guarda a fala mansa, as piadas de duplo sentido e a memória das farras que drenaram boa parte dos frutos da carreira.




"Eu era farrista! Metia o pau no dinheiro. Gastava em festa, corrida de cavalo e bilhar", lembra. E cai na risada.



Mathias só fica sério quando o assunto é a indústria fonográfica. "Esse negócio de disco está uma porcaria", ataca. "Lancei quatro discos no Japão e ainda não recebi nenhum centavo."



Após alguns minutos de briga com o aparelho de som que queria acionar para mostrar um dos discos, o sambista ficou perplexo ao ser apresentado a um iPod e descobrir que sua música não precisa mais de CD nem toca-discos para ser ouvida. "Esse é o tal de iPod, então? Meu Deus, a malandragem não é mais a mesma...".



"Ritmo de hoje parece o velório do sambista"
Germano Mathias critica levada do samba atual e explica o segredo do surdo

Trajetória do cantor e compositor, que inclui passagem pela "ala das frigideiras", foi objeto de biografia e documentário


No samba de Germano Mathias, a batida do surdo é adiantada. É isso que traz dinamismo a sua música. É a síncope do ritmo. "O som que fazem hoje é intercalado", critica. "Batem o surdo atrasado demais. Parece o velório do sambista", brinca.




Mathias aprendeu a tocar e a cantar nas rodas de engraxates do centro de São Paulo, de onde herdou a marca de seus shows: a tampa de uma lata de graxa.




Dali, foi promovido para a ala de frigideiras da Escola de Samba Rosas Negras. "Nos anos 50, frigideira era tamborim. Fazia um repique tilintoso que se ouvia de longe", lembra.




Começou a carreira profissional em outubro de 1955, quando venceu um programa de calouros da rádio Tupi, onde foi contratado como "cantor e executante de instrumentos exóticos". No ano seguinte, gravava seu primeiro sucesso, "Minha Nega na Janela".




Nos anos 60, sofreu a primeira desilusão da carreira. Um empresário alemão o contratou para uma turnê na Europa, mas morreu um mês antes do embarque. Mathias guarda até hoje o passaporte tirado à época, ainda em branco. A foto registra seus 26 anos de idade. "Era o Marlon Brando dos pobres."




Em seguida, outra decepção: "O iê-iê-iê estourou, e sambista não tinha mais valor". Sem dinheiro, Mathias virou oficial de Justiça. Desistiu da profissão quando acompanhou a polícia num mandado de prisão e foi recebido a tiro. "Ser sambista é difícil, mas menos perigoso."




Mudou-se para o Rio e foi recebido na Mangueira como bamba. Pouco depois, retornou a São Paulo e, no final dos anos 70, voltou à cena com o disco "Antologia do Samba-Choro", gravado com Gilberto Gil.




A trajetória pessoal e o brilho de sua música renderam a biografia "Sambexplícito" (Ed. A Girafa), de Caio Silveira Ramos, lançada em 2008, e o documentário "Ginga no Asfalto", de André Rosa e Guilherme Vergueiro, em que canta sucessos e conta causos.



(FERNANDA MENA)

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