Avaliação: nota 8


É difícil manter a inocência infantil em tempos de internet, com a abundância de informações na qual nossas crianças podem se afogar. Engraçado notar que o hoje o padrão de humor é mais cínico, com conceitos mais simples sendo considerados coisas do passado. Como lidar com as crianças ao explicar a elas do bom Papai Noel, sendo que elas podem acessar o Google Earth e ver que no Pólo Norte não tem nada além de bandeiras?

Pois esse é um dos temas com o qual este “Operação Presente” lida. A despeito da pergunta “como o Papai Noel entrega dois bilhões de presentes em uma noite?” ser vendida como o plot principal do longa, o grande mote da fita são as relações familiares existentes em um núcleo disfuncional.

A trama mostra os bastidores da entrega de presentes de Natal realizada anualmente pelo Papai Noel e seus elfos. Descobrimos que o cargo de Papai Noel é passado de pai para filho há gerações, com o atual Papai Noel, Malcolm, prestes a passar o seu posto para seu primogênito, o metódico e militaresco Steve, que basicamente organiza toda a entrega.

Quando o sistema de Steve falha e uma criança é esquecida, o único que se importa com a situação é Arthur, o atrapalhado e bem-intencionado caçula do Papai Noel. Ao lado do politicamente incorreto Vovô Noel e de Bryony, um elfo embalador meio hipster, Arthur terá de entregar o presente que falta e manter o espírito do Natal vivo.

A história, apesar de simples, é cheia de nuances, não havendo um antagonista, mas sim pessoas que lutam para se entender. Situações como a escolha de peças em um jogo de tabuleiro refletem justamente os conflitos escondidos entre aqueles personagens, que buscam encontrar os seus papéis no mundo.

Enquanto o meio avoado Malcolm não se sente pronto para deixar de ser Papai Noel, acreditando que a sua função o define, Steve acha que pode fazer um trabalho melhor que o pai e espera sua chance para provar isso. Por sua vez, o Vovô Noel quer mostrar a superioridade dos métodos antigos e recuperar sua velha glória, frente à modernidade de um mundo que não aceita.

Interessante notar que Arthur é o único personagem que não tenta se definir pelo que faz, mas pelo que acredita, com a fé no seu pai sendo o que o mantém o espírito otimista que o sustenta, com o personagem evoluindo a partir daí, com seu arco fazendo com que as figuras ao seu redor também cresçam.

A despeito desse lado mais maduro, a projeção é repleta de momentos surtados e hilários, com a produção jamais se esquecendo de divertir o público com ótimas gags. O destaque vai para o Vovô Noel, cujo senso de humor é estrondosamente sincero e desprovido de tato, lembrando o impagável Pierce Hawthorn, da série “Community”.

O roteiro ainda tem algumas alfinetadas direcionadas a um público mais maduro, como aquela que mostra que o nível de carregamento de um elfo é medido pela quantidade de Playstations que consegue levar de uma vez (lembrando que o filme é distribuído pela Sony) e a que mostra o cartaz de “Missão Cumprida”, antes da descoberta da criança esquecida, uma óbvia referência ao ex-presidente estadunidense George W. Bush. Os mais novos provavelmente não conseguirão pescar tais piadas, mas os crescidos poderão se divertir bastante com momentos como esses.

Na tela, cores vivas preenchem o belo visual do longa, que aposta em traços mais cartunescos e tradicionais, que casam bem com a proposta da película. O uso do 3D é dispensável e, se for possível, recomendo conferir em uma sala que não possua tal recurso.

Claramente, a diretora (e co-roteirista) Sarah Smith usou como referência gráfica para a maioria dos personagens as antigas animações natalinas em stop-motion, como “Rudolph – A Rena do Nariz Vermelho”, algo que fica mais claro ainda em cenas como na qual o Trenó surge pela primeira vez.

Tal referência visual faz sentido, considerando que o estúdio Aardman, responsável pelo filme, trabalhou com essa técnica de animação em “Wallace & Gromit – A Batalha dos Vegetais” e em “A Fuga das Galinhas”.

Escorregando apenas ao enrolar um pouco o ritmo com um plot dispensável envolvendo os militares do mundo em uma caçada a possíveis ETs e na inclusão de um extremamente dispensável videoclipe de Justin Bieber antes da atração principal, “Operação Presente” é uma ótima adição ao mundo das animações natalinas, sendo um belo presente da Aardman para crianças e adultos ao redor do mundo, resgatando um pouquinho da inocência dessa época tão especial.
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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.