Avaliação: NOTA 9
 


Roman Polanski é um diretor pouco conhecido do grande público, apesar de sua ótima filmografia. Sempre paciente ao construir uma atmosfera naturalista para o suspense, valorizando as situações mais banais e cotidianas para estabelecer uma relação íntima com o espectador, manipula o interesse deste a favor dos personagens por identificação. Em “Lua de Fel”, thriller romântico adaptado do livro homônimo de Pascal Bruckner, não é diferente. Apesar de a temática ser permeada por romance e erotismo, a expectativa é a grande chave que prende o público à obra.

O filme narra o drama de Nigel (Hugh Grant), que viaja de navio para a Índia acompanhado de sua esposa, Fiona (Kristin Scott Thomas). Durante a viagem, eles conhecem Oscar (Peter Coyote) e Mimi (Emmanuelle Seigner), um misterioso casal cuja relação vira o grande fetiche de Nigel. As tentativas de esquiva disfarçam seu real interesse, mas ele sempre atende aos insistentes convites de Oscar para ouvir a história dele e de sua esposa, pela qual Nigel alimenta um proibido desejo.

O roteiro de Polanski, Gérard Brach e John Brownjohn sabe ser literário quando precisa. As falas da narração de Oscar sobre sua vida com Mimi parecem ter sido simplesmente copiadas do livro ou pouco modificadas. Porém, isso acaba sendo uma necessidade para o longa, visto que alguns detalhes sobre a pervertida relação do casal não poderiam ser descritos de outra forma que causasse o mesmo efeito, e muito menos mostrados, se não quisessem restringir ainda mais a censura ou serem confundidos com um filme pornográfico.

As cenas de sexo são picantes e românticas ao mesmo tempo, mantendo um equilíbrio perfeito para que se compreenda o clima específico da relação entre Oscar e Mimi: uma paixão maior e melhor do que qualquer outra coisa que o resto do mundo pudesse lhes oferecer. A cena do café da manhã e da dança são alguns dos melhores momentos do filme, prendendo a atenção do público ainda mais para aquela convivência exageradamente íntima e bizarra. Nigel é o personagem que funciona como extensão do espectador, que compartilha seu interesse contido e sua falsa moral quando recrimina os “absurdos” que ouve de Oscar.

A direção de Polanski se mantém calma na condução da narrativa. Embora tenha a segurança do ritmo no próprio roteiro, muito bem estruturado, o diretor faz questão de estender as pausas entre as sequências de flashback que revelam a intrigante relação entre Oscar e Mimi. Isso gera uma constante expectativa, contribuindo ainda mais para que o público se identifique com Nigel em sua disfarçada ansiedade por retornar à cabine de Oscar para ouvir a mais um capítulo dessa história de amor e ódio.

Nada disso seria efetivo se não fosse pelas maravilhosas atuações. Seigner interpreta com competência a fase mais antiga de Mimi, uma garota meiga e devota ao seu parceiro e, simultaneamente, uma grande fonte de prazer carnal para este, procurando a todo instante satisfazer seus desejos sexuais das formas mais estranhas imaginadas. A atriz também convence ao viver a personagem mais amadurecida, amargurada e com sede de vingança por um passado sofrido nas mãos de quem mais amava.

Coyote é quem mais impressiona durante todo o longa. A personalidade forte e decidida de Oscar interage bem com seu lado solitário e infeliz. Por mais condenáveis que suas atitudes sejam a partir de determinado momento, não conseguimos deixar de sentir certa empatia por ele. No tempo presente, seu personagem carrega tudo aquilo por que passou nas falas e nas expressões quase insanas, sempre com um sorriso que esconde a insuportável tristeza que sente por dentro.

Os personagens de Grant e Thomas chegam a ser totalmente desinteressantes à medida que conhecemos a vida do outro casal, mas essa é justamente a intenção do filme. Thomas faz um trabalho competente e, embora sua personagem seja a que tem menos tempo de tela, ainda consegue impressionar mais do que Grant. Este se limita ao tipo de atuação ao qual já era acostumado e continua fazendo, mas para a proposta do longa em questão, isso foi o bastante para seu personagem cumprir o papel decentemente.

Em “Lua de Fel”, Roman Polanski mostra todo o seu talento na direção de atores e na elaboração de cenas inesquecíveis. Leves toques de humor combinados à temática adulta e a uma trilha sonora que reforça o erotismo dão ao longa um atrativo particular a todos os interessados por histórias de amor. Porém, neste caso, a ingenuidade dos romances tradicionais é posta de lado para que se dê lugar à crueza de uma paixão arrebatadora, com todos os males e benefícios consequentes desta e com todas as desilusões e prejuízos aos envolvidos direta ou indiretamente.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.