Avaliação: NOTA 10
 


A função mais fundamental da arte não é expressar uma emoção, mas transmiti-la para o público. Em um mundo como o nosso, abarrotado de diferentes linguagens, idiomas, jargões, costumes e pensamentos tão diversos, transmitir um estado emocional se torna uma tarefa deveras complexa. No entanto, poucas coisas são tão universais quanto o ato de dançar. E raras pessoas possuíam a sensibilidade necessária para transformar o subjetivo em movimento como a coreógrafa alemã Pina Bausch, falecida em junho de 2009, aos 69 anos.

Seu compatriota, o cineasta Wim Wenders, resolveu prestar-lhe uma homenagem. Então, produziu, escreveu e dirigiu este tributo intitulado simplesmente “Pina”. No entanto, Wenders não a honrou com um mero documentário, repleto de cabeças flutuantes contando uma história. Tal como a coreografa, ele valorizou a linguagem universal do movimento em um espetáculo no qual a obra dessa talentosíssima mulher assume o palco central.

Não é só a relação entre música e coreografia que tornam a fita uma experiência magnífica, mas testemunhar o que a tessitura formada por estes dois meios criam. A música define a dança e a dança define a música, tal como tempo e espaço dão sentido um ao outro. O caráter de linguagem universal do ato de dançar é ressaltado pelos depoimentos dos dançarinos em seus idiomas pátrios. O que vemos sendo dito em inglês, francês, espanhol, alemão ou português pode ser resumido nos movimentos de suas performances.

Wenders, no documentário “Janela da Alma”, falou sobre a importância dos óculos. Neste pequeno interlúdio, cito as palavras do cineasta. “Quando tinha uns 30 anos, tentei usar lentes de contato. Mas quando eu estava com as lentes, vivia procurando os óculos. Eu via bem com as lentes, mas sentia falta do enquadramento. Acho que sua visão é mais seletiva e você tem consciência do que realmente vê. Quando estou sem óculos, sinto que vejo demais. Eu não quero ver tanto. Quero ver com restrição, mais enquadrado”.

O pensamento de Wenders se aplica, em vários sentidos, em como ele trabalhou nesta sua homenagem a Pina. Não sabemos nada sobre sua vida pessoal, infância ou família. Não precisamos saber. Essas informações simplesmente não são relevantes. Inseri-las seria exatamente o que o cineasta quis dizer com “ver demais”. O importante é definir e nos apresentar à crença maior da homenageada: “Dance, dance… Caso contrário, estaremos perdidos”.

O enquadramento também assume função primordial na produção por conta do uso da tecnologia 3D. Wenders compõe cada um dos quadros de maneira absolutamente perfeita, fazendo com que os dançarinos ocupem pontos chave da tela para que o eixo Z seja explorado da melhor forma possível. Isso pode ser visto especialmente na magnífica interpretação de Le Sacre du Printemps”, exibida durante o primeiro terço da projeção.

Interessante notar que, enquanto nossa visão da tela é enquadrada pelos óculos 3D, as próprias imagens que vemos ali parecem também emolduradas, seja pelo próprio palco ou, quando a ação ocorre em ambientes externos, por simulações deste.

Ressalte-se o belo trabalho de montagem da fita que, mesmo tendo um ritmo bastante específico, prende o público e sempre nos espanta com fabulosas transições. Em dado momento, dois dançarinos estão estudando um modelo do palco e discutindo a utilização de cadeiras no cenário de “Café Muller”, uma das coreografias encenadas. Em seguida, há uma transição estupenda para a própria dança.

Posso dizer seguramente que a fotografia 3D deste longa é, ao lado de “A Invenção de Hugo Cabret”, a melhor que pude ver em um cinema. Isso porque, nos dois filmes, o terceiro eixo possui uma importância narrativa, não servindo apenas um mero eye candy para o público, ajudando a aprofundar o espectador em uma verdadeira experiência artística.

Em certo ponto, alguém explica que determinado movimento na coreografia que está sendo executada significa alegria, felicidade. É exatamente isso do que se trata a dança e o que Pina fez: a tradução do sentimento, da emoção, em ação. Recomendado!
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.