Avaliação: NOTA 4


Como entusiasta da ficção científica, aplaudo qualquer nova iniciativa do gênero produzida aqui no Brasil, tão carente de produções do tipo. No entanto, a produção Brasil/EUA “Área Q” se mostra tão trash quanto as produção direto para TV do Sci-Fi Channel, com diversos problemas narrativos e técnicos que simplesmente afundam o projeto.

Co-produzido pela Estação Luz, responsável por filmes como “As Mães de Chico Xavier” e “Bezerra de Menezes – O Diário de Um Espírito”, a película é protagonizada por Isaiah Washington, que vive o repórter americano Thomas Matthews, homem cético (Thomas = Tomé) em crise após o desaparecimento de seu filho. Seu chefe, tentando fazê-lo voltar ao mercado, o manda investigar os fenômenos ufológicos que acontecem nas cidades de Quixadá e Quixeramobim, região cearense conhecida como Área Q. Lá, Thomas descobre que essas aparições alienígenas podem estar ligadas ao sumiço de seu filho.

Não é fácil fazer uma boa ficção científica no cinema, principalmente envolvendo seres extraterrestres. A situação se complica mais quando se acrescenta um elemento religioso à mistura, por mais sutil que este seja. A trama pode facilmente cair no ridículo se os realizadores e os atores não conseguirem capturar a atenção do espectador para a seriedade do que está sendo mostrado e criarem a chamada suspensão de descrença, mostrando um cenário no qual a situação fantástica apresentada se torne plausível e se encaixe de forma orgânica com a questão religiosa.

Neste sentido, Isaiah Washington simplesmente não apresenta na tela carisma para segurar a trama, principalmente quando os pontos espíritas começam a surgir. Em uma interpretação monótona, o ator norte-americano se mostra desconfortável em cena, sem jamais exibir a química necessária com ninguém no elenco, muito menos com o ator mirim que vive seu filho, sendo que a empatia entre os dois seria essencial para o arco de seu personagem.

A personagem de Tânia Khalil, Valquíria, surge do nada e vai para (literalmente) lugar nenhum. Khalil tem pouco a fazer além de flertar com o protagonista e aparecer misteriosamente em locais onde Thomas se encontra. Mesmo os seus diálogos, quase todos em inglês, são prejudicados por conta do excesso de dublagem em suas falas, soando de modo estranho quando surge conversando com o repórter vivido por Washington.

Mesmo com o nome tendo destaque no cartaz, Murilo Rosa surge em aparições curtas e espaçadas, a despeito de interpretar dois personagens distintos. O ator até que dominou bem o sotaque nordestino quando interpreta o filho do messiânico João Batista, mesmo que o roteiro se exceda  nas gírias regionais. Como o próprio João Batista, no entanto, Rosa opta por uma composição vocal mais limpa. Vai ver que o personagem perdeu o sotaque após tanto tempo “fora”.

A melhor coisa na tela é realmente Ricardo Conti, divertidíssimo como Eliosvaldo, o guia de Matthews no Ceará. Dono de um senso de humor bastante peculiar, Eliosvaldo conquista rapidamente o público com seu jeito tipicamente cearense, misturando ingenuidade e gaiatice. Mesmo não sendo nativo da terra do sol, Conti encarnou bem o carisma local e parece ser o único  em cena a acrescentar um pouco de alma – e graça – à fita.

A falta de atenção a detalhes básicos por parte do diretor e roteirista Gerson Sanginitto é palpável ao público. A montagem desastrada, com flashback dentro de flashback dentro de narração torna o tempo das ações capturadas complicado, gerando até elipses impossíveis. A trilha sonora surge excessivamente alta e repetitiva, chegando até a dar um tom de comédia involuntária à película em alguns momentos, quebrando o clima que deveria existir em cenas mais tensas.

Mesmo a fotografia falha em mostrar bem as belas e exóticas paisagens do interior cearense, por conta de uma paleta de cores em tons mortos. A despeito de reconhecer a dificuldade em se trabalhar no sol daquela região, principalmente com câmeras digitais, o problema ainda persiste.

No seu terceiro ato, o filme se apropria de algumas ideias de “Contato” de maneira tão óbvia que se torna impossível não notar as semelhanças. É justamente neste último terço da projeção, quando as influências da doutrina espírita começam a ficar mais fortes, que a questão da reencarnação ganha importância, inclusive com um diálogo solto contra o aborto.

Neste ponto, fica mais do que evidente que a mescla desses dois temas complicadíssimos (religião e ficção) não foi feita com a devida sensibilidade, eliminando de vez qualquer noção de suspensão de descrença, tornando a conclusão da história especialmente difícil de engolir, assim como muita coisa vista na tela.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.