quinta-feira, 19 de abril de 2012

Beleza Adormecida: Julia Leigh elabora um thriller erótico angustiante

 

Longa australiano bebe da fonte de conto de fadas infantil em resultado curioso e ousado, porém incompleto.


Avaliação: 7


Enquanto Hollywood repagina os clássicos dos contos de fadas com filmes direcionados ao público adolescente como “A Fera” (baseado em “A Bela e a Fera”) e “A Garota da Capa Vermelha” (inspirado em Chapeuzinho Vermelho) e revisita Branca de Neve em dois longas que estreiam este ano (“Espelho, Espelho Meu” e “Branca de Neve e o Caçador”), a cineasta australiana Julia Leigh tomou outro rumo e entrega uma história ousada em “Beleza Adormecida”.

Com roteiro de sua autoria, Leigh se inspira em “A Bela Adormecida” para contar a trama de Lucy (Emily Browning), uma jovem solitária e que, sofrendo de perrengues financeiros, se embrenha em diversos projetos e empregos para conseguir sobreviver. De experiências médicas a um bico como garçonete, a moça trabalha em uma grande empresa, onde é vista sempre com ar de inferioridade pela chefe.

“Escravizada” até mesmo pelas duas pessoas com as quais divide o mesmo teto, Lucy divide-se entre a rotina de solidão, trabalho e visitas à casa de Birdmann (Ewen Leslie), um amigo de longa data que passa por um período de pós-reabilitação. Entre idas a bares com drogas, bebidas e sexo casual, a moça chega até Clara (Rachael Blake), uma espécie de organizadora de eventos. Encantada pela beleza de Lucy, Clara a contrata para o trabalho de servir, seminua, os convidados.

O emprego serve de fachada para uma rede de prostituição de luxo, onde endinheirados da terceira-idade estão dispostos a pagar uma pequena fortuna por uma noite com as garotas. Lucy, porém, acaba por deitar-se com os clientes completamente sedada, vindo daí o estigma de Bela Adormecida moderna. Da frieza de seu olhar e atitudes, não sabemos se trata-se de uma característica da personagem ou da própria atriz.

Nesta metalinguagem, diversos elementos dos contos de fadas foram atualizados em uma trama de constante tensão e sutilezas, em um erotismo que invade a tela. Ao invés de um belo castelo, temos arranha-céus empresariais; no lugar do príncipe encantado, temos Birdmann que, embora perdido dentro de seus vícios, é o único porto seguro de Lucy, capaz de lhe dar conforto e carinho. O “felizes para sempre” perdeu-se do “era uma vez”, diante de uma mulher tratada como mercadoria, analisada dos pés à cabeça para ser vendida em um jogo de poder e luxúria.

Esse certo distanciamento de “Beleza Adormecida” e a frieza intocável em seus personagens oferecem uma indiferente finesse permeada por um ritmo lento, cadente, que instiga e se força a não se perder. Embora deixe muitas perguntas sem respostas, é nos silêncios e sutilezas que o filme pode (ou não) ganhar o público. Na pele da bela Lucy,  Emily Browning (sim, a garota que enfrenta Jim Carrey em “Desventuras em Série” cresceu) vive uma espécie de Lolita de pele alva, que mistura sensualidade e atitude, camuflando uma personalidade que só é capaz de se mostrar diante do amigo Birdmann. Seus clientes possuem seu corpo, porém não têm acesso à sua jovem personalidade.

Leigh, que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2011 apadrinhada por Jane Campion (diretora do premiado “O Piano”), não mostra pressa em seu longa. A cineasta, assim, nos oferece uma trama de planos longos e diálogos de frases pontuais, que se apoiam na direção de arte e fotografia bem cuidadas. Da câmera teatral (em que, parada, observa imparcial a ação acontecendo dentro de seu plano de visão), temos imagens que nos remetem a quadros e/ou fotografias, nas quais fade in e fade out dão início e fim às cenas, como se estivéssemos diante de capítulos de um livro. O distanciamento de Lucy com o público, porém, pode decepcionar os espectadores em busca de maiores esclarecimentos e menos preocupações minimalistamente estéticas.

Superficial na questão analítica de sua personagem, “Beleza Adormecida” traz Lucy diante de uma misoginia quase generalizada, onde sua beleza e sensualidade estão expostas na vitrine de homens poderosos, que enfrentam uma velhice assustadora e revolta, encarando a solidão e desembocando em um thriller erótico por ora angustiante.

Com um prólogo bem conduzido que nos apresenta rapidamente um dia na vida de Lucy antes de sua noite de sono à asquerosa cena de sexo com seu segundo cliente, o filme reciclou, às avessas, um conto de fadas conhecido do grande público. Assim, submissão e sexo se encontram em uma história densa e que, apesar das pretensões, pode agradar aos interessados em uma experiência incômoda mas, infelizmente, incompleta.
____ Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário