Avaliação: NOTA  9
 


Brandon Sullivan (Michael Fassbender) é um profissional bem sucedido, charmoso e admirado pelo seu chefe David (James Badge Dale).  Porém, esconde-se em uma vida dupla, em que coleciona encontros com prostitutas, masturba-se no banheiro da empresa e abarrota o HD do computador do trabalho com pornografia dos mais diversos gêneros e gostos.

Com esta trama densa, o competente diretor londrino Steve McQueen (do premiado em Cannes “Hunger”) constrói a história de “Shame”, sobre um personagem dominado pelos próprios desejos desenfreados em sexo. Porém, tudo mudará de figura com a chegada da irmã mais nova Sissy (Carey Mulligan) que, carente de presença masculina, lhe tirará toda a liberdade, complicando ainda mais seu distúrbio psicossomático.

Tratando com seriedade um tema ainda considerado tabu na sociedade conservadora neste século, acompanhamos a angústia de Brandon em suprir sua urgência sexual como única prioridade, ou seja, o sexo pelo sexo. Como todo vício, acaba por acarretar problemas no trabalho, nas relações afetivas e em sua autoestima.

Em noites regadas a bebidas, mulheres e solidão, Brandon se vê diante do conflito do envolvimento da irmã com o próprio chefe, além da perda da liberdade que possuía em manter em sigilo seu descontrole comportamental, que vai do charme à lascívia em questão de segundos, desembocando em uma rispidez mais do que incômoda.

Com vergonha da própria condição, seus segredos vão emergindo aos poucos, especialmente diante da irmã que, também com problemas emocionais, sempre usou de ferramentas perigosas para exteriorizá-las. E neste ambiente angustiante e silencioso, McQueen conduz uma trama de qualidade, mostrando personagens à margem de si mesmos e dos que o rodeiam, com tensão e melancolia constantes.

Com uma aura de drama oitocentista retratando um yuppie solitário, “Shame” expõe os conflitos de um personagem que, momentos depois do gozo, reinicia suas fantasias, seja de modo idealizado ou concreto. Uma compulsão similar a outras, como drogas e álcool onde, após o efeito das substâncias, o dependente sente um desejo incontrolável de recomeçar a sua busca por alívio de uma tensão constante. E dentro do próprio silêncio, Brandon se afunda cada vez mais em seus próprios desvios.

Além da direção competente de atores e de um roteiro que abusa de frases de efeito e de silêncios entrecortados pela tensa trilha sonora de Harry Escott, o filme nos ganha pela fotografia lavada de cinza, repleta de sombras e luzes de efeito, nos mostrando uma Nova York sombria  e marginal com seus inferninhos, onde sexo é entregue de bandeja.

Ousado, o filme não se intimida em oferecer cenas de sexo para lá de convincentes e planos de nu frontal de Fassbender e de Mulligan. A dupla, inclusive, é uma grande aposta que dá certo no longa. Ele, indicado ao Globo de Ouro e ao BAFTA e vencedor de Melhor Ator no Festival de Veneza, mistura charme e uma melancolia intrínseca e palpável, necessários ao papel. Ela, por outro lado, se livra um pouco de sua aura de menina doce e assume um personagem mais adulto, arriscando até mesmo uma interessante cena na qual canta o clássico “New York, New York” para a megalópole que os abrigou. Cidade, esta, que poderia constar nos créditos como uma personagem crucial para o desenvolvimento da história.

Com tantos méritos, “Shame” realmente nos oferece cenas memoráveis, como o franco e sincero diálogo entre os irmãos em frente à TV ou quando Brandon, em um bar, aborda uma mulher comprometida e destila suas mais despudoradas fantasias sexuais. E nesta ode de um homem com sérios problemas de intimidade, que ficam ainda mais claros quando de seu envolvimento com a colega de trabalho Marianne (Nicole Beharie), o filme não esclarece a natureza dos problemas de carência que permeiam a dupla principal.

A origem dos distúrbios não é explicada – e talvez nem tenha uma raiz exata que os originou –, porém o egoísmo de Brandon em satisfazer apenas a si mesmo pode desencadear consequências graves e irreversíveis. Diante desta ausência, que poderia frustrar o público, a trama desemboca em uma busca do próprio espectador por respostas, sejam elas possíveis ou inatingíveis. E diante de um final ambíguo, fica a pergunta que nunca quis calar: “o que faz com que sejamos dominados por nossos desejos?”.
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Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir tudo que a capital paulista oferece culturalmente.