domingo, 18 de outubro de 2009

SALVE GERAL - O MELHOR FILME BRASILEIRO DESDE...


Eu vejo qualquer coisa com Andréa Beltrão. Acho que não preciso nem me alongar neste argumento, porque quase ninguém duvida que ela é a melhor atriz da sua geração - e eu tenho ciência de que estou me repetindo ao escrever isso, pois já fiz este elogio quando falei dela na minissérie “Som & Fúria”.


Fui menos enfático, talvez, quando mencionei seu trabalho em “Jogo de cena”, de Eduardo Coutinho - mas até hoje, quase dois anos depois de ter visto o filme, é a presença dela a lembrança mais forte desse filme incrível (e a tal da Nilze também, mas eu divago…). Agora, durante a temporada de “No Limite 4″, todas as quintas-feiras, um dos meus prazeres secretos era assistir “A grande família” por completo, enquanto eu esperava para entrar no ar - e no meio de um elenco que já é sensacional, divertir-me um pouco mais toda vez que a Marilda (a personagem interpretada pela atriz) aparecia.

Fato é que eu vejo qualquer coisa com Andréa Beltrão. Porém, “Salve geral”, seu mais recente trabalho no cinema, não é “qualquer coisa”. É simplesmente o melhor filme brasileiro desde… bem, desde o último filme brasileiro que você resolveu achar que era o melhor filme brasileiro de todos os tempos - “Tropa de elite”, “Se eu fosse você”, “Dois filhos de Francisco”, “Cidade de Deus”, “Central do Brasil”, “A dama do lotação”, “O pagador de promessas”, pode escolher…

O que faz “Salve geral”- o primeiro filme que assisti depois de um longo jejum cinematográfico (mais sobre isso depois) - é, claro, a participação de Andréa Beltrão, mas não só. Tem ainda o fato de a história ter como pano de fundo um dos eventos recentes que mais marcaram a cidade onde vivo - o pânico espalhado pela bandidagem naquele fatídico dia das mães em 2006 (se você também mora em São Paulo, lembra-se muito bem; se é de outra cidade, não teve como não saber disso nos noticiários). E tem ainda um detalhe que muitas vezes fica esquecido em tantas produções brasileiras - para não falar nas internacionais: tem um excelente roteiro!

Nos idos da MTV - isto é, naquele tempo longínquo em que eu trabalhava lá e era responsável por um programa chamado “Cine MTV” (apresentado então por Chis Couto, que, coincidentemente está em “Salve”, numa participação pequena, mas como sempre impecável) -, durante uma edição do festival de cinema de Gramado que fomos cobrir, sugeri que abríssemos um pequeno debate sobre (justamente) “roteiro no cinema brasileiro”. A proposta era tentar sondar - ainda que de maneira superficial - por que o Brasil, com uma oferta de atores excelentes, com bons técnicos, boas salas (que hoje são ainda melhores), e um público ávido por cinema, ainda apresentava produções com roteiros tão frouxos e desinteressantes. Estou falando do início dos anos 90 - antes mesmo de toda uma geração de cineastas mostrar para o resto do mundo do que o Brasil era capaz, inclusive na “telona”…

O programa - do qual, hoje lamento, não guardei nem uma cópia - não apontava grandes soluções. Apenas “cutucava” a ferida. Cinema, todos concordavam, não é televisão. Mesmo assim, boa parte das pessoas que transitavam nos dois meios assumiam (erroneamente) que sair de uma linguagem para a outra era simplesmente uma questão de “esticar” um formato. O que faltava ainda para o cinema brasileiro eram roteiristas que captassem o que significava entreter - ou segurar, ou (no mínimo) distrair - o público por quase duas horas sem contar apenas com a presença de um grande nome da TV no seu elenco. O “segredinho” disso, claro, estava - concluía o programa - no desenvolvimento de uma história. Bons escritores e roteiristas nunca deixaram de existir. Era só uma questão de as duas pontas se encontrarem. Tais encontros, para minha (e talvez sua) alegria, foram acontecendo de maneira cada vez mais frequente - e brilhante! Foram vários exemplos dessa união que estouraram no mercado nacional - e ainda ganharam respeito lá fora -, e 0 mais recente deles, na minha opinião, é “Salve geral”.

Você pode até achar que foi justamente o meu já citado “jejum cinematográfico” (explicando melhor, foi uma consequência de eu ter ficado dois meses envolvido com as gravações de “No Limite” numa pequena praia do litoral cearense) que criou uma espécie de viés na minha percepção - assim, me colocado predisposto a adorar qualquer coisa que eu visse, depois de tanto tempo longe dos cinemas. Mas assumir isso seria uma injustiça com o próprio Sérgio Rezende e com a Patrícia Andrade, que assinam juntos o roteiro.

O que me deixa desinteressando em um filme - e quem, no meio de uma projeção já não abandonou o que estava assistindo, se não fisicamente, pelo menos na concentração? - é a ausências de motivos para continuar curioso sobre o que vai acontecer depois. Previsibilidade é o maior pecado de todos nesse sentido, mas não vamos esquecer também dos filmes que abandonamos simplesmente porque falham em nos cativar - seja com seus personagens, seja com sua história. Nada disso acontece em “Salve geral”, onde até a última cena (literalmente) você fica se perguntando: “O que vai acontecer agora?”.

Sem contar que, com um pequeno truque “à lá ‘Titanic’ (o filme)”, Sérgio Rezende consegue falar de um evento gigantesco sem fazer o espectador perder o foco numa “pequena” história humana. “Salve geral” é sobre o “pânico de 2006″ em São Paulo, tanto quanto “Titanic” é sobre o maior naufrágio de todos os tempos. Se lá você via uma grande tragédia se desenrolar através do romance entre os personagens de Leonardo Di Caprio e Kate Winslet, aqui você assiste à tomada de uma das maiores cidades do mundo por bandidos, sem nunca perder o interesse na história da mãe (Andréa Beltrão) que vê seu filho - Rafa, vivido (e muito bem vivido) pelo ator Lee Thalor - de uma hora para a outra encarando uma prisão.

O desespero da viúva Lucia (a mãe), uma advogada que nunca exerceu a profissão (ela dá aulas de piano), para tirar o filho de lá é o que nos mantém grudados na cadeira a cada cena, sempre com aquela pergunta na cabeça: “E agora?”. Claro que ajuda - e muito - o fato de Lucia se cruzar com a Ruiva, nos caminhos que ela se vê obrigada a tomar para recuperar seu filho. Ruiva - na verdade, segundo o filme, a grande articuladora de toda a operação do pânico - é interpretada pela excelente Denise Weinberg, e se algum personagem mais assustador frequentou recentemente as telas brasileiras (ou de qualquer lugar do mundo!), eu tenho que agradecer que eu não cruzei com ele! A Ruiva de Denise já me fez ter pesadelos o suficiente para os próximos meses!!

Sedutora, cafajeste, inteligente, impiedosa, manipuladora, maquiavélica, e mesmo (já no final) desesperada, Ruiva é - se eu tivesse que usar apenas um adjetivo - perigosa. Na interpretação de Denise, então, esse perigo torna-se explosivo - e a maneira que ela envolve Lucia na sua rede de crimes é de uma crueldade sem dó, misturando dois mundos que seriam melhor viver sempre separados, mas que, numa cidade tão complicada como São Paulo, isso simplesmente não é possível… Só para dar uma ideia, numa das cenas mais involuntariamente engraçadas do filme (que está, diga-se, longe de ser uma comédia), Ruiva leva Lucia até a casa de um traficante - que, aliás, está prestes a executar um “traidor”. A bandida quer dinheiro, mas ele só tem drogas para oferecer, e assim que seu comparsa “sobe” (a gíria mais usada no filme para a morte), ele oferece cocaína para Lucia que desajeitadamente agradece dizendo que não pode aceitar pois está dirigindo…

O humor - como indiquei, não intencional - é tão sutil, que quase poderia ter passado despercebido. Mas Andréa Beltrão jamais deixaria essa cena passar despercebida… Mais uma vez, foi ela que me conduziu por esse roteiro ao mesmo tempo delirante e realista, nesse filme que não tem nem uma fração da expectativa de outras “sensações” recentes do cinema brasileiro (a sala em que assisti “Salve geral” não tinha nem dez pessoas, pouquíssimo mesmo para uma sessão de segunda-feira à tarde), mas que merece toda a sua atenção. Talvez Sérgio Rezende devesse ter vazado algumas cópias para os camelôs do centro de São Paulo… (atenção para os desavisados: esta última frase foi uma ironia, um velho jogo de palavras que a pressa com que as pessoas leem as coisas aqui na internet simplesmente está apagando da nossa compreensão!).

Achei hoje que teria fôlego de comentar também sobre um outro filme que vi esta semana (falei que estava “com fome” de cinema!), cuja única característica em comum com “Salve geral” é o fato de eu não precisar de legendas para acompanhá-lo (desde quando os filmes de animação passaram a ser exibidos quase que apenas em cópias dubladas no Brasil?): “Up - altas aventuras”. Mas vamos deixar isso para o próximo post… Se bem que eu quero tentar assistir o novo de Tarantino até lá… Ai, ai, ai… Isso não vai acabar nunca - ainda bem!

(Apenas para registro, estou devendo há dias a resposta correta para a pergunta que coloquei há alguns dias num texto sobre as primeiras meditações sobre “No Limite 4″: tirei aquela foto em Beberibe, também no Ceará, quando fui visitar o cenário do primeiro programa; estou na frente de algumas das falésias que dão àquela região um dos cenários mais impressionantes de todo o litoral brasileiro; lá, me emocionei demais relembrando as gravações daquela estrea… mas de emoção eu prefiro falar na segunda-feira…).


ZECA CAMARGO

Nenhum comentário:

Postar um comentário