Isso nunca tinha acontecido comigo. Quarta-feira passada, quando fui comprar um ingresso para assistir a “Up – altas aventuras”, num shopping center em São Paulo, a bilheteira (ainda é assim que a gente chama a mulher que vende ingressos no cinema?) primeiro me alertou para o fato de que a cópia que eles estavam exibindo não era em 3D – uma pena, mas não me desanimou. Em seguida, com entonação de quem quase estava torcendo para que eu desistisse da minha empreitada vespertina, ela me informou que eu era o único espectador daquela sessão (das 16h10!), e que eu poderia escolher o assento que quisesse na sala. Imagine! Uma sala só para mim! E para assistir a “Up”! Considerei isso como um presente de Dia das Crianças adiantado!
Comprei pipoca – a despeito do fato de eu ter almoçado (leve, é verdade) havia menos de uma hora –, refrigerante (zero!), e entrei na sala, primeiro me dirigindo ao assento que eu havia escolhido. Em seguida, porém, enquanto os trailers ainda estavam passando, como que tomado por uma curiosidade infantil, experimentei mais umas dez cadeiras, como se estivesse analisando – com a seriedade de um pesquisador-mirim – de qual ângulo da sala eu tiraria mais proveito! No final das contas, claro, acabei sentando exatamente no lugar que havia escolhido na bilheteria. “Up” já estava começando e, talvez porque as primeiras cenas remetem aos tempos do cinema antigo, tive um rápido flashback das primeiras matinês de domingo que certamente colaboraram para que eu me tornasse esse amante de cinema que sou hoje.
Elas aconteciam num antigo cinema na Rua Augusta, em São Paulo – onde hoje é o teatro Procópio Ferreira. Contando só com a minha memória – o Google não me ajudou em nada nesse quesito –, arrisco dizer que o nome do lugar era Cine Veneza, mas não tenho certeza. O que me lembro bem é que ia com a minha avó, que morava ali perto e era, ela mesma, uma grande fã de cinema – não declarada… As matinês faziam jus ao nome: eram sempre na manhã de domingo, antes do meio-dia (alguém ainda faz isso hoje?), e a programação, claro, era dedicada ao público infantil. Qualquer que fosse o filme – “Se meu Fusca falasse” (o original!), “Um convidado bem trapalhão” (clássico!), “Um dia um gato” (peguei você!), “Monsieur Cognac” (que depois eu reveria com devoção todas as vezes que era reprisado na TV) –, ele invariavelmente era precedido de alguns desenhos animados do “Tom & Jerry”.
Você, que provavelmente só conheceu esse cartoon pela TV, não pode imaginar o êxtase que era assistir à animação numa tela de cinema. E estou falando, claro, dos antigos “Tom & Jerry” – aqueles em que os adultos nunca eram mostrados acima dos tornozelos, e as peripécias da briga entre o gato e o rato eram de fato originais e inteligentes. E ainda havia aquela trilha sonora original, onde cada movimento musical era sincopado com o menor gesto que os personagens faziam…
Minha avó – tenho o prazer de relembrar – várias vezes parecia se divertir mais com os desenhos do que eu. Mais de uma vez me lembro de ter ficado muito mais fascinado com sua deliciosa gargalhada do que com a ação do desenho animado – e seu riso solto, claro, era fruto não de um olhar infantil, mas da sabedoria (que, espero, vem com a idade) de saber achar graça nas coisas mais simples da vida.
Tenho uma saudade imensa dessa minha avó – que era mãe de minha mãe, e que curiosamente eu chamava de “Mainha”. Quase 20 anos depois de ela ter morrido, meu registro da sua companhia naquelas manhãs de domingo na sala do (suposto) Cine Veneza – que, ao contrário da sessão que conferi na quarta passada, estava sempre cheia de crianças super excitadas, com seus respectivos acompanhantes semi-desesperados –, me fez uma agradável companhia durante toda a projeção dessa que é talvez a mais adorável criação dos estúdios da Pixar (que eu só compararia, talvez, com “Ratatouille”).
Queria que minha avó estivesse comigo desde o início do filme, quando duas crianças que sonham com aviões e aventuras se conhecem – e mais adiante se casam e constroem juntos uma vida feliz e solitária. Ou melhor, solitária e feliz. Essa biografia de Carl e Ellie – os personagens – é contada em menos de três minutos, sem texto algum, e é uma das coisas mais bonitas e sucintas que eu já vi no cinema – uma espécie de antítese de “Benjamin Button”… Ela tem um final triste – Ellie morre (e não venha me falar que isso é um “spoiler”, por favor… isso acontece no primeiro quarto de hora do filme!). Mas é com essa tristeza que nós vamos acompanhar, dali em diante, toda a alegria de Carl aos 78 anos!
Queria que minha avó estivesse comigo quando, para realizar um sonho de infância seu e de sua mulher, Carl pendura balões de gás na casa onde morou toda sua vida adulta, e vai para um “misterioso” lugar na América do Sul (possivelmente no Brasil, embora nada fique muito claro – nem no mapa!). Seu sonho é instalar sua casa no alto de uma cachoeira lendária, e ao chegar lá, novas aventuras aguardam Carl – que, sem querer, ainda trouxe “de carona”, um desorientado escoteiro chamado Russell. Um pássaro colorido (Kevin), uma matilha de cães falantes – proeza que eles adquirem graças a um “aparelho” instalado em suas coleiras, que, quando está com defeito transforma a voz dos cachorros mais bravos com efeitos hilários! –, e um vilão impecável (que era, na verdade, o herói da juventude de Carl e Ellie), completam o enxuto “elenco”. Você pode até considerar a própria casa – que atravessa continentes suspensa pelos balões de gás – como um personagem também… Mas o que importa é que com muito poucos elementos – e uma história para lá de fantasiosa –, “Up” me fez chorar mais do que… bem… mais do que eu tinha me preparado para chorar. Vários amigos tinham me avisado de que o filme era muito emocionante, mas quando vi Carl abrindo pela última vez o caderno de anotações que ela tinha desde criança, desabei. E o filme não estava nem perto da metade…
Lembrei-me de novo da minha avó. Mas não posso atribuir essa emoção toda a uma referência tão pessoal. O filme é um sucesso (um bilheteria de quase 300 milhões de dólares, só nos Estados Unidos!) porque fala não especificamente (e exclusivamente) às minhas memórias mas aos sonhos de muita – muita! – gente. Assim como eu “viajei” sozinho naquele cinema para as matinês da minha infância (por associações mnemônicas que eu mesmo não sei como explicar), “Up” tem o poder de oferecer inúmeros “pontapés iniciais” de processos associativos – e, assim, deixar feliz desde o “vovô” que sonhava ser aviador, à garota curiosa por pássaros exóticos. Tem romance na história de Carl e Ellie, e aventura – muitas vezes vertiginosa! – nas sequências de perseguição (especialmente nas cenas finais, em cima de um dirigível!). Tem também “tomadas” de ângulos incríveis (imagine a farra que os animadores não fizeram com um desenho de animação que se passa no ar…) e diversas situações que vão fazer você rir. Tem cores vivas e música envolvente. Tem tudo de bom.
Estou entusiasmado eu sei – e, pior, estou atrasado no meu entusiasmo, já que “Up” está em cartaz há algumas semanas (sou eu que, isolado lá nas gravações de “No Limite”, estou correndo para me atualizar com os lançamentos do cinema… e ainda falta tanta coisa…). Mesmo assim quis dividir com você esse momento de pura memória, emoção e… infantilidade – no melhor dos sentidos. Afinal, se eu não puder fazer isso hoje, justo quando coincidiu o dia de post ser o próprio Dia das Crianças, quando é que eu vou fazer?
ZECA CAMARGO
Comprei pipoca – a despeito do fato de eu ter almoçado (leve, é verdade) havia menos de uma hora –, refrigerante (zero!), e entrei na sala, primeiro me dirigindo ao assento que eu havia escolhido. Em seguida, porém, enquanto os trailers ainda estavam passando, como que tomado por uma curiosidade infantil, experimentei mais umas dez cadeiras, como se estivesse analisando – com a seriedade de um pesquisador-mirim – de qual ângulo da sala eu tiraria mais proveito! No final das contas, claro, acabei sentando exatamente no lugar que havia escolhido na bilheteria. “Up” já estava começando e, talvez porque as primeiras cenas remetem aos tempos do cinema antigo, tive um rápido flashback das primeiras matinês de domingo que certamente colaboraram para que eu me tornasse esse amante de cinema que sou hoje.
Elas aconteciam num antigo cinema na Rua Augusta, em São Paulo – onde hoje é o teatro Procópio Ferreira. Contando só com a minha memória – o Google não me ajudou em nada nesse quesito –, arrisco dizer que o nome do lugar era Cine Veneza, mas não tenho certeza. O que me lembro bem é que ia com a minha avó, que morava ali perto e era, ela mesma, uma grande fã de cinema – não declarada… As matinês faziam jus ao nome: eram sempre na manhã de domingo, antes do meio-dia (alguém ainda faz isso hoje?), e a programação, claro, era dedicada ao público infantil. Qualquer que fosse o filme – “Se meu Fusca falasse” (o original!), “Um convidado bem trapalhão” (clássico!), “Um dia um gato” (peguei você!), “Monsieur Cognac” (que depois eu reveria com devoção todas as vezes que era reprisado na TV) –, ele invariavelmente era precedido de alguns desenhos animados do “Tom & Jerry”.
Você, que provavelmente só conheceu esse cartoon pela TV, não pode imaginar o êxtase que era assistir à animação numa tela de cinema. E estou falando, claro, dos antigos “Tom & Jerry” – aqueles em que os adultos nunca eram mostrados acima dos tornozelos, e as peripécias da briga entre o gato e o rato eram de fato originais e inteligentes. E ainda havia aquela trilha sonora original, onde cada movimento musical era sincopado com o menor gesto que os personagens faziam…
Minha avó – tenho o prazer de relembrar – várias vezes parecia se divertir mais com os desenhos do que eu. Mais de uma vez me lembro de ter ficado muito mais fascinado com sua deliciosa gargalhada do que com a ação do desenho animado – e seu riso solto, claro, era fruto não de um olhar infantil, mas da sabedoria (que, espero, vem com a idade) de saber achar graça nas coisas mais simples da vida.
Tenho uma saudade imensa dessa minha avó – que era mãe de minha mãe, e que curiosamente eu chamava de “Mainha”. Quase 20 anos depois de ela ter morrido, meu registro da sua companhia naquelas manhãs de domingo na sala do (suposto) Cine Veneza – que, ao contrário da sessão que conferi na quarta passada, estava sempre cheia de crianças super excitadas, com seus respectivos acompanhantes semi-desesperados –, me fez uma agradável companhia durante toda a projeção dessa que é talvez a mais adorável criação dos estúdios da Pixar (que eu só compararia, talvez, com “Ratatouille”).
Queria que minha avó estivesse comigo desde o início do filme, quando duas crianças que sonham com aviões e aventuras se conhecem – e mais adiante se casam e constroem juntos uma vida feliz e solitária. Ou melhor, solitária e feliz. Essa biografia de Carl e Ellie – os personagens – é contada em menos de três minutos, sem texto algum, e é uma das coisas mais bonitas e sucintas que eu já vi no cinema – uma espécie de antítese de “Benjamin Button”… Ela tem um final triste – Ellie morre (e não venha me falar que isso é um “spoiler”, por favor… isso acontece no primeiro quarto de hora do filme!). Mas é com essa tristeza que nós vamos acompanhar, dali em diante, toda a alegria de Carl aos 78 anos!
Queria que minha avó estivesse comigo quando, para realizar um sonho de infância seu e de sua mulher, Carl pendura balões de gás na casa onde morou toda sua vida adulta, e vai para um “misterioso” lugar na América do Sul (possivelmente no Brasil, embora nada fique muito claro – nem no mapa!). Seu sonho é instalar sua casa no alto de uma cachoeira lendária, e ao chegar lá, novas aventuras aguardam Carl – que, sem querer, ainda trouxe “de carona”, um desorientado escoteiro chamado Russell. Um pássaro colorido (Kevin), uma matilha de cães falantes – proeza que eles adquirem graças a um “aparelho” instalado em suas coleiras, que, quando está com defeito transforma a voz dos cachorros mais bravos com efeitos hilários! –, e um vilão impecável (que era, na verdade, o herói da juventude de Carl e Ellie), completam o enxuto “elenco”. Você pode até considerar a própria casa – que atravessa continentes suspensa pelos balões de gás – como um personagem também… Mas o que importa é que com muito poucos elementos – e uma história para lá de fantasiosa –, “Up” me fez chorar mais do que… bem… mais do que eu tinha me preparado para chorar. Vários amigos tinham me avisado de que o filme era muito emocionante, mas quando vi Carl abrindo pela última vez o caderno de anotações que ela tinha desde criança, desabei. E o filme não estava nem perto da metade…
Lembrei-me de novo da minha avó. Mas não posso atribuir essa emoção toda a uma referência tão pessoal. O filme é um sucesso (um bilheteria de quase 300 milhões de dólares, só nos Estados Unidos!) porque fala não especificamente (e exclusivamente) às minhas memórias mas aos sonhos de muita – muita! – gente. Assim como eu “viajei” sozinho naquele cinema para as matinês da minha infância (por associações mnemônicas que eu mesmo não sei como explicar), “Up” tem o poder de oferecer inúmeros “pontapés iniciais” de processos associativos – e, assim, deixar feliz desde o “vovô” que sonhava ser aviador, à garota curiosa por pássaros exóticos. Tem romance na história de Carl e Ellie, e aventura – muitas vezes vertiginosa! – nas sequências de perseguição (especialmente nas cenas finais, em cima de um dirigível!). Tem também “tomadas” de ângulos incríveis (imagine a farra que os animadores não fizeram com um desenho de animação que se passa no ar…) e diversas situações que vão fazer você rir. Tem cores vivas e música envolvente. Tem tudo de bom.
Estou entusiasmado eu sei – e, pior, estou atrasado no meu entusiasmo, já que “Up” está em cartaz há algumas semanas (sou eu que, isolado lá nas gravações de “No Limite”, estou correndo para me atualizar com os lançamentos do cinema… e ainda falta tanta coisa…). Mesmo assim quis dividir com você esse momento de pura memória, emoção e… infantilidade – no melhor dos sentidos. Afinal, se eu não puder fazer isso hoje, justo quando coincidiu o dia de post ser o próprio Dia das Crianças, quando é que eu vou fazer?
ZECA CAMARGO
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