sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Cinema, Cinema norte-americano, Crítica de filme, Movie

Jack Goes Boating – Vejo Você no Próximo Verão

julho 10, 2011 1 comentário

Ah, que diferença faz um texto bem escrito! Um filme simples, para variar. Que não complica o que não precisa ser complicado. E que, com muita sensibilidade, sequências perfeitas, simplicidade, um ótimo roteiro, atores afinados e uma trilha sonora impecável, mostra como um filme pode ser delicioso. Jack Goes Boating conquista o espectador da mesma forma com que o seu protagonista luta para vencer desafios e para conquistar a própria felicidade. Com direção e uma interpretação impecável de Philip Seymour Hoffman, é destes filmes que mostra, por A + B, qual é a grande graça do amor.

A HISTÓRIA: Deitado na cama, com as mãos cruzadas sobre o peito, Jack (Philip Seymour Hoffman) parece mergulhado em reflexões profundas. Depois, sentado em uma das limousines da empresa de seu tio, Frank (Richard Petrocelli), ele coloca um reggae para relaxar. Neste momento, ele acerta com o amigo e parceiro de trabalho, Clyde (John Ortiz) para conhecer a Connie (Amy Ryan). Ela começou há pouco a trabalhar com a mulher de Clyde, Lucy (Daphne Rubin-Vega). Confiante que este é o momento de começar um relacionamento pra valer, Jack vai investir em Connie, encarando diferentes desafios para que eles dêem certo. Paralelamente, o casamento de Clyde e Lucy passa por uma de suas piores crises.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Jack Goes Boating): Com tantas histórias de amor contadas pelo cinema, como tratar de um romance sem parecer repetitivo? Bem, uma das formas mais óbvias é pegar um casal totalmente fora dos padrões e contar a sua história. É basicamente isso que o ator e diretor Philip Seymour Hoffman faz com Jack Goes Boating. Mas não é apenas isso que ele faz.

Como escrevi anteriormente na crítica de Gigante, outro filme romântico que foge dos padrões, é muito bom quando um roteiro nos surpreende positivamente com uma história nada óbvia. Mas não basta isso para que uma produção seja excepcional. É importante também que ela vá direto ao ponto, não enrole. Que seja simples, concisa, mas nem por isso menos sensível. Isso vale tanto para as linhas do roteiro, para os diálogos entre os atores, como também para a condução da trama, para as cenas filmadas. Jack Goes Boating consegue aliar tudo isso.

Esta é uma linda história de amor. Que como a vida mesma, não está inerte aos problemas, aos sustos e ao drama. Existe medo, alguma dose de violência e loucura nesta produção. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mas mais que isso, existe o comprometimento. A determinação de Jack e Connie para apaixonarem-se. O que apenas reforça uma teoria que eu tenho há muito tempo: algumas vezes, tão ou mais importante que ter sintonia com outra pessoa, é a vontade que você e esta outra pessoa tem para ficarem encantados um com o outro. Porque não existem pessoas perfeitas. Isso Jack Goes Boating deixa muito claro. O que existe são pessoas que concordam em ficarem juntas, em dedicarem-se uma a outra porque, juntas, elas são melhores do que separadas, isoladas. É isso, nada mais, nada menos.

Agora, quantos filmes conseguiram falar isso e de forma tão leve, tão despretensiosa e bonita? Poucos, muito poucos. Além de ter essa ideia central, Jack Goes Boating tem outro diferencial que me deixou, devo admitir, encantada. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). A forma com que o roteirista Robert Glaudini, autor também da peça teatral que originou este filme, revela sem receio as “feridas” e dilemas que os dois personagens principais devem curar/enfrentar antes de conseguirem ser felizes juntos. E mais que isso, o esforço verdadeiramente belo de Jack e Connie para enfrentar esses “demônios”, medos e traumas com uma única certeza: que era preciso vencê-los para que eles conseguissem o que queriam. Nada menos que ser felizes. E que belo o esforço dos dois para isso. Especialmente os desafios de Jack que, após soltar duas ideias para Connie, sentiu-se “obrigado” a aprender a nadar e a cozinhar para conquistá-la.

Ah, vamos e venhamos, há algo mais lindo no amor do que uma pessoa se esforçar para conquistar a outra? E não com mentiras, máscaras ou simulações, mas com um verdadeiro esforço para ser melhor, para superar-se e para aprender coisas novas. Essa é a essência deste filme, e uma mensagem que pode servir de incentivo para muitas pessoas que talvez fujam do “padrão” de beleza atual. Porque nenhum dos personagens de Jack Goes Boating pode ser considerado um modelo de beleza. E, ainda assim, eles são belíssimos. Porque o que interessa, no fim das contas – e vou ser bem lugar-comum agora – não é a superfície, mas o que as pessoas fazem, como elas atuam, de que forma elas percebem os outros e se posicionam frente à vida. Todo aquele pacote que verdadeiramente dá significado a um indivíduo e o diferencia dos outros.

Bastante interessante, também, o proposital momento distinto que vivem os dois casais de protagonistas desta história. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Aparentemente, Clyde e Lucy eram experientes no amor, sabiam muito mais sobre relacionamentos que os “solteirões” Jack e Connie. Pela ótica da sociedade, os solteirões é que são os “estranhos”, talvez até sentimentalmente problemáticos. Só que eles, mesmo com várias razões para preservarem os seus respectivos traumas – Jack por fugir dos padrões de beleza, Connie pelos repetidos abusos pelos quais passou -, enfrentaram os próprios demônios para começarem uma nova relação, sabendo que ela será feita de muitos desafios. Mas optaram por amar e por lutar por um aprendizado conjunto. Clyde e Lucy, por outro lado, tão experientes no amor, não conseguiram atingir a maturidade no relacionamento. Os dois se enxergavam como pessoas que poderiam dar conselhos para os amigos “despreparados” até que, no final das contas, quem poderia dar lição para eles era justamente Jack e Connie.

Talvez uma das grandes mensagens do filme é que para uma relação dar certo, mais que qualquer outra coisa, é preciso que as pessoas queiram que ela dê certo. É necessário ter fé no relacionamento, dedicar-se para que as coisas funcionem. Isso vale muito mais do que afinidade de signos, idade, semelhanças de classe social, educação ou o que for. Ficar fascinado por alguém e dedicar-se a ser bom e bacana para aquela pessoa é o que faz a diferença. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Há uma cena específica, em Jack Goes Boating, que eu tenho certeza que pode ter deixado muita gente com “as orelhas em pé”. Aquela em que Jack pergunta para Connie o que ela quer em um homem e ela faz a mesma pergunta para ele. Há quem possa argumentar que isso é bobagem, que ninguém vai mudar por causa do que a outra pessoa quer. Mas realmente o que cada um deles falou é algo absurdo? O que nós queremos de outra pessoa é algo tão esquemático que não vai respeitar a individualidade de quem a gente gosta? Não, acho que não. Mas o gesto deles é o que importa: quantos de nós já fizemos essa pergunta para quem gostamos? A preocupação de Jack e de Connie tem total fundamento porque, ao saberem claramente sobre a expectativa do outro, eles vão tentar suprí-la, mas sem perderem as suas próprias características. E caso a expectativa seja absurda, nada melhor do que saber sobre ela logo de cara para, se for o caso, pular fora do barco antes que ele afunde.

Alguém que olhar com displicência para esse filme pode achá-lo simples demais, talvez até um pouco “bobo”. Mas se você percebê-lo com um pouco mais de atenção, vai notar a inteligência do roteiro. Jack Goes Boating mostra que é possível ser genial sendo simples. E que, aliás, esse é o melhor caminho. Porque tenho certeza que este filme poderá ser assistido por pessoas de qualquer idade e que elas, não importa de onde são ou o que fizeram da vida, não terão dificuldade de entender a essência da história. Isso sim é uma peça de arte. Porque a arte, verdadeira, tem essa característica de universalidade. Além disso, sei que um filme está bem acima da média quando eu tenho dificuldade de escolher apenas uma sequência ou uma parte do roteiro como favorita. Nesta produção há várias partes que eu poderia selecionar. Mas há uma, em especial, que me deixou encantada. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Todas as sequências em que Jack planeja o que vai fazer, repete mentalmente as suas ações futuras, em busca da perfeição, são excepcionais. Mas aquela em que dá braçadas sobre a passarela que passa por cima de uma avenida movimentada de carros é especialmente bela. De arrepiar.

NOTA: 10.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Só um grande ator pode saber exatamente o que interessa ou o que pode sobrar em um filme. Jack Goes Boating tem a duração exata e faz cada minuto da produção ser deliciado pelos espectadores. Isso porque Philip Seymour Hoffman preocupou-se, e isso fica evidente na produção, com cada cena. Nenhum diálogo ou imagem está sobrando. Não há gorduras para cortar. O que apenas destaca o ótimo roteiro de Robert Glaudini, a direção de Hoffman e a super competente edição de Brian A. Kates.

O filme começa a ganhar alma e corpo naquele primeiro encontro entre Jack e Connie. A conversa é absurda. Mas matematicamente desenhada para mostrar a “fobia” social dos personagens que estão tentando sair das suas respectivas zonas de conforto – e de isolamento. Seja o desabafo de Connie, seja a paciência infinita de Jack – e sua forma de responder sem responder nada do que ela está dizendo -, estes elementos refletem com uma precisão espantosa e simultânea a “situação das coisas” da mesma forma com que revela o esforço deles para alterar este quadro. Lindo. Depois, claro, o filme só vai crescendo em relação aos diálogos. Tão bacana ver o quanto as pessoas podem prestar a atenção no que as outras estão falando, e não apenas perfilar uma série de frases vazias e/ou forjadas para criar uma impressão – muita vezes falsa.

Logo no início, achei fantástica a trilha sonora deste filme. Palmas para a dupla Grizzly Bear e Evan Lurie. Como deveria acontecer sempre no cinema, em Jack Goes Boating a trilha sonora compõe a história e ajuda a contá-la. A música vira parte da “alma” da produção. Representa, neste caso, não apenas o gosto musical do protagonista, mas um estilo de vida que Jack escolheu adotar. Claro que a música acaba rendendo “detalhes” cômicos, como os “rastas” que o personagem adota lá pelas tantas. Mas se todos nós somos “mutantes”, estamos sempre nos recriando conforme avançamos na vida, por que ele não pode assumir uma postura que ele acha interessante e dominá-la em certa altura da vida? Achei genial. Até porque reforça outro conceito que eu há tempos acredito: que nós somos e seremos aquilo que quisermos. Porque somos produtos de muitas coisas mas, especialmente, das escolhas que nós mesmos fazemos.

Muito bacana também, e merece aplausos, a direção de fotografia de W. Mott Hupfel III. Pelas lentes dele, acompanhamos o melhor das interpretações dos fabulosos atores em cena. Hupfel III exprime a vivacidade da história, está atento a todos os detalhes. Junto com a direção de Hoffman, destaca o trabalho dos atores e a beleza de cada cena. Um grande trabalho.

Falando em atores, tiro o meu chapéu para o quarteto que lidera a narrativa. Todos estão muito bem. Tenho dificuldade de destacar um nome. Claro que Hoffman sempre faz um trabalho acima da média e se destaca. Até porque ele é o protagonista. Mas achei igualmente estupendas as interpretações de John Ortiz, Amy Ryan (especialmente) e de Daphne Rubin-Vega. Todos se entregam e exprimem com veracidade cada diálogo do roteiro. Mais palmas. Além deles, vale citar o bom trabalho dos coadjuvantes Thomas McCarthy como Dr. Bob e Salvatore Inzerillo em uma rápida aparição como Federic/Cannoli.

Curioso, mas eu acho que eu fiquei mais empolgada com esse filme do que a média das pessoas que o assistiram. Digo isso porque os usuários do site IMDb deram apenas a nota 6,4 para a produção. E os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes também não foram muito além disso: eles dedicaram 56 críticas positivas e 28 negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 67% – e uma nota média de 6,4. Mas pelo menos críticos respeitados como Tom Long, Lisa Kennedy, Roger Moore e J.R. Jones aprovaram o filme. Não estou sozinha. :) Ainda assim, eu acho que é bom alertar as pessoas que estão lendo esse texto e que ainda não viram ao filme que, talvez, vocês devam pensar que apenas eu me empolguei com ele. hehehehehe
E uma curiosidade sobre a produção: antes de protagonizar e dirigir este filme, Philip Seymour Hoffman havia interpretado o mesmo papel no teatro, na peça original. Sinal que ele gostou tanto do projeto que decidiu “eternizá-lo” para o cinema. Bacana.

Em relação às bilheterias, Jack Goes Boating conseguiu um resultado bastante baixo nos Estados Unidos. Entre setembro e novembro do ano passado, quando o filme ficou em cartaz, ele conseguiu arrecadar pouco mais de US$ 538,8 mil nas bilheterias. Muito pouco para os padrões de Hollywood – e em uma produção envolvendo um nome conhecido como o de Hoffman.

Jack Goes Boating estrou em janeiro de 2010 no Festival de Sundance. Depois, a produção passou por outros seis festivais, incluindo os de Toronto, Tokyo, Turin e Dubai. Nesta trajetória, ele não ganhou nenhum prêmio. Foi indicado a quatro, um no Prêmio Gotham e a outros três no Independent Spirit, mas não embolsou nenhum deles. Talvez os críticos e o público tenham achado ele “simples” demais para ser digno a prêmios.

Para quem ficou curioso, como eu, para saber onde a produção foi filmada, Jack Goes Boating foi inteiramente rodado em Nova York.

Ah, e vale comentar: este filme marca a estreia na direção do super premiado ator Philip Seymour Hoffman. Depois de estrelar 54 outras produções, o ator resolveu interpretar o protagonista e dirigir este filme. Espero que ele se aventure mais vezes na direção porque ele leva jeito.
CONCLUSÃO: No primeiro diálogo complicado, engraçado e complexo entre os protagonistas, fica claro que Jack Goes Boating não é um filme comum. Esqueça os diálogos prontos, as saídas frequentes para os problemas expostos pelos roteiros. Aqui há invenção. Aliando grandes tiradas, um permanente e eficaz equilíbrio entre humor e drama, uma inusitada carga sexual/sensual e um olhar sensível para os sentimentos dos principais personagens, este é um filme que fala sobre escolhas. Sobre o quanto mágico pode ser quando as pessoas se permitem. Quando elas tomam a decisão de amar e se entregam a isso, mesmo com todas as dificuldades que uma relação pode significar. Porque apesar de ser uma comédia romântica bastante diferente dos padrões, Jack Goes Boating não ignora os problemas e revela apenas a beleza do amor. Não. Pelo contrário, este filme torna muito evidente como uma relação só perdura com o investimento de cada um dos envolvidos cotidianamente. É preciso esforçar-se. Mas também relaxar, entregar-se. Um filme lindo, inspirador. E, como a nota mesmo sugere, altamente recomendável.
 
 
 

Blue Valentine – Namorados para Sempre


O que acontece com o amor quando termina o encanto? Provavelmente existe mais do que uma resposta para esta pergunta. Mas quando o novo estágio, após o encantamento, significa o fim do que era novo, genial e interessante, quando a relação perde o sabor, as cores e aromas, não existe muito espaço para múltiplas escolhas. Blue Valentine fala sobre isso. Sobre um amor que começa surpreendente e que segue em uma trilha de desgaste. É a história de uma família que tem química, mas que é formada por um casal que parece não ter mais paciência e nem oxigênio. Um filme com estilo, uma ótima trilha sonora e dois atores afinadíssimos.

A HISTÓRIA: Uma menina grita desesperada em busca da Megan. Enquanto os grilos cantam e a rua continua deserta, o pai dela, Dean (Ryan Gosling), continua dormindo em uma poltrona. Cansada de buscar sozinha, Frankie (Faith Wladyka) acorda o pai. Ele vai até o lado de fora da casa e descobre que a cadela da família fugiu. Junto com a filha, ele acorda a esposa, Cindy (Michelle Williams). Ela apronta o café da manhã e se cansa com as brincadeiras do marido, que tocava música antes de comer cereais direto da mesa. Cindy leva a menina para a escola, e a relação do casal começa a se revelar desgastada, ao mesmo tempo em que acompanhamos como Cindy e Dean se conheceram e se apaixonaram.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Blue Valentine): Interessante como se desenvolve o ritmo naturalista deste filme. Primeiro, o estilo de filmagem do diretor e roteirista Derek Cianfrance que, desde o primeiro até o último segundo da produção escolhe, deliberadamente, os cortes e ângulos de câmera mais naturalistas possíveis. Paisagens, a dinâmica dos gestos e das relações das pessoas sempre estão em primeiro plano e parecem servir como guia para os movimentos das câmeras.

Depois, chama a atenção o desenvolvimento naturalista da trama. Assinado pelo diretor e por Cami Delavigne e Joey Curtis, o roteiro de Blue Valentine evita as frases feitas. E quando elas aparecem, surgem de forma automática, algumas vezes irônica. Mas o mais interessante, no texto, é que por grande parte do filme a personagem de Cindy assume, sozinha, a roupagem de “bandida” da história. Nada mais natural, seguindo os preceitos de nossas sociedades ainda um bocado machistas – ao ponto de colocarem, sobre as mulheres, eternamente a aura de “chatas” e impacientes.

Nesta produção, acompanhamos uma história de amor. Que ainda não terminou, mesmo que do sentimento original reste pouco. (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). E o interessante é que por grande parte da história – e aposto que, para muitas pessoas, mesmo depois que ela termine – a “vilã” da produção é a personagem interpretada por Michelle Williams. Ela é quem resiste. Parece ser a parte do casal que não cede, que não aceita a falta de ambição do marido. Mas eu vejo algo além disso.

É difícil, para quem ama, aceitar o desperdício de um potencial. Complicado ver alguém que poderia ser muito melhor, fazer muito mais, desenvolver-se plenamente, gastar esse potencial em nada. Esta é uma das maiores dificuldades de Cindy em relação a Dean. Mas há uma cena fundamental na trama, quando eles conversam francamente em um quarto de motel, em que ele desabafa que tudo o que ele quer, e que não sabia que queria, era ter uma família e cuidar dela. E o que fazer, com esta diferença tão brutal de visões de mundo?

Pois eis a questão e o problema fundamental na história do casal de Blue Valentine. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). E talvez de tantos e tantos outros casais que não conseguem mais viver juntos. A dificuldade em encontrar um denominador comum, em lidar com as expectativas individuais em prol de um projeto conjunto. No caso de Cindy e de Dean, a convivência foi mostrando também como eles tem algumas visões de mundo e de hábitos bem distintas. Ela não suporta ver o marido dormindo até tarde, tomando uma cerveja as 8h e saindo para trabalhar um dia aqui, outro ali, sem grandes perspectivas de melhorar de vida. Como enfermeira, ela tem mais estabilidade e, claro, está preocupada com o futuro da filha. Mas para Dean, nada mais importante que ajudar a pagar as contas da casa e ter o máximo de tempo livre para curtir a família – ainda que, na prática, nem sempre ele consiga isso.

O desgaste está formado. E apenas cresce. E como lidar com ele? Bem, para dar uma temperada nesta história e torná-la um bocado mais dura, não acompanhamos apenas a derrocada da relação de Cindy e Dean. Sem avisar, e de maneira muito sutil, o diretor e os roteiristas nos levam para alguns anos antes na história, quando o casal se conheceu. Há cenas verdadeiramente encantadoras, nesta parte, como a sequencia impagável em que Dean faz Cindy dançar. Ah, o amor, como ele é lindo. Como a conquista, a fase em que as pessoas se apaixonam e se encantam, é maravilhosa. Mas e depois?

Bem, nunca há regras para o depois. A história dos dois poderia ter dado muito certo. Ou poderia ter acontecido o que nos foi apresentado neste filme. O que chama a atenção em Blue Valentine, em relação a outros filmes, é que aqui há pouco fingimento. Tanto os momentos lindos e encantadores são apresentados de forma precisa para provocar este tipo de sentimento no espectador quanto os momentos de desgaste, de falta de sintonia e de esperança são filmados com a mesma honestidade. Por isso, cá entre nós, imagino que seja impossível passar incólume por este filme. O que faz dele, apenas por isto, uma interessante peça de cinema. Afinal, um dos objetivos da 7Arte não é, justamente, mexer conosco? Pois posso garantir que Blue Valentine mexe com o público. Tanto com os apaixonados inveterados quanto com aqueles que sabem que histórias de amor podem ser bastante complicadas.

NOTA: 9.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Fiquei impressionada com o belo trabalho da dupla Michelle Williams e Ryan Gosling. De forma precisa, bastante honesta e sem aquelas irritantes “caras e bocas” e forçações de barra que mesmo atores experientes algumas vezes encenam – talvez por cansaço ou por não adotarem os roteiros como dignos de esforço – eles apresentam um trabalho digno de aplausos. Ela é “cruel” e direta sempre que a personagem pede. Ele é dedicado e “avoado” conforme manda o script. E nas cenas de tensão sexual, conquista e encantamento, os dois atores conseguem a química ideal. Sem ter que tirar ou por.

Esse é o primeiro trabalho do diretor Derek Cianfrance que eu lembro de ter assistido. Gostei do estilo dele. Claro que a forma dele em conduzir a trama não é, exatamente, inédita. Mas aí entramos no velho tema: o quanto de ineditismo realmente ainda é possivel no cinema atualmente, depois de mais de 110 anos de história e invenções? Bem, outros cineastas também preferem essa levada “naturalista” de Cianfrance, o que não desmerece, nem um pouco a sua escolha.

Ajudou muito no efeito final da produção dois itens que sempre são fundamentais no cinema: a direção de fotografia de Andrij Parekh e a trilha sonora ajustadíssima de Grizzly Bear. A fotografia do estadunidense Parekh, que tem descendência ucraniana e indiana, potencializa as cores naturais de cada cena, tornando os tons terrais ainda mais “pesados” e/ou “envelhecidos” e os azuis, de longas cenas de tensão, ainda mais densos. Bacana. Recursos que funcionam sempre muito bem.

O trabalho de Bear é muito pontual, preciso, apresentando uma música ajustada para os momentos mais delicados ou nos quais o autor quer reforçar uma ideia. No restante do tempo, escutamos muitos sons “das ruas”, das casas, vizinhanças, o som natural da vida. Também gostei. Bear assina, realmente, grande parte das composições. Além dele, vale citar a música Smoke Gets In Your Eyes, clássico do The Platters, e You and Me, de Penny & The Quarters.

Merece uma menção especial o trabalho feito com os créditos finais do filme. Uma forma interessante de fechar de uma forma, digamos assim “esperançosa”, uma produção com muitos momentos complicados.  Mesmo porque, mesmo quando o amor termina, os momentos bacanas permanecem. Mesmo que no passado ou, quem sabe, flutuando em algum lugar no cosmos, podendo dar frutos – nem que for como inspiração para outras pessoas. Acho que eu acredito nisso.


:)
Da equipe técnica, vale citar o bom trabalho dos editores Jim Helton e Ron Patane. Dos demais atores, a atriz que tem um destaque um pouco maior, em uma produção dominada por Ryan Gosling e Michelle Williams, é a filha deles na trama, interpretada por Faith Wladyka. Ela faz um bom trabalho, ainda que nada excepcional – até porque, cá entre nós, nem era necessário. No mais, vale citar as rápidas aparições dos coadjuvantes John Doman, como Jerry, pai de Cindy; e de Mike Vogel como Bobby Ontario, com quem ela tinha uma relação antes de conhecer Dean.

Blue Valentine estrou no dia 24 de janeiro de 2010 no Festival de Sundance. Depois ele participou dos festivais de Cannes, Toronto, Londres, Vienna, Gijón, Rotterdam e Buenos Aires, entre outros. Em sua trajetória, a produção conseguiu conquistar dois prêmios: o de melhor cineasta revelação para Derek Cianfrance segundo a associação de críticos de cinema de Chicago, e o de melhor atriz para Michelle Williams segundo o círculo de críticos de cinema de San Francisco. Blue Valentine foi indicado, ainda, para outros 16 prêmios, incluindo o prêmio principal em Sundance, duas indicações para os atores principais no Globo de Ouro deste ano e uma indicação para Michelle Williams no Oscar 2011.

Falando em Oscar, Michelle Williams perdeu a estatueta para Natalie Portman, protagonista de Black Swan. Francamente, ainda acho que Natalie Portman mereceu o Oscar. Mas admito que Michelle Williams, ao lado de Annette Bening, tornou a disputa deste ano bastante acirrada. As duas fizeram um grande trabalho em seus respectivos filmes. Mais do que a queridinha – e com razão, porque ela é talentosa – Jennifer Lawrence. O trabalho de Nicole Kidman que concorreu ao último Oscar eu ainda não vi, para poder comentar.

Produção de baixo custo, Blue Valentine teria custado US$ 1 milhão. Uma ninharia para os padrões de Hollywood – onde não é raro encontrar produções custando 80, 100 ou 200 vezes este valor. Apenas nos Estados Unidos o filme conseguiu, até o dia 17 de abril deste ano, pouco mais de US$ 9 milhões nas bilheterias. Pouco, em comparação a outros filmes, mas um belo resultado para uma produção que custou tão pouco.

Para quem ficou interessado em saber onde Blue Valentine foi rodado, ele foi filmado em Nova York, em bairros tradicionais como Manhattan, Queens e o Brooklyn, e em várias partes do estado da Pennsylvania.

Diz a lenda que o US$ 1 milhão gasto com o filme teria sido financiado pelo prêmio de roteiro que Chrysler Film Project ganho em 2006. Por isso mesmo que fico me perguntando se realmente o filme custou isso ou foi o que os produtores justificaram. De qualquer forma, a produção saiu com uma boa alavanca devido à qualidade de seu roteiro.

Interessante que os realizadores decidiram adiar as filmagens de Blue Valentine devido à morte do ator Heath Ledger, com quem Michelle Williams tinha sido casada e com quem ela tinha uma filha. Decidiram esperar o tempo necessário para que ela pudesse se dedicar ao projeto. Valeu a pena, sem dúvida.

Agora, uma curiosidade técnica: as cenas de Cindy e Dean que mostram quando eles se conheceram e seguem até eles se casarem foram filmadas em Super 16mm, enquanto que as cenas deles juntos, casados, foram rodadas em RED.

E outra curiosidade da produção: as cenas do casal na fase “enamorada” foram filmadas primeiro, durante três semanas. Depois desta fase, Ryan Gosling e Michelle Williams viveram juntos em uma casa por um mês, fazendo coisas banais, como indo às compras, cozinhando, jantando, etc., para afinar a técnica de conversarem como um casal e “brigarem” um com o outro. Por isso mesmo tanto realismo em cena.

Michele Williams aceitou fazer o filme porque ela tinha gostado muito do roteiro. Mas quando o projeto começou a ser filmado, o diretor sugeriu que os atores improvisassem mais as falas do que simplesmente seguissem o roteiro. Inicialmente a atriz foi mais resistente à ideia. mas Gosling teria gostado do improviso porque disse que tinha dificuldades de lembrar de todas as falas. Mais uma razão para o filme fluir tão bem. Ainda que, cá entre nós, esse fato me deixou curiosa para saber como seria o roteiro original, sem as improvisações.

Fiquei impressionada com a obstinação do diretor Derek Cianfrance com esta produção. Ele dedicou 12 anos para que o filme fosse concretizado. Além de ter trabalhado em várias versões para o roteiro, ele produziu vários documentários para conseguir dinheiro para que Blue Valentine fosse concretizado. Ser obstinado realmente vale a pena – e nos leva a alguns feitos/lugares.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,6 para a produção. Uma nota boa, considerando a média de notas do site. Mas os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes foram mais generosos: publicaram 152 críticas positivas e apenas 22 negativas para a produção, o que lhe garantiu uma aprovação de 87% – e uma nota média de 7,7.

CONCLUSÃO: Este não é um filme simples. Nem fácil de assistir. Isso porque nunca é fácil assistir à crise de um casamento. Essa é a primeira informação que você precisa ter em mente. Além disso, tenha certeza, há muitas sequências incríveis nesta história, de pura sintonia entre os protagonistas. Cenas líricas, bacanas, musicais, encantadoras. Cenas duras, de diálogos ácidos, de choque de expectativas, destas cenas que podem fazer o coração partir. Blue Valentine é isto, um filme sincero sobre conquista e desgaste. De como os sonhos das pessoas e o amor que elas sentem, muitas vezes são incompatíveis. Uma produção com direção e roteiro honestos, sensíveis, e que ainda conta com um casal de atores dedicados. Para quem tem o coração aberto a assistir o pior que a ferrugem e o desgaste podem fazer, é uma grande produção.


Source Code – Contra o Tempo


Como é bom assistir a um roteiro que tem originalidade. Finalmente um filme de ficção científica que não faz um “apanhadão” geral de várias ideias anteriores – sim, sempre que eu posso eu dou esta “cutucada” no fraco Inception. Source Code é destas produções que comprovam que ainda é possível ser original no cinema, mesmo que isso não signifique redescobrir a roda. E nem é preciso. Basta um roteiro que convença, que envolva e interesse do início ao final. E Source Code consegue isso. Sem contar que o filme é protagonizado pelo ótimo Jake Gyllenhaal, bem acompanhado de Michelle Monaghan e Vera Farmiga. Diversão garantida – e com uma boa dose de ideias novas, para nosso alívio.

A HISTÓRIA: Grande cidades, estradas movimentadas e um trem percorre com rapidez alguns trilhos. Um homem dentro do trem acorda relutante. Ele parece perdido. À sua frente, uma mulher agradece por um conselho que ele lhe deu. Um rapaz sentado no mesmo vagão abre uma lata de refrigerante e, em seguida, uma mulher derrama café no sapato do protagonista. A mulher à frente dele lhe chama de Sean, mas ele continua aturdido. Em seguida, um homem reclama do horário e a mulher em frente ao protagonista reclama do ex-namorado que está ligando pela terceira vez naquele dia. Ela avisa que deu aviso prévio, ele fica surpreso, e pouco depois pedem para ver o bilhete de trem dele.  Após ouvir algumas reclamações de passageiros sobre o atraso do trem, ele diz para a mulher que está a sua frente que ele não é a pessoa que ela pensa que é, mas que se chama Colter Stevens (Jake Gyllenhaal), é capitão do Exército e piloto militar em missão no Afeganistão. Ele sai do trem para tomar um ar, e pergunta onde está, quando descobre que o trem parou em Chicago. Ele volta para o vagão e vê, no reflexo da janela, um rosto que não é o seu. No banheiro, confirma a impressão. Pouco depois, ele acorda em uma sala escura e descobre, ao falar com a militar Colleen Goodwin (Vera Farmiga), que está em um missão estranha. Ele tem oito minutos da memória de Sean Fentress (Frédérick De Grandpré) para descobrir quem é o culpado e onde está a bomba que explodiu o trem em que o professor estava junto de Christina Warren (Michelle Monaghan). Se cumprir a sua missão, Stevens poderá evitar um segundo e mais destrutivo ataque terrorista nos Estados Unidos.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Source Code): A impressão inicial que eu tive de Source Code não foi das melhores. As cenas que abrem a produção, durante os créditos, são acompanhadas de uma trilha sonora exageradamente dramática. Naquele momento, pensei: “Será que esse filme vai ser um daqueles exageros em que o roteiro vai tentar, a todo momento, pregar peças no espectador? Dai-me paciência se for assim…”. A abertura do filme, parte da trilha sonora de Chris Bacon, está realmente um pouco acima do tom. Mas o exagero não atrapalha o desenrolar da história porque, afinal de contas, ela é muito boa.

Por mais que o filme, como qualquer boa história de suspense, possa dar algumas dicas aqui e ali logo no início, ele não cai em armadilhas comuns como entregar informações demais para o espectador antes da hora ou pregar peças desnecessária para tentar surpreender quem está assistindo. Não. O roteiro de Ben Ripley tem um ritmo perfeito. Ele utiliza, para começar, um artifício bastante conhecido: coloca o espectador na mesma posição “perdida” do protagonista. Assim, a história cria uma identificação entre o personagem principal e quem está assistindo ao filme. Contribui para isso, também, o carisma de Gyllenhaal, um cara que veste perfeitamente a “roupa” de herói comum.

Muito interessante como o roteiro vai ganhando corpo com o tempo. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). E quem pudesse esperar que uma volta ad infinitum na história, com repetidas incursões de Stevens nos oito minutos de memória preservada de Sean Fentress, pudesse tornar o filme cansativo, vai se surpreender, como eu me surpreendi, nos recursos utilizados pelo roteirista e pelo diretor Duncan Jones para não tornar estes retornos “mais do mesmo”. Inteligentes, eles criaram uma forma do personagem de Stevens retornar sempre com algum elemento novo e, mesmo o que se repetia, não parecer cansativo com ângulos e dinâmicas diferentes de filmagens.

Uma outra qualidade do roteiro: ele explica o que está acontecendo de maneira rápida, breve, sem dar muitas voltas ou complicar o que não precisa ser complicado. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Junto com Stevens, vamos descobrindo, pouco a pouco, o que está acontecendo. Sabemos, primeiro, que ele não pode evitar a catástrofe da explosão do trem. E que qualquer tentativa de fazer isso é “irrelevante”, como insiste Goodwin. Com esta informação, o personagem e os espectadores descobrem que ele está acessando sempre a memória de um morto, mas que por uma estranha razão, ele não a acessa como uma gravação de videotape, mas consegue explorar aquela realidade já passada de tempo e espaço para descobrir informações novas.

Além do mistério do trem, que por si só já tornaria a história interessante, há outro mistério paralelo. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Afinal, por que a “capsula” em que Stevens está parece estar sempre com algum problema? Ele está em risco? E se está, porque as pessoas responsáveis pela missão dele não podem ajudá-lo? As respostas para os dois mistérios vão aparecendo aos poucos e simultaneamente, porque o protagonista não está interessado apenas em terminar a missão que deram para ele, mas entender o que aconteceu com ele desde a sua última memória, que era de ser um piloto de helicóptero no Afeganistão. Um pouco por “acidente” e um tanto a contragosto, o cientista Dr. Rutledge (Jeffrey Wright) explica para Stevens, bem an passant, alguns princípios de mecânica quântica. Fala de “cálculos de parábolas”, explica que “há reflexões quando uma luz se apaga”, o efeito halo, que se aplica também ao cérebro humano.

O “campo eletromagnético” do cérebro continuaria a funcionar brevemente mesmo após a morte. (SPOILER – não leia… você sabe). “O circuito continua aberto” e o cérebro consegue manter preservado os últimos oito minutos da memória da pessoa. Estes dois fatores permitem que seja criado o “código fonte”, que explora a sobreposição dos dois fenômenos. Por isso Stevens conseguiria fazer essa viagem no tempo que, na verdade, não é uma viagem no tempo, explica o Dr. Rutledge. Para ele, não seria possível Stevens viver como Fentress além daqueles oito minutos. Nas palavras do cientista, o Código Fonte seria apenas uma “realocação no tempo” que permite que o militar acesse uma “realidade paralela”. Como ele tenta salvar a Christina, mas descobre que ela continua morta “no mundo real”, a única saída para ele parece ser seguir a missão até descobrir o culpado e evitar uma próxima tragédia.

Honestamente fiquei curiosa sobre estes conceitos de mecânica quântica e fui me informar um pouco mais a respeito. Os conceitos são interessantes – falarei deles um pouco mais ali embaixo. Tenho certeza que alguns teóricos vão questionar e talvez torçam o nariz para o desenrolar desta história, mas achei ela interessante. Além dos dois mistérios serem bem explicados, o roteiro de Ripley ainda nos reserva algumas surpresas. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Primeiro, achei uma cereja no bolo a “real condição” do nosso herói. Um filme hollywoodiano padrão diria que ele teria alguma chance de sobrevivência por conta própria, certo? Mas não Source Code. Mesmo que não seja o foco principal desta história, ela deixa clara a crítica ao “vale tudo”, a obsessão dos Estados Unidos para proteger o seu povo e, se possível, o restante do mundo – mantendo uma relação de poder que para eles, mais que nada, é economicamente interessante. Em Source Code, o pai de Stevens não autorizou o uso “final” que deram para o seu filho. Pelo contrário, ele foi enganado pelo Exército. O próprio soldado Stevens não teve poder de decisão. E não há uma redenção possível neste cenário – pelo menos não uma que dependa deste Exército, de uma instituição que pode ter ótimas intenções, mas que nem sempre tem os seus métodos justificados por elas.

E além desta “cereja no bolo”, há um outro ponto interessante no final. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Francamente, eu não esperava que Stevens estivesse certo. Quando ele faz a sua última “incursão” no Código Fonte e os oito minutos terminam, para mim só havia duas possibilidades: 1) a história dele ficaria congelada naquele momento do beijo ou 2) ele teria uma “sobrevida” de apenas mais oito minutos – afinal, ele mesmo estava sendo “desligado” e, sei que isso não tem lógica, mas achei que ele poderia ter esta “extensão” de tempo antes de “apagar” de vez. Alguns até podem fazer uma leitura do final religiosa, acreditando que ele foi para o Paraíso – e por isso seguiu ao lado de Christina, de quem ele se apaixonou.

Mas eu prefiro seguir com a lógica do próprio filme (SPOILER – não leia… bem você já sabe): Stevens e Christina continuaram vivos porque ele impediu que o trem explodisse e salvou o mundo em uma realidade paralela, como a mecânica quântica propõe. Das outras vezes, ele não seguiu vivo porque ou o trem explodiu, ou ele caiu nos trilhos ou levou tiros. Mas na vez em que ele caiu nos trilhos, por exemplo, naquela realidade paralela, é bem provável que Christina continuou viva. Tema para debates. Mas algo considero indiscutível: o filme tem uma história bem amarrada, interessante e envolvente, com uma direção que consegue manter um bom ritmo do início ao fim e um grupo de atores que vestem a camisa e convencem. Na parte técnica, tudo funciona bem. Então é um filme praticamente perfeito. Apenas detalhes não me deixam dar a nota máxima para ele. Entre outros, achei que na primeira sequência do Código Fonte ficou subentendido demais o possível culpado, assim como achei desnecessária aquela “charada” perto do final, com a longa sequência de ação congelada. Ok, foi interessante a cena, tecnicamente falando. Mas a pequena “armadilha” não fazia falta. Mas o filme é praticamente irretocável. O que, convenhamos, em uma produção do gênero, é difícil de acontecer.

NOTA: 9,8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Vários filmes já trataram sobre viagens no tempo ou sobre realidades paralelas. Sobre este último tema, talvez um dos mais conhecidos – e cultuados, com muitos méritos – seja The Butterfly Effect. Mas mesmo tendo sido precedido por vários filmes interessantes que versam sobre alguns conceitos da mecânica e da física quântica, Source Code não derrapa nos lugares-comum e nem faz uma “releitura” do que foi feito antes. Algo difícil e, por isso mesmo, louvável. Tão diferente de Inception e sua “colagem” de outros filmes. Me perdoem os “fanáticos” por Inception, mas quem acompanha este blog há mais tempo sabe que eu tenho vários motivos para não ter “babado” sobre a produção dirigida por Christopher Nolan.

Gosto de diretores que fazem o seu trabalho e que não se imaginam os melhores realizadores de filme do mundo. Prepotência é o caminho mais rápido para um tiro no próprio pé. Por isso é interessante esse inglês Duncan Jones, um sujeito jovem, que logo mais – no dia 30 de maio – completará 40 anos. Ele ficou conhecido – e foi bastante elogiado – por Moon que, infelizmente, ainda não assisti. Antes, ele havia dirigido apenas um curta, Whistle. Agora, admito, fiquei interessada em seguir esta figura. Jones é um diretor que merece ser acompanhado.

Todos os atores de Source Code estão muito bem. Jake Gyllenhaal e Michelle Monaghan fazem um dueto interessante, divertido, e que responde a cada situação de uma maneira bastante convincente e leve. Méritos do roteiro, claro, mas também da sintonia dos intérpretes. Vera Farmiga dá mais uma demonstração de grande preparo e repertório técnico. Mesmo “contracenando” boa parte do tempo com uma tela e um microfone, ela passa todos os sentimentos que precisa passar com exatidão. Além deles, vale citar o trabalho do coadjuvante Michael Arden como Derek Frost.

Apesar do exagero da sequência dos créditos iniciais, é preciso admitir que a trilha sonora de Chris Bacon faz um trabalho competente de ajudar o filme a manter um ritmo interessante do início ao final. A direção de fotografia de Don Burgess também merece palmas, porque ele conseguiu solucionar algumas questões técnicas bastante complicadas de forma criativa. Para isso, ele contou com a ajuda fundamental do departamento de efeitos especiais comandado por Suzanne Simard, com uma equipe de 10 profissionais, e com a gigantesca equipe que trabalhou com os efeitos visuais. Nada menos que 160 profissionais contribuíram para que o espectador fosse inserido naqueles episódios de destruição e de ação tensa. Sem dúvida este filme sai na frente para o Oscar do próximo ano nestas categorias técnicas. Claro que é muito cedo para saber se ele terá chances, mas ele é um pré-candidato, sem dúvidas. Outro que faz um ótimo trabalho é o editor Paul Hirsch.

Source Code trata, rapidamente, de vários conceitos diferentes. O personagem do Dr. Rutledge cita a mecânica quântica, o efeito halo, cálculos de parábolas, entre outros. Fui procurar mais informações sobre cada um deles, inclusive para lembrar o que eu li, há bastante tempo atrás, sobre os conceitos de mecânica e física quântica. Com certeza há pessoas muito mais informadas, estudiosos bem mais preparados do que eu para falar a este respeito. Mas o que eu acho essencial citar é que, conforme explica este texto de forma bastante simplificada, pela Teoria dos Mundos proposta por Hugh Everett, existem vários universos que existem de forma simultânea, e que cada resultado diferente de uma situação cria um novo universo. Mas estes universos são inacessíveis uns aos outros. O texto do Jonathan Quartuccio faz um grande apanhado dos principais conceitos da mecânica quântica, por isso achei interessante citá-lo.

Recomendo também a leitura deste texto assinado pelo professor Luiz Gazzola. Ele explica, por exemplo, que a física quântica “ensina que a maior parte do universo está vazia. A matéria na verdade não possui substância. (…) Devemos, pois, pensar cada vez mais em possibilidades. Tudo é possibilidade subconsciente. Podemos transformar o meio em que vivemos. (…) Num universo onde a maior parte é vazio, a coisa mais sólida que pode existir é um pensamento.” Ele não fala muito de realidades paralelas mas, como pode-se perceber pelo resumo acima, ele trata sobre o potencial de cada indivíduo em moldar a própria realidade. O que serve para explicar Source Code também. Há ainda este outro texto, escrito em espanhol, que afirma: “todas as vertentes de um projeto/vida estão extra-dimensionadas em realidades paralelas que chamamos de multimodais, e algumas destas possibilidades podem entrar em colapso no plano terrestre em qualquer instante”. Um bocado assustador, não? :) A verdade é que existem diferentes interpretações sobre os conceitos da mecânica e física quântica, por isso não pode ser considerado absurdo o que é proposto no filme – se é que alguém se importe com isso.

Ainda sobre conceitos interessantes, vale citar este texto sobre a teoria das supercordas, que afirma que existem 11 dimensões: três de natureza espacial, uma temporal e sete recurvadas, “as quais incorporam também massa atômica e carga elétrica, entre outras características. Estas outras esferas não seriam visíveis, como sugerem os estudiosos desta teoria, por não captarem a luz, essencial para que possamos ver e conhecer”. Seguindo esta lógica, as ações como vemos em determinado momento do filme não poderiam ocorrer em alguma outra realidade paralela. Longa discussão, imagino. :) Finalmente, acho interessante indicar este texto sobre o efeito halo que, aparentemente, não tem nada a ver com mecânica ou física quântica. O efeito halo é “considerado o mais sério e o mais difundido de todos os erros de avaliação”. Seria uma piada do roteirista a respeito da própria história – ou melhor, da leitura do personagem do Dr. Rutledge? É de se pensar…

Uma curiosidade do filme: o Beleaguered Castle citado na produção foi inspirado em um jogo de paciência. Li que a série de TV Quantum Leap, de 1989, tem uma premissa parecida com Source Code. Como não assisti a essa série, não posso confirmar e nem negar. Mas fica a dica para q
uem quiser conferir.
:)
Source Code estreou no dia 11 de março no desconhecido Southwest Film Festival, nos Estados Unidos. Depois ele participou do Beaune Film Festival, na França, e na Mostra de Valência, na Espanha. Entrou em cartaz no circuito comercial de quatro países no dia 31 de março e, no dia seguinte, estreou em outros cinco países, incluíndo os Estados Unidos. Até o dia 15 de maio, a produção, que custou aproximadamente US$ 32 milhões, arrecadou pouco mais de US$ 52,2 milhões apenas nos Estados Unidos. Certamente ela vai lucrar mais que o dobro do custo, o que é um excelente resultado.

O filme também foi bem na avaliação de público e crítica. Os usuários do site IMDb deram a nota 7,7 para o filme, um bom conceito para os padrões do site. Os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes, contudo, foram mais generosos: eles dedicaram 196 críticas positivas e apenas 20 negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 91% e uma nota média de 7,5.

CONCLUSÃO: Suspense, tensão, mistério, ciência e drama em um mesmo pacote. Adicione a estes ingredientes um roteiro com uma ótima carga de originalidade, uma direção que não deixa a peteca cair, atores afinados e efeitos especiais/visuais irretocáveis. A mistura de tudo isso resulta em Source Code, um dos melhores filmes que mistura ficção científica e ação dos últimos tempos. Esqueça Inception e a salada mista que ele faz de filmes anteriores. Com Source Code, finalmente, alguma criatividade surge em cena. Certo que a ideia de brincar com conceitos de mecânica quântica não é exatamente nova, mas o diferencial é a forma com que o roteirista Ben Ripley e o ótimo diretor Duncan Jones fazem isso. E o interessante que, além de todos os ingredientes citados anteriormente, esta produção ainda tem espaço para a emoção, para “acertos de contas”, para uma leve critica ao “fim justificam os meios” do Exército dos Estados Unidos e para a saudável autocrítica de que não sabemos tudo – e que mesmo a ciência mais avançada ainda tem muito que aprender. Mas um detalhe importante: tudo isso sem sufocar ou parecer “pretensioso” demais. Source Code é um filme direto, honesto, simples e complexo ao mesmo tempo. E que, apesar de tudo isso, consegue o seu objetivo principal: entreter. De tirar o chapéu, pois.



GasLand

abril 1, 2011 3 comentários

O que você faria se uma grande empresa do setor energético chegasse no lugar em que você mora e oferecesse uma boa grana por suas terras? Considerando, claro, que você morasse em uma casa com um terreno considerável, cercado(a) de natureza e que, sob o solo, existisse uma bela quantidade de gás natural a ser explorada. Talvez você pensasse na proposta e até vendesse as suas terras. Mas Josh Fox aproveitou a oportunidade para dirigir, escrever o roteiro e produzir o documentário GasLand, que concorreu ao Oscar deste ano. O filme é importante, pela denúncia que faz e pelo tipo de crítica que pode provocar em quem não está familiarizado com o tema – a maioria das pessoas – mas, cá entre nós, peca um pouco pela falta de malícia (o que é o mesmo que dizer que ele é um pouco “inocente” demais).

A HISTÓRIA: Um homem com máscara empunhando um banjo aparece em frente à câmera, com uma usina aos fundos, comentando que sempre acreditou que a humanidade seria capaz de fazer as escolhas certas. Corta. Daí passamos a acompanhar uma sessão da comissão que trata do setor de energia e minerais no Congresso dos Estados Unidos. Corta. Cenas mostram neve, estradas, árvores. E um dos participantes da sessão comenta que há muitos lugares no país que contem bilhões de metros cúbicos de gás natural. Enquanto os engravatados defendem a exploração do gás natural, o diretor mostra detalhes da reunião, como o fato deles estarem bebendo água mineral. Os executivos citam estudos que “comprovam” que a perfuração hidráulica para a retirada de gás natural não prejudica a água potável. Em seguida, o diretor Josh Fox se apresenta. Conta a sua história e parte para descobrir o que, de fato, se esconde por trás dos discursos dos engravatados. Ele percorre boa parte dos Estados Unidos contando a história de pessoas que tiveram as suas águas contaminadas pela exploração do gás natural. E através deste seu trabalho independente, procura alertar quem ainda não caiu no argumento das grandes empresas para os problemas que este tipo de exploração traz para a natureza e para a saúde das pessoas que vivem perto dos locais perfurados.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a GasLand): No melhor estilo conclamado por Glauber Rocha de “uma ideia na cabeça, uma câmera na mão”, o diretor Josh Fox estreou no universo dos documentários com GasLand. Partindo de sua história pessoal, resgatando a forma de vida e os ensinamentos dos pais, que eram hippies, e que escolheram uma casa para morar junto a um rio, Fox parte para desbravar os interesses, o dinheiro e o poder que envolvem aqueles que exploram a lucrativa indústria de extração de gás natural nos Estados Unidos.

O discurso do diretor fica claro desde o início, quando ele menciona Pete Seeger, o homem que empunhou um banjo em 1972, ano em que Fox nasceu, para denunciar a poluição no Rio Hudson. No mesmo ano, Richard Nixon assinou a lei de proteção da água. Estas informações no princípio esboçam o “espírito” da produção que, claramente, surge para criticar a exploração energética nos moldes em que ela é feita atualmente. Fox resgata a herança hippie de seus pais para fazer o público refletir de como as práticas de exploração sem critério da natureza, como tem sido feito há várias décadas, não pode continuar.

Após comentar sobre a sua própria vida, origem e o local em que ele mora – um “pano de fundo” para o discurso que virá a seguir -, Fox comenta sobre o e-mail que recebeu de uma empresa de gás que informava o diretor que ele tinha a sua propriedade sobre um manancial de gás chamado Marcellus, que passa por quatro estados do país. No mesmo documento, a empresa afirmava que ele não precisava vender a sua terra, mas alugá-la. Os 39 hectares renderam quase US$ 100 mil. A chance de ganhar dinheiro assim “fácil” não convenceu o diretor. Sem acreditar nos anúncios que dizem que o gás natural é um combustível limpo, Fox resolveu descobrir o que aconteceu com pessoas que, como ele, estavam em dúvida sobre abrir o próprio quintal para a exploração das grandes empresas, aqueles que resolveram assinar o contrato e alugar as próprias terras.

A crítica política está lá, quando o diretor mostra como George W. Bush e Dick Cheney mudaram as leis do país para beneficiar as grandes empresas que exploram o segmento de gás natural, tirando delas a responsabilidade por uma série de problemas que esta exploração pode causar para o meio ambiente. (Crítica e reflexão similar já havia sido feita envolvendo os dois nomes e a indústria armamentista e petrolífera). Bacana a forma com que Fox explica a exploração pelo método de “fratura”, dá os nomes aos bois (ou seja, às empresas que exploram esse tipo de combustível) e revela como o problema está espalhado por 34 estados do país. O diretor apresenta as  informações de forma bem didática e sem ser cansativo.

Interessante como Fox consegue levantar a lista gigantesca de produtos químicos que são utilizados no processo e revela, através de especialistas e na prática, com torneiras expelindo uma água contaminada e inflamável, o efeito desta exploração nos Estados Unidos. Um drama não apenas ambiental, mas social. Na verdade, impossível saber o que é pior: o efeito para a saúde e o futuro de tanta gente, ou o estrago sem remédio para a natureza. Impressionante a quantidade de água, que cada vez mais é chamada de “bem finito”, que é utilizada para estes processos de exploração do gás natural. E depois eles nos cobram do desperdício das torneiras… ok, nós também precisamos fazer a nossa parte. Mas estas grandes empresas? Estes sujeitos que ganham fortunas nestes processos de exploração e montam corporações que modificam as leis de um país, pagando um pouco de “propina” para alguns políticos, que tipo de responsabilidade eles tem? Nenhuma, denuncia GasLand.

A parte da denúncia é importante, nesta produção. E o filme ganha o inevitável e fundamental caráter humano quando as histórias das pessoas vão sendo reveladas. Muitos doentes. Outros sem esperança. Finalmente, depois de ouvir alguns especialistas – mas receber apenas “negativas” das empresas, Fox consegue “ouvir” (entre aspas mesmo, porque ele não consegue entrevistar ninguém, na prática) a alguns de seus representantes na sessão do Congresso. O filme fecha com aqueles discursos vazios, retomando o início da produção, mas com a diferença do “miolo” narrativo cheio de denúncias ter transcorrido entre o ponto inicial e o final.

As intenções de Fox são muito boas, sem dúvida. E o filme merece palmas por ter sido feito, de forma independente. Quem dera que mais denúncias como esta, que coloca o dedo na ferida de grandes empresas sem nenhuma (ou pouca) preocupação ambiental e social, sejam feitas. Mas apesar destas qualidades, não devo me esquivar de analisar a produção como uma obra de cinema.
Neste sentido, e perto do que figuras como Michael Moore já fizeram em produções como Roger & Me e Bowling for Columbine, GasLand peca pela inocência. Fox não vai fundo na crítica, na reflexão e muito menos insiste o suficiente para conseguir outros tipos de resposta. Fica evidente o discurso panfletário do diretor – e nisso ele se aproxima de Moore. Ok, esse tipo de cinema também é válido. Mas sem dúvida as produções que tem uma reflexão maior e apresentam um volume mais amplo de informações ajudam muito mais o espectador e tornam os documentários mais relevantes.

Observando GasLand apenas como peça de cinema, devo dizer que o filme também perde bastante a sua força lá pelo meio. Ainda que todas as histórias mostradas sejam relevantes, elas acabam revelando-se um bocado repetitivas, lá pelas tantas. Assim como as sequências pelas “lindas paisagens preservadas dos Estados Unidos”, também repetitivas e, francamente, um bocado “pueris”. Afinal, sejamos francos: o gás natural é sim uma ótima alternativa ambiental.

Que a forma com que ele esteja sendo tratado em parte dos Estados Unidos seja incorreta, tudo bem. Mas se a exploração deste produto for feita de forma correta e segura, sem prejudicar mais danos ao meio ambiente, o gás natural é uma alternativa viável, ecológica – mais que os produtos provenientes do petróleo – e mais barata para o consumidor. Acho que faltou, por exemplo, uma reflexão sobre outros tipos de exploração do gás. Tenho certeza que existem outras formas de perfurar o solo e de extrair o gás da terra. Fiquei curiosa, por exemplo, em saber como isto é feito no Brasil, na Bolívia, na Europa e em outras partes. Essa explicação e reflexão é algo que GasLand nem tenta fazer. Um pena.

NOTA: 8,8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: GasLand concorreu como Melhor Documentário no último Oscar, mas perdeu. Francamente, assisti ao filme antes da premiação, e já tinha o palpite que esta produção não teria chances. Primeiro que, frente aos concorrentes, ela era mais “fraquinha”, digamos assim. Mas, claro, válida. Acredito que a indicação do filme já foi uma forma de premiá-lo.

Até o momento, GasLand foi premiado uma vez: com o prêmio especial do júri como documentário no Festival de Sundance do ano passado. No mesmo ano, ele concorreu ao prêmio de Melhor Documentário, mas perdeu a disputa para Restrepo, com quem ele concorria também no Oscar deste ano. Ambos perderam, como muitos de vocês devem saber, para Inside Job.

GasLand não é o primeiro documentário dirigido por Fox. Antes dele, o diretor havia filmado Memorial Day, um drama de 2008 estrelado por Sarah Nedwek, Neil Knox, Pedro Rafael Rodriguez, entre outros. A produção tem uma nota bastante baixa no IMDb: 4,4. Sem dúvida, comparado com esta produção de 2008 (que eu não assisti, devo ressaltar), GasLand foi a melhor maneira de tirar Fox do anonimato. O diretor e roteirista tem uma filmografia curta, até o momento. Além dos dois filmes citados, ele contribuiu com o roteiro da série Bay State, exibida em 2001 e 2002. Nada demais.

O documentário de Fox merece aplausos porque foi feito de forma bastante independente. O diretor faz quase tudo. Ele é responsável por operar a câmera, pelo roteiro e tudo o mais. Da pequena equipe que contribuiu com a produção, vale citar o trabalho do editor Matthew Sanchez, os efeitos especiais e animações (basicamente os esquemas explicativos) coordenados por Juan Cardarelli e Alex Tyson, respectivamente.

Não deixa de impressionar, na “ficha técnica” do filme, a pequena lista de pessoas que fizeram parte do projeto contrastando com a imensa lista de agradecimentos do diretor. O cara foi valente, sem dúvida.

GasLand estreou no Festival de Sundance, em janeiro de 2010, e depois passou por outros três festivais, dois nos Estados Unidos e um em Helsinki. No circuito comercial, ele estrou em poucos países. Na França, por exemplo, ele está estreando nos cinemas apenas agora, no dia 6 de abril.
A bilheteria do filme nos Estados Unidos foi ínfima. Até outubro, quando o filme saiu do circuito comercial, ele havia arrecadado pouco mais de US$ 30,8 mil, o que é quase nada, mesmo para um documentário – que, exceto os de Michael Moore, tem pouca audiência nos Estados Unidos e praticamente em todas as partes.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,8 para GasLand. Achei uma nota muito justa. Eu teria dado o mesmo, mas fui mais “generosa” porque sempre me comovem estes filmes feitos na “cara e na coragem”. Quem me acompanha por aqui há mais tempo deve ter percebido que, nem sempre, o meu critério de notas segue apenas a razão. Sou passional, admito. E não conseguiria ser diferente por aqui também.
:)
Os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes foram mais generosos com a produção. GasLand rendeu 34 críticas até o momento e, todas elas, foram positivas para a produção, o que lhe garante um raro, muito raro 100% de aprovação. A nota média destas críticas no Rotten Tomatoes é 7.

CONCLUSÃO: Um filme importante sobre um tema pouco tratado: a forma com que o gás natural é extraído do solo dos Estados Unidos. O diretor Josh Fox parte de sua história e dilema pessoais para adentrar na vida e nas queixas de muitas pessoas que se sentiram prejudicadas com este tipo de economia. Uma produção interessante, ainda que incompleta, porque deixa muitas perguntas sem resposta. Fox não insiste e nem procura compreender “o outro lado da questão” de forma adequada. Se limita a alguns telefonemas – em uma evidente tentativa de mostrar como uma pessoa comum tem dificuldades de conseguir respostas. Neste sentido, a “limitação” do diretor é válida. Mas como obra de cinema, como documentário que tenta lançar algumas “luzes” sobre o tema, GasLand contribui apenas em parte para o debate. De qualquer forma, é importante como denúncia e alerta. Sem dúvida muitas vidas, propriedades e estados no país de Fox estão condenados por causa de algumas empresas que lucram muito com o gás natural. Mas acho importante também ponderar que esta alternativa energética é interessante, se bem trabalhada, evidentemente. Agora, fiquei curiosa para saber como esta mesma exploração é feita em outras partes, especialmente nos nossos quintas – Brasil e Bolívia.

 

E o Oscar 2011 foi para… (avaliação online dos premiados deste ano)

fevereiro 28, 2011 10 comentários

Boa noite.
Ufa! Por pouco não chego atrasada para assistir e comentar sobre os premiados deste ano.
Diferente do Oscar de 2010, desta vez eu estava trabalhando… ganhando o pão de cada dia. No ano passado, me dava ao luxo de estar apenas estudando. Desta vez, é diferente. Mas estou feliz, inclusive, por esta mudança na minha vida. Certamente minha alegria atualmente é maior do que em 2010. Mas vamos falar do Oscar, e não de mim.
;)
A expectativa para este Oscar, como eu disse no texto anterior, sobre os indicados, é de que tenhamos poucas surpresas nesta noite. Acredito que teremos dois ou três filmes com quatro estatuetas cada um. A grande dúvida é se Hollywood vai se render a The Social Network ou The King’s Speech. Nas demais categorias, os premiados são bastante previsíveis. Quer dizer, surpresas sempre podem acontecer… logo veremos.

Como fiz no ano passado, conforme os premiados forem sendo anunciados, vou comentando sobre os resultados por aqui. No Twitter também farei alguns comentários esporádicos. Este é o segundo ano em que o Oscar abraça 10 filmes na disputa pelo prêmio principal. Uma forma da Academia abrir o leque para agradar aos que gostam de filmes conceituais, mais alternativos, com o gosto do grande público, que prefere os filmes mais comerciais. Na prática, contudo, tanto neste ano como em 2010, a lista de produções que realmente tiveram alguma chance na premiação não passou de cinco. Natural.

Se a escolha de hoje à noite dependesse dos leitores deste blog, sem dúvida Black Swan seria a surpresa da noite. Não é algo impossível, mas improvável. De qualquer forma, concordo com a maioria dos leitores que votaram por aqui: o filme merecia. Mas, cá entre nós, ele é muito ousado para os padrões de Hollywood – ainda. Quem sabe mais alguns anos de evolução da indústria e um filme como este possa sair consagrado? Quem sabe…

No Brasil, 22h30, começou a cerimônia de premiação com o já tradicional vídeo de tiração de sarro com os principais concorrentes deste ano. Algumas boas tiradas, outras meio sem graça… como nos últimos anos. Sem novidades. Quer dizer, quase… os melhores trechos foram de The King’s Speech e Black Swan, ainda que a melhor tirada foi mesmo colocar Back to the Future no meio do enredo.

Em seguida, James Franco e Anne Hathaway no palco, engraçadinhos e elegantérrimos. Os dois à altura de Hugh Jackman no ano passado – ainda que eu preferia ele se esforçando um monte com aquele número musical, vocês se lembram?

Bacaníssima a dinâmica do cenário este ano. Começando com a homenagem para …E o Vento Levou e Titanic.

E o primeiro premiado, bastante esperado. Em Direção de Arte, deu Alice in Wonderland na cabeça. Merecidíssimo – e olha que nem assisti ao filme, mas opino apenas por ter visto ao trailer e ao trabalho de desenvolvimento dos cenários. Fantástico. Claro que a dupla que foi receber a estatueta agradeceu ao diretor – e fez gracinha e tudo, brincando com a “careca” da estatueta.
Estava na torcida por Black Swan em Melhor Fotografia, mas deu na cabeça Inception. Merecido também. Na verdade, o filme dirigido por Nolan deve levar quase todos os prêmios técnicos. Não é por acaso que o diretor de fotografia agradeceu a Nolan, com quem fez vários filmes antes – inclusive dois Batman.
“Um dos atores mais transcendentes de todos os tempos”… e aparece o Kirk Douglas, aplaudidíssimo. Bacana. E ele, ótimo, pergunta onde estava Anne Hathaway quando ele estava fazendo filmes. ;) O ator veterano apresenta as indicadas na categoria Melhor Atriz Coadjuvante. Expectativa… Melissa Leo vestida para matar.

Kirk Douglas, mega engraçado, até agora, o melhor da noite. Quebrando o protocolo, ele jogou com as expectativas da plateia e das indicadas, em especial. Depois de abrir o envelope e jogá-lo no chão, ele brincou por ter sido indicado três vezes ao Oscar e por sempre ter perdido. Brincou com as pessoas que estavam rindo – e com Colin Firth que, por ser inglês, não estava.

E o Oscar foi para… Melissa Leo. Linda. E apesar daquela ideia infeliz dos anúncios nos jornais e revistas, ela merecia. Muito bem entregue esta estatueta. Melissa Leo agradeceu a todos os atores que dividiram a cena com ela em The Fighter. Algo justo também, porque um dos pontos fortes da produção é, realmente, o trabalho dos atores.

Justin Timberlake e Mila Kunis em cena. Ela foi injustiçada. Deveria ter sido indicada este ano na categoria anterior, de Melhor Atriz Coadjuvante. Mas ok, todo ano alguém que merece fica de fora. Os dois apresentaram os indicados a Melhor Curta de Animação. The Lost Thing surpreende e ganha de outros que eram favoritos. Primeira “zebra” da noite. Mas, por isso mesmo, bacana. Bom ver uma produção mais independente ganhando um prêmio que é importante para o fomento de jovens talentos. Os premiados agradeceram à família e a música começou a subir… mas foram bastante aplaudidos.

Em seguida, Melhor Filme de Animação. Desta vez, sem surpresas. Levou a estatueta Toy Story 3. Muito, muito merecido. O diretor Lee Unkrich agradece a uma imensa lista que ajudou a produzir o filme – justificando aquela grana toda investida, claro. Até a “avozinha” ele agradeceu. Sem muita emoção, mas bonitinho. Até agora, apenas uma pequena surpresa: em Melhor Curta de Animação. O restante, previsto.

Como vocês bem sabem, logo mais, vou ampliar este texto. Por agora, apenas os primeiros comentários de cada premiação. Depois amplio com outros detalhes sobre os vencedores, os derrotados e algum possível injustiçado. E seguimos… (Adendo no dia 12 de março: estou aqui, revisando este texto e colocando novas fotos e, francamente, acho que vou acrescentar pouco. Prefiro logo me lançar a outro filme e crítica do que acrescentar muito mais por aqui).

Entra em cena o ótimo (em vários sentidos) Javier Bardem. E agora sim, uma prévia do que virá na noite com a categoria Melhor Roteiro Adaptado: The Social Network levou a estatueta. O que só aumenta as possibilidades deste filme levar na categoria principal. Merecido, muito merecido este Oscar. Porque o roteiro é corajoso e muito bem escrito – difícil traduzir para a tela a complexidade da história do criador do Facebook sem que a produção fosse óbvia ou chata. O discurso do Sorkin chatinho, mas tudo bem. A gente dá um desconto.

Em seguida, Melhor Roteiro Original. A expectativa é que ganhe The King’s Speech. E deu o esperado. Grande vitória. Merecidíssima. Grande roteiro de David Seidler, que foi mais divertido no discurso.

Ele brincou que era uma das pessoas que ganhou o Oscar com mais idade na história. E que isso era uma coisa boa, que deveria acontecer com uma frequência maior. Brincou que ele sempre foi um “pouco atrasado” e agradeceu pela Rainha da Inglaterra não ter fechados as portas para esta história.

Disse que muitas pessoas no mundo gaguejam, e encerrou falando: “Sim, nós temos uma voz. E sim, nós fomos escutados”. Bacana. Possivelmente o melhor discurso da noite até agora. (Adendo no dia 12/3: e, francamente, foi um dos melhores discursos de toda a noite. Muito simpático o velhinho roteirista genial.)

Anne Hathaway volta soltando a voz. Mandando ver muito, muito bem. E, claro, tirando um sarrinho do Hugh Jackman – que teve que fazer uma cena sozinho no ano passado. E o palhaço do James Franco aparece como Marilyn Monroe. Só que menos engraçado.

Perderam “o ponto”, digamos. E aparece em cena a fantástica Helen Mirren, falando em francês. E tirando sarro do desempenho de Colin Firth como rei. Dizendo que ela foi superior como rainha. ;) Genial.

Melhor Filme Estrangeiro para Haevnen, da genial, fantástica Susanne Bier. Fiquei feliz. Ainda que goste muito de Iñarritu, e queira assistir a Biutiful, mas Bier merecia há tempos levar uma estatueta. Bacana.

E agora, deve dar Christian Bale. Ainda que tenhamos outros grandes intérpretes em cena, está na hora de Bale ser reconhecido na categoria Melhor Ator Coadjuvante.

John Hawkes e Geoffrey Rush também mereciam, é fato, mas Christian Bale estava matador – ainda que ele tivesse feito algo bem parecido antes. Mas era hora dele ganhar.

Após ser anunciado como vencedor, Bale foi bastante generoso e agradeceu a todos os envolvidos em The Fighter, do diretor até os atores, assim como o personagem real figuraça em quem ele se inspirou – e que estava no Kodak Theater. Agradeceu também à esposa, que enfrentou “vendavais” ao lado dele, lembrando também da filha que os dois tiveram. Um dos bons discursos da noite também.

Hugh Jackman e Nicole Kidman juntos… há um tempo, isso seria motivo para fofocas. Desta vez, não.

E antes, a Academia agradecendo a parceria com a ABC. Definitivamente, uma emissora melhor que a Globo, que preferiu o Carnaval em 2010 e o BBB, este ano, do que o Oscar na transmissão. Meu gosto não bate com o deles, certamente.
:)
Em seguida, um show da orquestra interpretando algumas das trilhas sonoras clássicas do cinema. De arrepiar, para quem acompanha essa história há um tempinho.

Na categoria Melhor Trilha Sonora, grandes concorrentes. Muitos veteranos e premiados na disputa. E ganha Trent Reznor, que fez um grande trabalho em The Social Network. E ainda que eu goste muito de outras trilhas na disputa, Reznor e equipe mereceram a estatueta. Entre outros agradecimentos, ele falou de David Fincher, claro, que deve receber, logo mais, a estatueta como Melhor Diretor.

Agora, nas categorias técnicas de som, aposto em Inception. Em Melhor Mixagem de Som, claro, Inception levou a estatueta. Nem preciso dizer que extremamente merecido, não?

Agora, Melhor Edição de Som. Deve dar Inception também… e deu. O filme levou a maior parte das estatuetas nas categorias técnicas até agora, como previsto também. Sem grandes surpresas até o momento.


Voltando para a apresentação, devo dizer que o James Franco está me dando um pouco nos nervos. Tenta ser engraçado todo o tempo mas, algumas vezes, parece apenas exagerado – e/ou fake.
E depois de Marisa Tomei falar sobre os prêmios técnicos, Franco solta: “Ok, parabéns, nerds”. Tá, deu pra ti.

Cate Blanchett, super elegante, apresenta a categoria Melhor Maquiagem, que teve como vencedor The Wolfman, certamente um trabalho muito difícil e que ficou excelente – não assisti ao filme, ainda, mas pelas fotos e trailer, foi merecido. Na categoria Melhor Figurino, o excelente trabalho de pesquisa e o resultado criativo de Alice in Wonderland.

Depois, o momento musical que é uma tradição do Oscar. As apresentações de Melhor Música foram feitas de uma forma bacana, no melhor estilo “nós temos classe”. A interpretação de Tangled foi das mais bacanas. Amy Adams e Jake Gyllenhaal aparecem em seguida para falar dos curtas, destacando que muitos grandes diretores fizeram, antes, este tipo de produções. Gyllenhaal brinca que estes também são os erros mais comuns dos bolões, por isso ele recomenda que as pessoas passem a assistí-los para ter mais chances de acertar os palpites.

Veremos se acertei no meu chute deste ano… Em Melhor Documentário em Curta-Metragem, ganhou Strangers no More. Fiquei feliz. Não assisti, mas achei que ele tinha a melhor premissa entre os concorrentes. Como Melhor Curta-Metragem, uma surpresa: God of Love, que levou para o palco a figura mais engraçada (visualmente) da noite. Ele brincou que deveria ter cortado o cabelo… sinal que nem ele acreditava que iria ganhar. Boa. Agora sim, faço questão de ir atrás deste curta. Dos dois, aliás. E sim, vale muito a pena assistir aos curtas que são indicados, a cada ano, para o Oscar.

Depois, antes do novo prêmio, uma das melhores tirações de sarro da noite. Brincaram com remixes comédia dos filmes, lembrando um dos videos da internet que mais fez sucesso em 2010. O Oscar dando a devida importância para a internet – independente de The Social Network levar a melhor da noite ou não. E James Franco com aquela cara de pateta engraçadinho que cansou. Anne Hathaway, por outro lado, se deu bem até sendo palhaça.


Oprah Winfrey apresenta os filmes indicados como Melhor Documentário. Minha torcida para o filme do Banksy, claro. Mas quem levou foi Inside Job. E o diretor começa colocando o dedo na ferida, dizendo que mesmo três anos depois da bancarrota, nenhum dos executivos culpados foi preso. Momento político tradicional do Oscar também. Fiquei curiosa para assistir ao filme agora. E conferir se ele realmente mereceu ter vencido a Banksy, que é genial.

Na volta da cerimônia, Billy Crystal aparece em cena, após uma homenagem de Anne Hathaway – dèja vu total, já que ele apresentou a cerimônia por muitos anos.

Ele fala do primeiro Oscar que passou na televisão. Crystal homenageia ainda ao grande Bob Hope, que apresentou o Oscar durante mais tempo que nenhum outro.

Robert Downey Jr. e Jude Law apresentam Melhores Efeitos Especiais que, como era mais que esperado, foi ganho por Inception. Um trabalho de primeiríssima, sem dúvida. Nos agradecimentos, claro, os realizadores e familiares.

Depois, como Melhor Edição, grandes indicados e um vencedor: The Social Network. Como eu tinha cantado antes. A disputa foi boa, mas o trabalho da dupla de premiados, imprescindível e bastante inspirado. Merecido pois – ainda que outros também mereciam.

Um empate técnico, se ele fosse possível, teria sido a melhor solução (Adendo no dia 12/3: o empate técnico ao que me referia seria perfeito acrescentando Black Swan). Até agora, uma premiação quase sem surpresas. A maior, para mim, foi mesmo em Melhor Curta de Animação e Melhor Documentário. Mas também porque não assisti a todos os indicados este ano. Depois que conferir a todos eles, poderei falar melhor se houve alguma injustiça.

Agora, cá entre nós, parece que dividiram a dupla de apresentação do Oscar deste ano entre dois anões: Anne-Feliz e James-Rabugento. As caras, gestos e reações ficaram muito segmentadas. Exageradamente, eu diria.

Depois, novas canções sendo apresentadas. Gwyneth Paltrow, mais cantora que atriz – há tempos – em uma versão bastante “terral” e/ou dourada – e quase sem maquiagem.

Ganhou como Melhor Canção Original, a música de Randy Newman, We Belong Together, por Toy Story 3. Acertei esse. ;) E merecidíssimo o Sr. Newman levar, porque ele é um dos grandes compositores de Hollywood nas últimas três décadas, no mínimo. Em seu currículo, nada menos que 106 trilhas sonoras.

Depois do intervalo, Celine Dion canta enquanto aparecem as imagens das pessoas que morreram ano passado. Um momento “carga emocional mil” que poderia ter sido vivido de outra forma. Celine Dion, me desculpem os fãs, aumentou a carga “piegas” de uma maneira desnecessária. Mas ok, bom rever grandes nomes, ainda que a música não tenha ajudado.

Uma das mais bonitas da noite, Hilary Swank, entrou em cena para dar passagem para a ótima Kathryn Bigelow, que apresentou o Oscar de Melhor Diretor. Ainda que eu torça sempre para Aronofsky, esta será a noite de David Fincher.

Ou não… para a minha surpresa, o grande trabalho de Tom Hooper em The King’s Speech ganhou do favorito David Fincher. Bacana. E isso adianta que o grande filme com roteiro de David Seidler, direção de Hooper e interpretação incrível de Colin Firth pode levar o grande prêmio da noite.

Poucas surpresas até aqui. E todas positivas. Quando isso acontece, vale a pena assistir ao Oscar, mesmo em um ano com tanta enrolação e xaropice como está sendo a apresentação de 2011.

Seguindo a linha “intimista” da apresentação dos indicados em Melhor Atriz e Melhor Ator trilhada no ano passado, Jeff Bridges começou os trabalhos com Annette Bening.

Depois, seguiu uma homenagem bacana para Nicole Kidman.

Em seguida, a bela Jennifer Lawrence, muito diferente da aparência que teve em Winter’s Bone.
E Natalie Portman… ah, minha favorita. Curioso que escolheram uma cena em que ela dá um show mas que não foi a mais difícil em Black Swan.

Fechando a lista, Michelle Williams, que ainda vai levar um Oscar, um dia destes – porque é uma ótima atriz, pouco valorizada até agora.

E deu Natalie, como mais que esperado. Ela soltou algumas lágrimas sinceras e fez um discurso justo. Disse que a grande sorte que ela teve foi trabalhar com uma grande equipe, fazer o que ela gosta – interpretar – e agradeceu muito o exemplo que recebeu dos pais.

Fez uma homenagem muito bacana ao Aronofsky, chamando ele de visionário. Muito justo. Ele é dos grandes.

Agradeceu a uma lista enorme de pessoas, dos amigos até aqueles que deram a oportunidade para ela trabalhar anteriormente. O melhor discurso até o momento. Agradeceu inclusive quem assinou o trabalho de maquiagem, vestuário… não esqueceu ninguém. Generosa, bacana.


Sandra Bullock apareceu em seguida para apresentar a categoria Melhor Ator.
Começou com Javier Bardem e um “Hola”.

Jeff Bridges saiu rapidinho do palco e foi o citado seguinte. Bullock tentou ser engraçada, dizendo que ele ganhou no ano passado e que deveria dar uma chance para os demais mas, claro, não foi engraçada coisa alguma. Mas ok, um dia, quem sabe…
;)
O fantástico Jesse Eisenberg foi o terceiro da lista. Bullock, mais uma vez, fez uma gracinha dizendo que estava esperando que ele aceitasse ela no Facebook. Ok, vamos adiante.

Bacana que ele foi muito aplaudido após o tradicional trecho da interpretação dele.
E então o favorito Colin Firth. Deslumbrante, relaxado, merecedor.

Nos bastidores, James Franco, o último indicado.
Venceu Colin Firth, como era o esperado. Ele brinca que este deve ser o momento alto de sua carreira e que agora precisa descobrir o que virá depois. Ameaçou dançar no palco e citou os outros concorrentes – mas não nominalmente.

Agradeceu os companheiros de cena, o roteirista e o diretor. Agradeceu as pessoas que fizeram parte da carreira dele, especialmente Tom Ford – que dirigiu A Single Man, filme pelo qual ele concorreu ao Oscar no ano passado e que, para muitos, perdeu injustamente.

Finalmente, o prêmio principal da noite, apresentado por Steven Spielberg. Bacana que ele citou grandes produções que venceram na categoria, na história da premiação, e outras grandes produções que não receberam o prêmio principal.

Uma apresentação bastante equilibrada dos 10 indicados deste ano. Ficou bacana o painel com os filmes, vários deles muito bons, realmente.


E o Oscar de Melhor Filme foi para… The King’s Speech.

Opaaaaaa. Legal. Como vocês, que me acompanham, sabem, era o meu preferido, levando em conta que apenas ele e The Social Network tinham chances reais este ano.

Claro que se eu pudesse escolher, eu colocaria do lado de The King’s Speech a Black Swan mas, infelizmente, ainda vai levar um tempo para a Academia premiar um filme como este do Aronovsky. Entre os favoritos, The King’s Speech, sem dúvidas. Vivaaaaaa.

Obrigada aos leitores e leitoras que me acompanharam esta noite. Amanhã ou na quarta, no mais tardar, prometo deixar esta página mais bonitinha, com a publicação de fotos e mais alguma curiosidade dos premiados. (Adendo do dia 12/3: como vocês puderam observar, demorei mais tempo para colocar as tais fotos… hehehehe. Sorry.)

Boa noite para quem esteve assistindo ao vivo, como eu. E bom dia e boa tarde para quem chegar por aqui depois.
:)
E viva ao Oscar, esta premiação que é uma festa do cinema. Comercial, principalmente, cheio de lobby e negociações de bastidores, mas também com muitos filmes de arte, independentes e uma boa salada mista do que se produz por aí. Até o próximo!

Exit Through the Gift Shop



Afinal, qual é o sentido da arte? E a arte, afinal, precisa ter um sentido? Há tempos os artistas deixaram de fazer obras simples de entender. Ou melhor, há tempos a arte é um reflexo – ou adianto – de nossa própria sociedade: multicultural, multifacetada, múltipla em interpretações e sentidos – e, algumas vezes, inclusive sem sentido (pelo menos, aparente). Exit Through the Gift Shop não trata apenas de arte urbana, arte moderna, conceitual ou essencialmente da arte. É um documentário sobre fama, loucura, obstinação e as pessoas que produzem obras que movimentam fortunas a cada ano. Sem evitar a polêmica e sem papas na língua, este documentário conta a história de um fenômeno artístico que deturpa o próprio processo dos artistas. Em outra palavra, conta a história de um mestre em copiar a arte alheia. E que se deu muito bem fazendo isso. No fim das contas, deveriam agradecer por ele ter apostado em uma câmera e não em uma arma. Outros fizeram isso antes e mataram figuras como John Lennon.

A HISTÓRIA: Grafite, tintas, rolos e rolos de papel. Gente andando, se pendurando, correndo, pintando e colando suas mensagens em paredes pelo mundo. Uma figura se senta, com voz distorcida, e conta qual é a proposta do documentário. Esta pessoa, sem mostrar o rosto e mantendo a identidade camuflada, é Banksy, um dos artistas do grafite mais consagrados no mundo. Suas obras foram vendidas por milhões de dólares em leilões, depois que ele ganhou notoriedade. Banksy é também o diretor do documentário que, inicialmente, era para ser sobre ele e as demais pessoas que dão vida para a arte urbana. Mas o artista nos explica que, na verdade, Exit Through the Gift Shop conta a história de Thierry Guetta, um francês maluco que deixou a família em casa, na maior parte do tempo durante vários anos, para filmar os artistas do grafite. Através da história de Thierry, conhecemos um pouco da rotina e do processo artístico de Banksy, Shepard Fairey, Space Invaders, e tantos outros nomes do cenário da arte underground – que acabou sendo absorvida pelo “mainstream”.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Exit Through the Gift Shop): A piada deste documentário começa logo no início. Banksy assume a melhor aura de mistério possível, com imagem camuflada e voz a la Darth Vader e brinca que o documentário que veremos, na verdade, não deveria ter saído daquele jeito. Mas que “há uma moral” nisso. E eis o primeiro achado do filme: brincar com a própria noção de arte, com a expectativa do público e com o improviso que tanto caracteriza o trabalho dos grafiteiros. Nem sempre o resultado final era o que se imaginava mas, certamente, era o que se planejava dentro do contexto. Está na alma do grafiteiro não apenas o risco (afinal, o que eles fazem é “ilegal”) mas, essencialmente, o improviso após a pesquisa e o planejamento. Cada local urbano é único e, muitas vezes, o artista não tem tempo de estudá-lo e planejar cada detalhe de sua obra em detalhes. Daí que o resultado sempre é o melhor dentro do contexto – diferente de quem faz uma tela em casa, com tempo de planejar cada detalhe e ter o controle exato do resultado final.

Algo interessante nesta história é que Banksy não esperava ter que assinar Exit Through the Gift Shop como diretor. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Depois de embarcar na onda de Thierry Guetta, ele esperava aparecer, no máximo, como um dos personagens do tal documentário do francês. Mas ele descobriu o que nós também levamos um tempo para perceber: que Thierry é um louco de pedra. Quer dizer, para ser franca, eu notei isso meio que cedo. Pelo documentário, nós temos a vantagem de conhecer a história do francês quase desde o início – pelo menos a sua relação tresloucada com as câmeras. Não demora muito para notarmos que ele tem uns parafusos a menos – afinal, quem em sã consciência passa todo o tempo do dia filmando tudo que lhe acontece? Hoje criticam as pessoas que, no Twitter, publicam qualquer besteira que estejam fazendo. Mas imagina fazer isso, só que com uma câmera? Pois é, sinônimo de loucura. Claro que os motivos que fazem Thierry aderir de forma tão enlouquecida ao vídeo são explicados na produção – ou, pelo menos, é esboçada uma explicação.

Mas voltando para a essência da produção… Thierry convenceu artistas de diferentes nacionalidades a filmá-los porque estaria, segundo ele, produzindo um documentário sobre a arte feita nas ruas – o grafite e as demais variáveis. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). O problema é que eles não sabiam o que nós ficamos sabendo meio que cedo durante a produção: Thierry filma tudo, sem critério ou seleção, e depois simplesmente guarda as fitas em enormes caixas. E isso é tudo. Ele não tem foco, ideias claras. É apenas um sujeito que não tem muito o que fazer e que se sente “viciado” com qualquer novidade que signifique “colocá-lo na eternidade”. Sim, porque no fundo, a grande obsessão do francês é tornar-se um sujeito digno de ser “revisto” por outras pessoas no futuro. Seja através dos intermináveis vídeos que registram a sua vida privada e de todos que um dia cruzaram o seu caminho, seja através de sua “nova onda”, a arte.

Ao mostrar as aventuras de Thierry em filmar os grafiteiros e demais artistas, Exit Through the Gift Shop deixa de ser um simples documentário sobre estas pessoas e este tipo de arte para transformar-se em uma grande reflexão sobre o processo artístico, as pessoas que “consomem” estes produtos e todos os demais que giram ao seu redor. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Há observações sobre o mercado propriamente dito, com cenas de leilões e um certo “mal estar” dos artistas que fazem arte urbana em perceber como os seus trabalhos passaram a alimentar o “mainstream” (sistema), assim como autocrítica de Banksy, principalmente, sobre os riscos do ego e do desejo de autopromoção-reconhecimento-vontade de ter sua obra entendida pela “posteridade”. Neste último termo, no fim das contas (e daí, talvez, a tal “moral da história” a qual se refere o diretor no início), Thierry e Banksy acabam se aproximando. Neste desejo que, aparentemente, resume a nossa época: o de tornar-se famoso, conhecido (nem sempre reconhecido) e, desta forma, menos “efêmero”. A eterna busca do homem para desviar de sua característica mais óbvia: a mortalidade.

Mas eu diria que este é apenas um de vários sentidos que podem ser captados com este documentário. (SPOILER). Outro deles é de que a inovação, por via de regra, sempre acaba sendo absorvida pelo mercado. E quando ela tem um caráter “subversivo” e/ou underground, claro está, tem o seu sentido modificado/deturpado. Na moda, “mauricinhos” sem nenhum ideal revolucionário ou de mudança real da sociedade para uma situação mais igualitária usam camisetas com uma imagem estilizada de Che Guevara coladas ao corpo enquanto tomam uma garrafa de champanhe que custou R$ 400 em uma balada rave cara qualquer. Na arte, leilões, galerias e colecionadores pagam milhões de dólares pela obra de Banksy que, claramente, defende que a arte esteja em todos os lugares, em todas as ruas, e não nas galerias, museus e casas de colecionadores. A mensagem, os objetivos e intenções dos artistas legítimos se perdem. Ou, por outra visão, são absorvidos pelo sistema que eles gostam de criticar. E assim gira a economia da arte – e o mundo. Exit Through the Gift Shop reflete e, de maneira muito própria, critica esta realidade.

Mas a reflexão mais interessante deste documentário reside mesmo na figura de seu “protagonista”: o francês Thierry Guetta. (SPOILER). Desde que ficou claro que esta figura era um louco com muito tempo livre – e dinheiro para comprar infindáveis fitas de vídeo que eu não sei da onde surgia (não podia ser só da tal loja de roupas usadas) -, eu pensei: “Ainda bem que ele escolheu uma câmera de vídeo e não uma arma”. Porque ele era um obcecado que não tinha muita dificuldade de mudar de “paixões”. E quem vive desta forma, sem muitos objetivos claros ou princípios, está sujeito a passar, de um momento a outro, do amor extremo para o ódio assassino. A figura acabou colocando esta sua loucura em fitas de vídeo, o que foi ótimo. Um dia, quem sabe, alguém tem paciência de pegar as milhares de fitas com gravações que ele fez e lançar um documentário só sobre os artistas que ele filmou. Parte deste material foi utilizado por Banksy aqui. Mas não era a intenção do artista falar apenas do grafite e da arte de rua mas, essencialmente, sobre figuras que cercam esta arte, com o louco Thierry e tantos outros que “seguem a onda” e acham tudo o máximo sem ao menos entender sobre o que o artista está falando. Consomem, nunca refletem.

Fina ironia também o nome que o doido Thierry escolhe para assumir no meio artístico: Mr. Brainwash (Senhor Lavagem Cerebral). (SPOILER). Fina ironia porque o próprio francês é um subproduto da lavagem cerebral. Um cara que passou uma década, praticamente, observando os melhores artistas que produzem arte nas ruas e que não soube perceber, por exemplo, a logística que eles utilizavam no processo. Tanto que ele se lança em uma exposição sem saber resolver problemas prático. Assim, Mr. Brainwash nada mais é que uma máquina que expele obras de arte sem reflexão (ou com pouquíssima reflexão), pesquisa de estilo ou aprimoramento de técnica. O que lhe interessa é produzir em grande escala e vender. Pouco importa se as intervenções no espaço urbano tem alguma mensagem, crítica ou sentido. O que lhe interessa é espalhar, sem medida, a sua logo, o seu nome, e tornar-se conhecido para fazer dinheiro. Uma verdadeira lavagem cerebral – e que comprova, mais uma vez, que os imitadores sempre são piores do que os artistas que os originaram.

Por tudo isso, Exit Through the Gift Shop é um documentário raro. Porque não apenas conta, com cenas incríveis, sobre o processo de um tipo de arte “marginal” e difícil de ser registrada, mas, principalmente, reflete de forma crítica sobre esta própria indústria e produção. Olha com critério para os “seguidores” dos artistas e consumidores desta arte. Questiona a própria postura de quem a produz. Enfim, uma grande obra que não apenas ajuda a contar a história de um movimento artístico fundamental a partir do final dos anos 1990, mas que também reflete sobre a nossa própria sociedade e nosso consumismo sem critério ou reflexão. Filmaço, em uma palavra.

NOTA: 10.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Como um bom filme feito por um artista, não sabemos até que ponto tudo o que assistimos é verdade. Afinal, Thierry Guetta realmente começou a filmar o Space Invader “por acidente”? Ele apenas teve a sorte de ser o primo de um dos ícones da “arte de rua”? Ou as filmagens de Thierry e tudo o mais que aconteceu a partir dali, inclusive aquela exposição maluca no final, fazia parte de um plano de outras pessoas? Se tudo que está na tela é realmente verdade, que sorte desse homem ser primo do Space Invader, não?

Uma delícia passar por tantos lugares dos Estados Unidos, de Londres, de Paris e de outras cidades junto dos grafiteiros e dos demais artistas de rua. Uma forma bem diferente, sem dúvida, de ver estas cidades. E isto, claro, é justamente um dos maiores objetivos destes artistas – ocupar, apropriar-se e recontar a história dos espaços urbanos. Me fez lembrar um pouco outro documentário excelente, e ganhador do Oscar, Man on Wire – que eu comentei por aqui.

Exit Through the Gift Shop estreou no Festival de Sundance há pouco mais de um ano, no dia 24 de janeiro de 2010. Depois, passou pelos festivais de Berlim, San Sebastian, Helsinki, e outros cinco festivais menos importantes. Até o momento, a produção ganhou sete prêmios e foi indicada a outros nove. Todos os que recebeu foram dados por sociedades de críticos nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Não há informações sobre o quanto este documentário teria custado. Mas há dados sobre o seu desempenho nas bilheterias. Apenas nos Estados Unidos o filme arrecadou quase US$ 3,3 milhões até o dia 31 de outubro de 2010, quando saiu de cartaz nos cinemas. No resto do mundo, ele teve um desempenho minguado: conseguiu pouco menos de US$ 1,7 milhão. Mas, caso ganhar o Oscar de documentário, certamente, irá melhorar estas marcas.

Os usuários do site IMDb deram a nota 8,2 para a produção. Entre os documentários que estão concorrendo ao Oscar deste ano, é a melhor avaliação. Os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 96 críticas positivas e apenas duas negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 96% – e uma nota média de 8,2. Um raro empate, devo dizer, entre a opinião do público – que vota no IMDb – e dos críticos.

Não sou a única com dúvidas sobre o quanto Exit Through the Gift Shop é realmente apenas um documentário ou, além disso, também “uma pegadinha”. Este texto da The Times trata justamente deste assunto. No texto, chegam a especular se Thierry não é o próprio Banksy. Neste outro texto, agora do The New York Times, Melena Ryzik questiona se Exit Through the Gift Shop é mesmo um documentário. Independente do quanto do filme foi simulado ou “forjado”, ouso dizer sim que ele é um documentário. Afinal, mesmo um documentário, todos nós sabemos, tem uma certa “manipulação”. Nenhum filme do gênero é um retrato fiel da realidade. Como qualquer trabalho jornalístico, eles são, também, escolhas de realidades dentro de várias óticas e formas de narrar um determinado fato, acontecimento ou “estado das coisas”. Sendo assim, Exit Through the Gift Shop é um documentário, mesmo que parte dele tenha sido inventado.

CONCLUSÃO: Brincando, brincando, Banksy fez um documentário que resume boa parte da cultura ocidental nos últimos 20 anos. Pelo menos, no que se refere à vida relacionada com a arte. Quem é o artista e quem é a fraude? Como as galerias e colecionadores definem quem é um e quem é o outro? Exit Through the Gift Shop não trata apenas de arte urbana, pop ou dos fenômenos artísticos instantâneos. Aborda temas como transgressão, apropriação de espaços urbanos, sede por fama, irmandade e competição entre artistas. A rua é pública, democrática, mas os gatos artísticos que por ela caminham são seletivos. Mas o mais interessante é que o trabalho de Bansky não ignora a autocrítica. Thierry Guetta é um louco e um especialista em copiar/modificar o trabalho alheio. Mas ele só chegou no “auge” em que chegou graças à vaidade de Bansky e boa parte dos nomes envolvidos nesta produção. Impulsionados pela repercussão que a sua arte urbana começou a ganhar com o tempo, os artistas “clandestinos” se renderam à vontade de querer “entrar para a história”, abrindo o flanco para serem registrados e, de quebra, copiados. E a grande reflexão deste filme, talvez, seja justamente esta: vivemos em um tempo tão confuso, tão aberto a que “toda interpretação é válida”, que ninguém mais consegue diferenciar um verdadeiro artista, alguém que seja realmente bom no que faz, de uma fraude. Mais um retrato, assim como outros filmes que concorrem ao Oscar deste ano, desse nosso tempo de confusões.

PALPITE PARA O OSCAR 2011: A disputa deste ano está boa na categoria de Melhor Documentário. Diferente de outros anos, por mais que se fale muito de um título específico, não há um grande favorito. E sim dois ou três produções com reais chances de levar a estatueta. Dito isso, vale a pena comentar que Exit Through the Gift Shop parece estar na dianteira. Não apenas porque tem mais prêmios, até o momento, que seus concorrentes, ou porque tenha uma nota melhor entre o público – pelo menos pegando o site IMDb como termômetro. Mas porque todos falam de Exit Through the Gift Shop.

Mesmo que ele seja mais comentado que os outros filmes, é importante dizer que Waste Land conseguiu a proeza de ter uma aprovação de 100% entre os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes. No total, ele recebeu 47 críticas positivas. Está na frente de Exit Through the Gift Shop, que não é uma unanimidade. GasLand, que também está na disputa, conseguiu o mesmo feito: 100% de críticas positivas (34, no total).

Exit Through the Gift Shop sai na frente dos demais por ter conquistado, até agora, mais prêmios: sete em diferentes festivais e premiações de associações de críticos. Waste Land e Restrepo levaram menos, quatro prêmios cada um. Mas os documentários ganharam em disputas importantes. Waste Land ganhou dois prêmios no Festival de Berlim e um prêmio em Sundance. Restrepo levou para casa também um prêmio em Sundance e mais outro da cobiçada National Board of Review. A disputa está boa.

Existe ainda uma aura curiosa sobre a possibilidade de Exit Through the Gift Shop ganhar o Oscar. Banksy não apareceu nos almoços e confraternizações feitas pela Academia até agora. Na dúvida se, no caso de ganhar a estatueta, o artista subiria ao palco com uma máscara de macaco, os produtores do Oscar já avisaram que o melhor seria que o produtor Jaimie D’Cruz receba a estatueta por ele. Ou, no fim das contas, que Banksy se apresente para o mundo justamente na entrega de cerimônia do prêmio. O mais provável é que seja o produtor a subir no palco, caso o filme vença. Tudo o que a Academia não quer é que a premiação seja utilizada por Banksy para mais uma de suas grandes cenas. Veremos. Até os bastidores estão interessantes este ano.

:)
 

Toy Story 3



O tema de “fundo” desta vez não é adulto ou filosófico. Ainda assim, Toy Story 3 tem um argumento essencial que interessa e emociona aqueles que já passaram da adolescência e deixaram de brincar com os seus “velhos companheiros” de infância. Mais uma vez, a união da Pixar com a Disney produziu uma pequena obra-prima. Um filme impecável na realização e nas mensagens. Toy Story 3 une a agilidade de argumento da Pixar, que ajudou a modificar a indústria, com a preocupação em “belas mensagens” da Disney. Não foi por acaso, claro, que o filme dirigido por Lee Unkrich foi nomeado para cinco Oscar, incluindo a dobradinha de Melhor Filme e Melhor Filme de Animação. Certamente ele ganhará o segundo.

A HISTÓRIA: Um trem corre rápido. Surge da explosão de um de seus vagões, o vilão Mr. Potato Head (com voz de Don Rickles), carregando sacos de dinheiro. Em seguida, o destemido caubói Woody (voz de Tom Hanks) aparece para intimidá-lo. Mas a ameaça dura pouco, porque aparece para defender o marido a Mrs. Potato Head (voz de Estelle Harris). Quando Woody parece ter sido vencido, surge o apoio de Jessie (voz de Joan Cusack) e do fiel cavalo do caubói. Para evitar ser pego, Mr. Potato explode uma ponte e ameaça derrubar o trem cheia de órfãos. A aventura prossegue, com a entrada em cena de Buzz Lightyear (voz de Tim Allen) e de outros personagens. As sequências de aventura fazem parte de uma de tantas outras tardes de brincadeiras de Andy (voz de John Morris). O garoto, agora prestes a ir para a faculdade, deve fazer uma limpa em seu quarto, a pedido da mãe. Neste processo, por acidente, seus brinquedos acabam parando em um orfanato. E a aventura deles recomeça.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Toy Story 3): Impressionante como a aventura neste filme não para. Diferente dos filmes que antecederam Toy Story 3 nas edições anteriores do Oscar, que tinham muitas qualidades, mas também vários “altos e baixos” narrativos, nesta produção não existem momentos de “baixa”.

Méritos do excelente roteiro de Michael Arndt, baseado em uma história do trio John Lasseter, Andrew Stanton e Lee Unkrich. Mérito também, claro, da direção precisa de Lee Unkrich. Assim, como pede a nova “ordem” dos filmes de animação, Toy Story 3 consegue uma proeza cada vez mais difícil: agradar a crianças de diferentes idades, jovens e adultos. Os menores devem ficar encantados com o colorido e com a ação constante. Os adolescentes devem se identificar com Andy, divididos entre o desafio da vida adulta e suas responsabilidade e as boas lembranças dos velhos companheiros de brincadeiras. E os adultos sentirão um certo saudosismo daquela época em que “tudo era mais fácil” ao mesmo tempo em que celebrarão o cinema bem feito e as mensagens de valorização da amizade e das boas lembranças.

Falando assim, pode até parecer fácil conseguir fazer um filme de animação deste jeito. Mas, claro está, não é uma tarefa nada simples aliar estas diferentes linhas de encantamento e leitura de uma mesma história, qualidade técnica e narrativa. Se fosse simples, teríamos vários Toy Story 3 por ano, mas não é isso o que acontece. Normalmente, um filme de animação consegue agradar apenas a um determinado segmento. Ou consegue ser muito bom tecnicamente, mas falhar em algum ponto da narrativa. Não é isso o que acontece por aqui.

Toy Story 3 consegue ser completo e simples, ao mesmo tempo. Não faz manobras mirabolantes para contar uma boa história. Não tira coelhos da cartola, para dizer de uma outra forma. Não. Unindo o melhor da Disney e da Pixar, o filme tem muita ação, aventura, diálogos que podem ser entendidos por qualquer pessoa, um roteiro bem escrito e que, ainda que linear na maior parte do tempo – com poucas “voltas ao passado” -, nem por isso previsível. Há invenção por aqui. E como explicam os mestres em seus grandes filmes – vide Hitchcock, um dos ícones do cinema -, não importa tanto se o final for surpreendente ou previsível, desde que a “aventura” que o cinema propicia até lá for divertido, emocionante, prender a nossa atenção, como espectadores, todo o tempo. Claro que reviravoltas e finais surpreendentes também são bacanas. Mas de pouco valem se o resto do “corpo” do filme não for convincente e de qualidade.

Então temos ação, drama, romance, comédia, faroeste e um pouco de suspense nesta produção. E os gêneros fluem e mudam com naturalidade e certa rapidez. Não há grandes pausas para reflexão ou para que o espectador puxe o lenço e seque as lágrimas. Isso pode até acontecer, mais perto do final, mas sem interromper o que interessa: a história. Em outras palavras, diferentes de outras produções – sejam elas de animação ou não -, Toy Story 3 não faz pirotecnia e nem deixa evidente a manipulação dos sentimentos e do tempo do espectador. Somos conduzidos pela história com maestria, sem ver o truque dos mágicos.

Não lembro se assisti a Toy Story 2. Mas vi o primeiro. E não há dúvidas que houve uma evolução na grife. Esta terceira parte da saga é muito, mas muito superior à primeira. Não apenas Andy chegou à puberdade, mas a história conduzida pelos brinquedos também. Além de entretenimento, Toy Story 3 trata de valores – como pede o bom e velho estilo da Disney, quando ela não se perde em produções bobas e sem qualidade. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). No roteiro, há espaço para vilões, porque a vida é feita deles. E o filme não mostra um vilão qualquer, alguém estereotipado. Não. O que o espectador tem pela frente é Lotso (com voz do veterano Ned Beatty), um ursinho fofinho que era o melhor dos brinquedos, até que ele fica amargo e vingativo. Uma reflexão interessante sobre a própria essência das pessoas, capazes de guardar, dentro de si, protótipos de “anjos e demônios” – e escolhemos, diariamente, a quem alimentar e deixar pulsar.
Além desta ponderação, Toy Story 3 nos reserva outras. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Como aquela que perdura toda a produção: a força e a beleza da doação, da generosidade. É triste ver brinquedos acumulando pó e sendo comidos por traças. O filme mostra como o grande objetivo destes objetos, que ganham vida na nossa imaginação e nesta série de filmes, é a de serem brinquedos. Ou, em outras palavras, interagirem com as crianças e seus sonhos e fantasias. Sem isso, eles não tem sentido. O desprendimento é outra das lições deste filme. Assim como a força da amizade e da união, simbolizada pela grande aventura de Woody, Buzz Lightyear e toda a sua turma em retornar para a casa de Andy – eles não conseguiriam aquele feito se não estivessem sempre unidos e se sacrificando uns pelos outros.

Finalmente, Toy Story 3 nos mostra que cada fase da vida tem as suas preciosidades e que, mesmo adultos, não precisamos deixar de ser crianças ou adolescentes. Na verdade, um dos grandes desafios – e uma lição mais difícil de ser aprendida – é entender que carregamos todas as nossas “versões” anteriores conosco. E que não é preciso ser saudosista ou viver no passado para fazer a conexão com estas nossas outras versões, anteriores. Basta dar o devido peso e resgatar os melhores valores de cada época. Para mim, estas foram algumas das reflexões de Toy Story 3. E quantos filmes fazem você pensar em temas como estes, e desta forma? Pois palmas para os responsáveis por este grande filme. Pelo entretenimento e pela arte que ele significa.

NOTA: 10.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Há um desfile de personagens
interessantes nesta produção. E, claro, “por trás” das vozes deles, outro desfile de ótimos intérpretes. Além dos nomes já citados, vale a pena comentar o bom trabalho de Michael Keaton com o personagem de Ken; Wallace Shawn como Rex; John Ratzenberger como Hamm; Jodi Benson como Barbie; Emily Hahn como Bonnie; Blake Clark como Slinky Dog; Javier Fernandez Pena na divertida versão espanhola de Buzz; Timothy Dalton se dando bem como Mr. Pricklepants; Kristen Schaal como a “ligada na internet” Trixie; e Jeff Garlin como Buttercup, fechando a lista de novos brinquedos apresentados por Bonnie.

Citando os personagens do Ken e da Barbie, vale aqui um parênteses. A sequência em que Ken se exibe para a Barbie, mostrando o seu vasto guarda-roupas, é uma das melhores do filme. Enquanto ele se exibe – brincando com a vaidade que define a própria grife -, Barbie apenas pensa em como dará o passo estratégico seguinte. E no melhor estilo do humor da Pixar, genial a cena em que ela “tortura” Ken para conseguir ajudar os seus amigos em apuros. Sem apelar muito para o humor pesado, mas sem evitar a ironia, Toy Story 3 consegue equilibrar os diferentes níveis de leitura e agradar aos diferentes públicos.

Na parte técnica, o filme também é irretocável. Merece destaque, além do diretor Lee Unkrich, o departamento de arte com sete profissionais comandados por Susan Bradley; a trilha sonora rica e alegre de Randy Newman; a edição feita pelo diretor Unkrich e por Ken Schretzmann; a direção de arte de Daisuke Dice Tsutsumi; o departamento de animação com 63 profissionais (sim, 63!) comandados por Michael Stocker; o design de produção de Bob Pauley, e todas as outras dezenas de profissionais envolvidos.

Tanta gente envolvida em um mesmo projeto só poderia significar um custo alto de produção, certo? Pois sim. Toy Story 3 custou a fortuna de US$ 200 milhões. Algo espantoso, sem dúvida, e que poderia render algumas dezenas ou, inclusive, centenas de filmes “independentes”/baratos. E que não fossem de animação, é claro. Porque a verdade é que os filmes de animação atuais, utilizando alta tecnologia e um número tão grande de profissionais, só podem custar uma fortuna – com raras exceções que não passam por grandes estúdios. Mas para ser feito em tão “pouco” tempo e com olhos em ser um grande blockbuster, como é o caso desta produção, só com muito recurso mesmo.

Ainda que tenha custado a fortuna de US$ 200 milhões, Toy Story 3 saiu no lucro. Até o dia 21 de novembro do ano passado, quando saiu de cartaz nos Estados Unidos, a produção tinha arrecadado pouco mais de US$ 414,8 milhões. Mais que o dobro de seu custo inicial. E isso apenas nos Estados Unidos. Segundo o site Box Office Mojo, juntando a bilheteria conseguida nos demais países, Toy Story 3 superou a marca de US$ 1.063 milhões. Em outras palavras, arrecadou mais de 1 bilhão de dólares – cinco vezes o seu custo milionário. Incrível, não? E merecido, devo dizer. É a grande indústria do cinema gastando horrores, produzindo sonhos e lucrando ainda mais.
A trajetória de Toy Story 3 começou no dia 12 de junho de 2010, no desconhecido festival de cinema de Taormina. A produção passou ainda por outros dois festivais, sem grande relevância, e estreou em todas as partes do mundo até outubro do ano passado.
Antes de assumir a direção de Toy Story 3, Lee Unkrich havia editado os dois filmes anteriores da grife e co-dirigido a Toy Story 2. Unkrich também co-dirigiu a Monsters, Inc. e Finding Nemo. A estreia dele na direção ocorreu em 1995, com a série televisiva Silk Stalkings. Foi o próprio John Lasseter que escolheu Unkrich para dirigir a Toy Story 3.
Algumas curiosidades sobre esta produção: o roteiro de Toy Story 3 demorou dois anos e meio para ser finalizado e para ter o seu storyboard feito; este é o primeiro filme a utilizar o padrão de som Dolby Surround 7.1 que, além dos cinco canais já conhecidos, trabalha com dois extras (“back surround left” e “back surround right”). A sequência inicial do filme, no melhor estilo faroeste, tinha sido pensada para o primeiro Toy Story, mas acabou sendo cortada do original. Toy Story 3 foi o primeiro filme de animação a passar da barreira de US$ 1 bilhão conquistado na bilheteria mundial. A cena em que Buzz e Jessie dançam um tango conta com uma versão de You’ve Got a Friend in Me, do Gipsy Kings.
Até o momento, além de ter sido indicado em cinco categorias do Oscar, Toy Story 3 recebe 18 prêmios e foi indicado a outros 18. Entre os 18 prêmios que levou para casa, 17 foram por Melhor Animação do ano. Além deles, ganhou como Melhor Filme Família pela avaliação da Sociedade de Críticos de Cinema de Las Vegas.

Os usuários do site IMDb deram a nota 8,7 para a produção. Até agora, a melhor nota para os filmes da grife. Os críticos que tem textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 245 críticas positivas e apenas três negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 99% – e uma nota média de 8,8 – desempenho inferior ao dos dois filmes anteriores da saga dos brinquedos de Andy.

Ah, e importante observar: não assisti a Toy Story 3 na versão 3D. Mas imagino que, para quem assistiu, deve ter sido uma experiência incrível, certo? Aceito comentários nesta página.
:)
CONCLUSÃO: Cinema é diversão, entretenimento. Especialmente o cinema de animação. Mas há algum tempo, este cinema não é apenas isto. Com esta premissa, Toy Story 3 cumpre as suas funções com perfeição. Antes de mais nada, é um filme movimentado, cheio de ação, do início até o fim. Depois, ele tem os seus momentos de “pausa para a emoção” – e, até, para leves reflexões/saudosismos. De quebra, a produção deixa uma ou duas mensagens para o espectador pensar. Primeiro, sobre a força e a importância da união, dos amigos, da família. Depois, deixa a mensagem de que honrar o passado, agradecer aos momentos bem vividos, é um dos gestos mais sábios que alguém pode ter. Olhar com carinho para os seus brinquedos preferidos não é render-se ao consumismo. Pelo contrário. É valorizar uma época de fantasia, de imaginação solta. E se a pessoa consegue fazer isso da forma correta, quem sabe, pode até manter aquela “criança” sempre viva. Ao roçar nestas ideias, Toy Story 3 é, sem dúvida, uma das melhores animações dos últimos tempos – para dizer o mínimo. E ganhará, com todo o mérito, o Oscar que lhe é devido. Assista, se você ainda não fez isso até agora. O filme merece – e a sua infância “esquecida”, também.

PALPITES PARA O OSCAR 2011: Como eu disse antes, Toy Story 3 foi indicado em cinco categorias do Oscar deste ano. Uma grande conquista. Mas ele não terá chances de fazer história e ganhar o Oscar principal, de Melhor Filme. Não sei se, um dia, Hollywood terá coragem de entregar um Oscar destes para uma animação mas, sem dúvida, isso não ocorrerá desta vez. Toy Story 3 vai ganhar sim na categoria de Melhor Animação. Mesmo que os outros concorrentes sejam muito bons – não posso falar a respeito porque ainda não os assisti -, não vejo concorrência para Toy Story 3. Não apenas pela grande bilheteria que o acompanha, mas porque o filme é muito bem feito mesmo.

E nas demais categorias, quais as chances de Toy Story 3? Acho que ele tem boas chances em Melhor Canção Original. Mas, para levar a estatueta para casa, ele terá que derrubar a forte concorrência de If I Rise, canção de Dido, A.R. Rahman e Rollo Armstrong. Acredito que eles sejam os favoritos na disputa. Mas eis uma categoria bastante aberta a surpresas. Na disputa de Melhor Edição de Som, por mais que o trabalho em Toy Story seja bem feito, não imagino ele ganhando de Inception, por exemplo. Ou mesmo de Unstoppable. Toy Story 3 corre por fora desta vez. E chegamos a Melhor Roteiro Adaptado: difícil, mais uma vez. Este parece ser o ano do ótimo texto de The Social Network. Sem ser o roteirista Aaron Sorkin ganhando a estatueta, vejo mais 127 Hours ou True Grit disputando as honras do que Toy Story 3. E não porque o roteiro do filme não seja bom. Pelo contrário. Mas os seus concorrentes são melhores.

Winter’s Bone – Inverno da Alma

fevereiro 10, 2011 3 comentários

A realidade de algumas pessoas é dura, difícil. E para alguns, nada pode ser tão ruim que não possa piorar. Winter’s Bone conta uma destas histórias complicadas. E que piora. Mas por mais que o caldo engrosse e uma boa saída parece improvável, a protagonista desta história persiste. Para alguns, o trabalho da atriz Jennifer Lawrence vale o filme. E sim, ela está muito bem. Mas cá entre nós, achei a história de Winter’s Bone cansativa, arrastada, um retrato triste de uma parte da sociedade dos Estados Unidos da qual apenas ouvimos falar. Quer dizer, teve gente que teve a infelicidade de viver um tempo naquele território agreste, de pessoas duras, ríspidas, aparentemente incapazes de afeto. Mas talvez aí resida a faísca interessante desta produção: em revelar, sem pressa ou mesmo utilizando recursos baratos, a solidariedade e o afeto daquelas pessoas “brutas” em seu cotidiano. Um bom filme, mas muito abaixo dos concorrentes deste ano no Oscar.

A HISTÓRIA: Cenário de árvores sem folhas, de alguns carros antigos parados, um lugar aparentemente sem vida. Uma voz melodiosa, mas um bocado triste, começa a cantar. Duas crianças pulam e se divertem em uma cama elástica. Depois, brincam com dois filhotes de gatos e com um skate. As crianças são Sonny (Isaiah Stone) e Ashlee (Ashlee Thompson), irmãos mais novos de Ree (Jennifer Lawrence). A garota de 17 anos coloca as roupas no varal com a ajuda de Ashlee enquanto Sonny observa tudo deitado em uma rede. Ree é a responsável pela casa, na ausência do pai, que foi mandado para a prisão. Ela cuida não apenas dos irmãos menores, mas da mãe doente – e mentalmente ausente. A vida é de sacrifícios, mas tudo fica pior quando Ree recebe a visita do Sheriff Baskin (Garret Dillahunt). Ele comunica a garota que o pai dela, que saiu em condicional, está sumido e que, se ele não aparecer para a audiência marcada com o juiz, ela e a família poderão perder a casa e a propriedade em que moram. Desesperada com esta possibilidade, Ree empreende uma busca perigosa para descobrir o paradeiro do pai.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Winter’s Bone): Algumas realidades são mais duras que outras. E alguns ambientes, mais hostis. Winter’s Bone foca a atenção do espectador para o interior dos Estados Unidos, um lugar onde costuma fazer frio. E não trato, com a linha anterior, apenas do clima, da temperatura, mas das relações humanas. Uma produção que revele um pouco mais sobre estes tipos de relações e, de certo modo, como o ambiente da prisão pode espalhar-se pela sociedade embrutecida, merece nossa atenção. Mas há um problema quando o filme que propõe esta e outras reflexões não consegue ir além da camada superficial. Até porque, convenhamos, há realidades mais duras do que aquela vista em Winter’s Bone.

Talvez você, meu caro leitor e leitora, tenha sentido angústia ou apreensão com esta história. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Talvez vocês tenham ficado realmente preocupados com a protagonista e com sua família, acreditando no suspense sugerido pelo roteiro que a diretora Debra Granik escreveu ao lado de Anne Rosellini. Da minha parte, achei tudo bastante cinza, um bocado arrastado e menos “visceral” do que se podia imaginar. Ok que aquela permanente e aparente falta de “sentimento” faça parte do jogo, do enredo, da mensagem. Mas essa “sobriedade” disfarçada em “pessoas sem coração” também cansa. Certo, aquele mundo é cruel. Mas tantos outros mundo são tão ou mais cruéis que aquele e não rendem um filme vendido como digno de Oscar.

Em teoria, o suspense sobre o paradeiro do pai de Ree deve segurar o filme. (SPOILER – não leia se você não assistiu a Winter’s Bone). Assim como a dúvida sobre o que irá acontecer com a garota persistente. Será que ela será silenciada, como o pai dela provavelmente foi? As dúvidas são legítimas, mas o suspense é fraco. Fica estabelecido sobre alicerces frágeis e isso faz com que o espectador, você e eu, tiremos conclusões muito antes do que deveríamos. Há pouca surpresa nesta história. E quando um filme não nos surpreende, espera-se que ele pelo menos nos envolva, nos emocione. Não sei vocês, mas fora uma ou outra cena de ternura com as crianças – especialmente a menininha Ashlee Thompson -, pouco de emoção eu senti com Winter’s Bone. Sei que alguns irão discordar de mim, mas não vi o apelo que fez certas pessoas ficarem encantadas com a produção.

Também acho que Winter’s Bone destoa muito do restante dos indicados deste ano na categoria de Melhor Filme no Oscar. Ok, ainda falta assistir a Toy Story 3. Mas algo me diz que a animação não irá me decepcionar. Afinal, tantas pessoas falam bem dela… A impressão que fica é que escolheram Winter’s Bone para integrar a lista dos 10 indicados com o objetivo de preencher uma possível “vaga para filme alternativo” da premiação. No ano passado, o Oscar equilibrou filmes de grandes estúdios e diretores com produções mais modestas. No orçamento, pelo menos. Não na qualidade. Vide Precious, District 9 e An Education.

Este ano, ao invés de indicar produções como Hereafter ou Somewhere, dirigidas por dois nomes conhecidos, o Oscar resolveu abrir espaço para Debra Granik e seu Winter’s Bone. Certo que o filme tem as suas qualidades, como o equilíbrio entre o elenco – ninguém se destaca muito, todos estão bem nas interpretações – e uma edição de fotografia competente. Sei que a trilha sonora também é bacana, com músicas feitas sob medida para reforçar a “aura” de Winter’s Bone. Mas, francamente, até as músicas rurais típicas do interior dos Estados Unidos, esse folk cheio de lamento, me cansou.

NOTA: 7,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Se fosse avaliar apenas a história narrada por Winter’s Bone, provavelmente a minha nota seria ainda menor. Mas gostei de alguns momentos do filme, assim como da interpretação de Jennifer Lawrence e de alguns dos coadjuvantes. Destaco, em especial, o ótimo trabalho de John Hawkes como Teardrop, o tio da protagonista; e de Dale Dickey como Merab, a mulher durona que protege o “chefão da máfia regional”, Thump Milton (Ronnie Hall).
Além dos atores já citados, vale a pena comentar o bom trabalho de Shelley Waggener como Sonya, a vizinha dos Dolly e que ajuda Ree e seus irmãos volta e meia – um exemplo bacana de solidariedade e compaixão; Lauren Sweetser como Gail, o braço direito de Ree em sua busca por respostas; e Cinnamon Schultz em uma super ponta como Victoria, mulher de Teardrop. Na parte técnica, vale citar a direção de fotografia de Michael McDonough, muito bem feita e planejada para imprimir a aura correta nesta história; a trilha sonora de Dickon Hinchliffe – ainda que é preciso gostar da típica música do interior dos Estados Unidos.

Para os interessados em saber sobre o local em que este filme foi rodado, Winter’s Bone foi todo filmado nas cidades de Branson e Forsyth, ambas no Missouri.

Winter’s Bone estrou em janeiro do ano passado no Festival de Sundance, nos Estados Unidos. Depois, passou pelo Festival de Berlim e em outros 23 festivais. Pois sim, no total, Winter’s Bone fez a sabatina em 25 eventos de cinema. Uma marca impressionante. E que foi fazendo o nome do filme, até o ponto dele ser indicado em quatro categorias do Oscar.

Passando por tantos festivais mundo afora, o filme de Debra Granik conseguiu embolsar 19 prêmios. No Festival de Berlim, a produção embolsou dois prêmios secundários: o C.I.C.A.E. e o Tagesspiegel. Festival de Cinema Independente de Boston, levou o prêmio entregue pela audiência e também um prêmio especial do júri. No Gotham Awards, premiação voltada para os filmes independentes (a exemplo de Sundance), levou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Elenco. No Festival de Sundance, Winter’s Bone levou o Grande Prêmio do Júri e o prêmio Waldo Salt como melhor roteiro. A atriz Jennifer Lawrence foi premiada oito vezes, em diferentes festivais e prêmios entregues por sociedades de críticos. Ela foi indicada ainda ao Globo de Ouro como Melhor Atriz, mas perdeu o prêmio para Natalie Portman, por Black Swan.

Winter’s Bone custou um ninharia para os padrões do cinema produzido dos Estados Unidos: US$ 2 milhões. Ou seja, independente até a medula. A produção estreou nos Estados Unidos em junho do ano passado e, até o dia 30 de janeiro, havia faturado pouco mais de US$ 6,3 milhões. Não apenas conseguiu um bom lucro, mas também emplacou vários prêmios e ocupou o espaço do cinema independente no Oscar deste ano.

Uma curiosidade sobre o filme: muitas das “estrelas” de Winter’s Bone, como as crianças que interpretam a Sonny e Ashlee, e William White, que interpreta a Blond Milton, assim com outros nomes da produção, são moradores de Forsyth e nunca haviam interpretado em suas vidas. Percebe-se esta “frescura” e legitimidade em cena – o que justifica também o baixíssimo orçamento da produção.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,4 para o filme. Os críticos que tem textos publicados no Rotten Tomatoes foram mais generosos: dedicaram 137 críticas positivas e apenas oito negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 94% – e uma nota média de 8,3. Eles gostaram mais do filme do que eu – o que é algo raro, diga-se.

O roteiro da diretora Debra Granik e de Anne Rosellini é baseado no livro homônimo de Daniel Woodrell, que foi elogiado por fazer um retrato interessante das comunidades rurais do Sul dos Estados Unidos que tem que conviver com sua inabalável fé contrastada com a realidade do consumo e produção de drogas. O livro parece bem interessante, especialmente porque Woodrell classifica a sua forma de escrever de “country noir”. Mas não achei que o filme acompanha este processo – seria interessante ver na tela um noir embebido em country. O que eu vi foi apenas um drama com música do gênero, nada mais.

Antes de filmar Winter’s Bone, Debra Granik havia dirigido o curta Snake Feed, em 1997, e o longa Down to the Bone, estrelado por Vera Farmiga, em 2004. Com Winter’s Bone ela foi premiada, pela segunda vez consecutiva, com dois longas em sua filmografia, no Festival de Sundance.

CONCLUSÃO: Uma família em crise, que vive com pouco dinheiro e contando com a ajuda de vizinhos e conhecidos, tem um desafio ainda maior pela frente. Lidar com o desaparecimento do pai da protagonista e de seus dois irmãos. Caso ele não volte a dar as caras, esta família poderá perder a casa e a propriedade em que vive. Winter’s Bone pega esta premissa, adiciona algumas colheradas de tensão, suspense e crime e nos apresenta um drama que veste as roupas do local em que a produção foi rodada, o Missouri. Embalado por músicas do mais puro folk, este filme é quase um estudo de caso sobre o fundo do poço da alma do interior dos Estados Unidos. Até um certo ponto, Winter’s Bone se mostra interessante por isso. E pelas boas interpretações do elenco. Mas por outro lado, o drama previsível acaba cansando. Entre os filmes concorrentes ao Oscar deste ano, sem dúvida, é o mais fraco da lista.

PALPITE PARA O OSCAR 2011: Surpresas sempre podem acontecer. Isso, todos nós, que acompanhamos ao Oscar, sabemos. Mas o meu palpite é que Winter’s Bone sairá de mãos abanando da premiação deste ano. Na categoria principal, como Melhor Filme, ele não tem nenhuma chance. A produção não tem qualidade ou mesmo lobby suficiente para derrubar os peso-pesados The Social Network, The King’s Speech, True Grit ou mesmo Black Swan. Por mais que John Hawkes esteja muito bem no papel de Teardrop, ele não será capaz de tirar a estatueta de Christian Bale. E mesmo Geoffrey Rush estaria em sua frente na disputa.

Jennifer Lawrence é a alma do filme e, muitas vezes, a única razão para continuar assistindo a história amarga e redundante de Winter’s Bone. Ainda assim, a garota talentosa não conseguirá bater a fantástica Natalie Portman de Black Swan, ou mesmo a precisa Annette Bening de The Kids Are All Right. Para Lawrence, o prêmio de ter sido indicada será suficiente este ano. E finalmente Winter’s Bone na categoria de Melhor Roteiro Adaptado: sem chances também. Os textos de The Social Network, 127 Hours e True Grit, nesta ordem, são melhores do que o roteiro de Winter’s Bone. Ainda não assisti a Toy Story 3, mas algo me diz que o filme de animação também deve ter um texto melhor – do contrário, não seria o favoritíssimo deste ano em sua categoria. Para resumir: apenas uma grande, enorme zebra faria Winter’s Bone ganhar algum Oscar este ano.


 

True Grit – Bravura Indômita

fevereiro 8, 2011 1 comentário
Os irmãos Coen continuam com a vocação inabalável de desmontar mitos e lugares-comum que compõe a “alma” dos Estados Unidos. Desta vez, a dupla focou o seu talento para contar a história de um faroeste em que uma garota de 14 anos dá as cartas. True Grit levou os Coen novamente para os holofotes do Oscar, em um ano em que eles devem enfrentar uma concorrência feroz – cenário em que outras duas produções lideram a disputa na frente deles. Além de tornar uma garota nada usual como heroína da história, True Grit desmonta mitos da época das “terras selvagens” norte-americanas, mostrando dois tipos de “oficiais da lei” de maneira pouco dignas. De um lado, um Marshall alcóolatra e considerado mercenário por alguns. De outro, um Ranger arrogante, cheio de soberba e um bocado pavão. E para melhorar a situação, no melhor estilo de humor dos Coen, os dois tem as suas “bravuras” colocadas à prova por uma garota, o que acaba rendendo momentos de competição quase infantil.

A HISTÓRIA: Uma mulher narra a sua história. Conta como, aos 14 anos, mesmo contra as previsões de todos, ela conseguiu vingar a morte do pai. Pela sua versão, quando ela tinha esta idade, um covarde chamado Tom Chaney atirou no pai dela e o matou. Robou-lhe “a vida e o cavalo, e duas peças de ouro da Califórnia”. Chaney tinha sido contratado pelo pai da menina para ajudá-lo a buscar alguns cavalos comprados em Forth Smith. Na cidade, Chaney foi para o bar beber, jogou cartas e perdeu todo o dinheiro que tinha. Achou que estava sendo enganado e voltou para a pensão para apanhar um rifle, quando o pai de Mattie Ross (Hailee Steinfeld) tentou impedí-lo. Chaney então matou o homem e fugiu. Mattie critica que ninguém na cidade se interessou em capturá-lo ou perseguí-lo. Mas ela tomou a frente disso, na busca do corpo do pai, de conseguir reaver o dinheiro por ele gasto com os cavalos, e contratando um U.S. Marshall para perseguir a Chaney. Após receber três recomendações do xerife de Forth Smith, Mattie escolhe Rooster Cogburn (Jeff Bridges), considerado o mais “malvado, durão, impiedoso” Marshall das redondezas. Cogburn não teria “medo de nada, mas tem problema com a bebida”. Mattie não se importa com este último detalhe e o contrata, seguindo o Marshall na caçada do assassino de seu pai.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte dos textos à seguir contam momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a True Grit): ”Os ímpios fogem sem que haja ninguém a perseguí-los” (Provérbios 28,1). Mais uma vez, e logo após A Serious Man, os irmãos Joel e Ethan Coen voltam a começar um filme citando a Bíblia. Pena que, desta vez, eles não completaram a frase. Após “Os ímpios fogem sem que haja ninguém a perseguí-los”, o provérbio continua: “mas os justos são ousados como um leão”.

As leituras possíveis sobre o uso de trechos tão sugestivos da Bíblia pelos diretores são variadas. Mas, para mim, desde a primeira vez que eles fizeram isso, há dois sentidos claros nestas citações. Primeiro, elas reforçam a análise crítica que os Coen fazem da sociedade dos Estados Unidos, considerada “puritana” por alguns, mas que, de fato, tem na Bíblia um alicerce histórico – para o bem, e para o mal. Porque o problema – antes que alguém me interprete mal, vou explicar – não está nunca na Palavra, mas na interpretação equivocada e, especialmente, no seu uso com fins que não passam pela essência do cristianismo. Mais que isso, convenhamos, não preciso explicar. Para bom entendedor… Voltando a primeira razão: ao citar a Bíblia, os Coen estão deixando ainda mais claro que o que veremos a seguir é uma reflexão crítica, irônica e, algumas vezes, um pouco cínica, sobre os efeitos e influências que a religião teve e continua tendo na sociedade da qual eles estão falando.
Depois, as citações bíblicas sempre parecem resumir a “alma” da história que vamos assistir. Aqui, ao comentar que os “maus” fogem quando não há pessoa que os persiga, os diretores deixam claro que True Grit é, além de outras coisas, uma crítica pesada a falta de justiça, ao sistema falho que existe nos Estados Unidos, no Brasil e em qualquer parte do mundo – em maior ou menor grau. A parte que faltou eles citarem, do provérbio, parece estar diluída no próprio filme: aqueles que estão do lado da justiça ganham coragem redobrada e vencem todos os perigos, como o leão em uma floresta.
Como é típico dos irmãos Coen, em True Grit o espectador é presenteado com um roteiro saboroso, cheio de referências a lugares e personagens da história estadunidense. Cá entre nós, algumas vezes, esse excesso de referências chega a cansar. Mas imagino que os estudiosos da história dos Estados Unidos devem saciar os seus desejos por referências com este tipo de roteiro. Diria que este tipo de texto tem seu lado positivo e negativo, por isso. O roteiro dos Coen também segue apostando em diálogos escritos com perfeição e esmero, na construção de frases em que não sobram palavras. Concisão e rapidez por um lado, excesso de referências de outro. Típico dos diretores e roteiristas.
Em True Grit, os Coen respeitam todos os preceitos de um faroeste, com ótimas cenas de perseguição, suspense e algo de adrenalina. Há pelo menos uma grande sequência, impecável e que relembra os grandes momentos do gênero. Mas se o filme fosse só isso, seria tudo, menos uma obra dos Coen. Para ter a assinatura deles, além das características do gênero reinventadas, é preciso adicionar outros elementos. Especialmente a crítica ácida e a ironia. Que desmontam “lendas” e tentam desmascarar “heróis”. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Só com os Coen poderíamos ver um Marshall interpretado por Jeff Bridges cambaleante, caolho, durão, mercenário, corajoso, beberrão e partidarista. Para contrastar com esta figura, um Ranger interpretado de maneira hilária por Matt Damon. Ranger este bastante ineficaz e que, como tantos outros, tinha mais histórias do que feitos de bravura para contar.
Existe, neste filme, claro, espaço para os bandidos. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mas como é típico também, entre os Coen, a linha que separa mocinhos de bandidos parece bastante difusa. Nada é tão claro quanto algumas religiões gostariam. No lugar do preto e do branco, o cinza predomina nas intenções e nos atos dos personagens. Quem é mais mercenário? Quem é mais corajoso? Quem está defendendo uma boa causa? O bandido que rouba para sobreviver, porque só encontra ali uma alternativa? O Marshall ou o Ranger que perseguem recompensas porque o que eles ganham do governo é insuficiente para viver? Neste cenário, uma garota de 14 anos ensina para os adultos o que é bravura, inteligência e correção.
Para os Coen, não existe sociedade modelo. Em parte alguma. Mas eles não falam do Japão. Os diretores e roteiristas contemplam sempre o próprio quintal. Falam de terras inóspitas e geladas aqui, de terrenos “selvagens” de uma história vistas com orgulho (e muito desconhecimento) dali. Por isso mesmo, eles são grandes – e admirados pela Academia e pela indústria. Porque não se cansam de ousar, perseguindo com identidade própria uma reflexão sobre o passado e o presente da sociedade dos Estados Unidos. E mesmo quando falam de um tempo de terras inóspitas, como em True Grit, eles estão tratando de assuntos atuais. Que ninguém se engane que os Coen, com este último filme, não estão refletindo sobre corrupção, interesses escusos, falta de justiça, família e tantas outras questões muito pertinentes nos nossos dias – e que, ao olhar para trás, apenas entendemos melhor a origem de tudo isso.
Equilibrando ação, humor, crítica – com fina ironia, um bocadinho de drama e suspense, True Grit comprova, outra vez, a capacidade dos Coen de apresentar o seu próprio país, para o mundo, de uma forma diferenciada. E de promover, em próprio solo norte-americano, um incentivo para a revisão histórica e de valores. Apenas por isto, eles já merecem aplausos. Mas, além das intenções e resultados, o que importa mesmo, é que eles são ótimos cineastas. Ou, em outras palavras, sabem fazer filmes envolventes, com boas histórias e perfeitos na técnica. Aqui, mais uma vez, eles acertaram. E só não dou a nota máxima porque, apesar de todas as qualidades, achei que eles não foram muito além do que já vimos antes. Faltou um pouco mais de ousadia ou de reinvenção deles próprios. Mas, acredito, olhando para a filmografia da dupla, que isto em breve poderá acontecer novamente. Para a nossa sorte.
NOTA: 9,6.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Deixei para falar dos aspectos técnicos do filme e de curiosidades por aqui mesmo. Há tanto para se falar de True Grit… mas tentarei ser “comedida” desta vez. Até porque tenho que me atracar a outros filmes antes do Oscar.
:)
Mais uma vez, Jeff Bridges está digno de um reverência. O ator incorporou até a medula o personagem de Cogburn e merece, sem dúvidas, a segunda indicação seguida para o Oscar. Mas diferente do ano passado, dificilmente neste ele consiga levar a estatueta para casa. Contrapondo com ele, servindo muitas vezes como uma “consciência” adjunta do “herói”, a mais que reveladora Hailee Steinfeld. Seu desempenho aqui é tão bom que a Academia lhe indicou como coadjuvante. Tudo bem que ela teve um roteiro incrível para proferir em cena, mas sua interpretação é tão marcante que fiquei em dúvida na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante deste ano.

Além da dupla mais encantadora do filme – sim, Bridges e Steinfeld acabam sendo encantadores -, palmas também para a interpretação engraçadíssima de Matt Damon. Como os Coen haviam feito antes com George Clooney, aqui foi a vez deles “retocarem” e modificarem a imagem de Damon. Ele está perfeito. Além deles, merecem ser citados Josh Brolin como o bandido Tom Chaney, ainda que seu papel tenha sido bem diminuto; Barry Pepper, especialmente inspirado, como o chefe de quadrilha e “inimigo” histórico de Cogburn, Lucky Ned Pepper; e o cômico Bruce Green em quase uma ponta como o bandido “que faz vozes de bichos” Harold Parmalee.

Na parte técnica do filme, inevitável falar da direção de fotografia. Claro que a história ajuda, e os cenários também, mas a técnica de Roger Deakins lhe rendeu, não por acaso, uma indicação ao Oscar. O trabalho dele se diferencia nos detalhes, como na captação de uma luz expressiva que entra no galpão em que Cogburn está dormindo, por exemplo, ou na fogueira que aquece o trio de personagens principais em uma noite fria. Bom o trabalho de Carter Burwell na trilha sonora, ainda que eu tenha achado ela um tanto “clássica” (alguns podem interpretar como previsível) demais. Mas envolvente, isso é preciso registrar. Bom o trabalho de pesquisa e de desenho dos figurinos, assinados por Mary Zophres, ainda que eu não ache que ela chegue ao ponto de ganhar um Oscar. Os demais elementos técnicos também acompanham a qualidade do projeto ainda que, como a própria direção dos Coen, eles não tenha apresentado realmente inventividade ou muita ousadia.
True Grit estreou com uma premiere em Nova York no dia 14 de dezembro. Além de concorrer a 10 estatuetas no Oscar, a produção participará do Festival de Berlim, que começa daqui a dois dias, em 10 de fevereiro.

Para quem ficou curioso/a para saber onde True Grit foi filmado, o último filme dos Coen foi rodado no Texas e no Novo México. Foi uma produção relativamente cara: custou US$ 38 milhões. Mas está indo bem, muito bem nas bilheterias dos Estados Unidos. Até o dia 30 de janeiro, ou seja, em pouco mais de um mês em cartaz nos cinemas, o filme acumulou US$ 148,3 milhões. Um resultado muito bom e que só tende a crescer em fevereiro, até pelo impulso que o Oscar deverá dar para a produção. E algo fundamental para este resultado: o trabalho massivo de marketing em torno do filme. Isso pode ser percebido pela publicidade nos sites, como o IMDb, e nos vários cartazes produzidos para promovê-lo.

O roteiro, sem dúvida um dos pontos fortes de True Grit, foi inspirado no livro homônimo de Charles Portis, publicado em 1968. Segundo este texto da Wikipédia, o livro foi adaptado para o cinema no ano seguinte, em uma produção estrelada por John Wayne. Fiquei curiosa para assistir, até para saber do grande contraste que deve separar a produção dos Coen daquela “clássica” com Wayne. Depois, segundo o mesmo texto, o ator veterano e conhecido pelos filmes de faroeste voltou a interpretar o destemido U.S. Marshall na produção Rooster Cogburn, de 1975.

Pelo que o link da Wikipédia conta, a história original de Portis já tinha “o achado” de ter uma garota de 14 anos como heroína. Mattie Ross, pelo livro dele, foi a responsável por promover uma caçada ao assassino de seu pai. No livro, Portis explora mais a relação de Chaney com a família Ross, deixando para Mattie classificá-lo como “lixo”, um sujeito que não é afeito ao trabalho na fazenda. Na obra fica mais claro que Chaney mata o pai de Mattie para roubar-lhe o dinheiro – US$ 150 que não haviam sido gastos para comprar os cavalos, assim como as duas peças de ouro. Depois do crime, ele foge para o Território Índio – que era razoavelmente “protegido” e/ou “inacessível” -, atualmente Oklahoma.

Achei o máximo que, no livro de Portis, Rooster Cogburn é descrito como um Marshall envelhecido, “caolho”, que está acima do peso, alcoólatra, mas que é rápido no gatilho. A justa descrição do que os Coen colocaram na tela.

E uma curiosidade sobre o True Grit de 1969: o filme rendeu um Oscar de Melhor Ator para John Wayne em 1970. Aquela foi a única estatueta ganha pelo ator em sua carreira.

Agora, uma curiosidade sobre a versão dos Coen de True Grit: por causa da lei que proíbe o trabalho infantil, os diretores não puderam filmar cenas com Hailee Steinfeld após a meia-noite. Como há muitas cenas noturnas, parte do trabalho foi gravado com ela antes da meia-noite e, nas cenas em que ela aparece de costas, a atriz foi substituída por dublês adultas.

Para os curiosos do tema armas: em True Grit, o personagem de Rooster Cogburn utilizada uma Colt Single Action Army, uma Winchester Model 1873 e um par de revólveres Colt Navy 1851. Mattie herda do pai uma Dragoon Colt. O Ranger La Bouef carrega uma Colt Single Action Army e uma carabina Sharps 1874. Tom Chaney usa um rifle Henry Modelo 1860, e Ned Pepper leva um revólver Remington 1875 e um rifle Winchester 1866 Yellow Boy.

Até o momento, True Grit foi indicado a 10 Oscar, recebeu outros 12 prêmios e foi indicado a mais 55. Entre os que recebeu, destaque para os de Melhor Atriz Coadjuvante para Hailee Steinfeld pelas associações de críticos de cinema de Austin, Chicago, Kansas City, Central Ohio, Toronto e pela Sociedade de Críticos de Cinema Online (além de um prêmio por “jovem desempenho em filme” entregue pelos críticos de Las Vegas); e os de melhor direção de fotografia dados pelas sociedades de críticos de Cinema de Boston, Central Ohio, Phoenix, e dos Críticos de Cinema Online.

Os usuários do site IMDb deram uma nota boa para a produção: 8,2. Mas poderia ser melhor. Os críticos do Rotten Tomatoes, mais uma vez, foram mais generosos: publicaram 200 críticas positivas e apenas 10 negativas para a produção, o que lhe garantiu uma aprovação de 95% – e uma nota média de 8,3.

E um alerta importante: evite assistir ao trailer se você ainda não viu a True Grit. Porque no trailer eles praticamente acabam com todas as surpresas e dão uma palhinha dos momentos principais da história.

CONCLUSÃO: Um faroeste meio clássico, meio desconstruído. True Grit traz em seu dorso cenas de cavalgadas, aventuras, perseguição e o clássico “mocinho contra bandido”, ao mesmo tempo em que deixa claro que a separação entre uns e outros é muito tênue. No melhor estilo dos irmãos Ethan e Joel Coen, este filme esboça com fina ironia uma época em que a injustiça parecia imperar – exceto para aqueles que podiam pagar por ela. Voltando a temas abordados em filmes recentes da dupla, os Coen acrescentam mais uma colherzinha na crítica da sociedade em que eles vivem.

Tentando retirar máscaras e desmontar mitos. Revelando que ninguém pode ser catalogado facilmente e que os desejos de justiça e busca da verdade nem sempre são suficientes. Com interpretações inspiradas e o uso de recursos técnicos com perfeição, True Grit entra para a lista dos grandes filmes dos Coen. Para os que gostam de faroeste, então, é um prato cheio. Também pelo achado de colocar uma garota de 14 anos como grande heróina – mérito da obra original, do escritor Charles Portis, publicada em 1968. Os Coen desmontando o gênero inclusive por tirar a figura predominante do macho do holofote. Por estas e por outras, eles são geniais. Só que para não dizer que tudo é perfeito, os que acompanham a trajetória dos Coen talvez se cansem, nem que for um pouquinho, como eu, por eles seguirem a mesmíssima linha, sem muita invenção, há tanto tempo. Por um lado, isso é sinônimo de coerência. Mas por outro, talvez, esteja na hora deles ousarem um pouquinho mais.

PALPITE PARA O OSCAR 2011: True Grit foi o segundo filme com o maior número de indicações ao Oscar deste ano. Só ficou atrás das 12 indicações de The King’s Speech. Pela minha análise, dificilmente teremos este ano um “grande ganhador”. O mais provável é que The Social Network, The King’s Speech e Inception fiquem meio que equilibrados no número de estatuetas. Mas então como ficaria True Grit? Um ano sem grandes ganhadores não significa, exatamente, que não teremos grandes perdedores.

Para começar, True Grit foi solenemente ignorado pelo Golden Globes. Claro que esta premiação não elimina as chances dele no Oscar, mas já servem como um bom termômetro. E quando digno ignorado no Globo de Ouro, não estou falando apenas da lista de vencedores, mas inclusive na de indicados. True Grit não disputou nada de nada.

Pela minha lista de palpites sobre o Oscar, ele também não aparece em parte alguma. Nem nas categorias técnicas. Mas dei os pitacos antes de ver ao filme. Agora, acho que ele talvez tenha alguma chance em duas categorias: Melhor Atriz Coadjuvante, para Hailee Steinfeld, e Melhor Direção de Fotografia. E só. Steinfeld tem a inglória tarefa de vencer a Melissa Leo, que está ótima em The Fighter. Mas, caso Steinfeld vença, será um prêmio muito merecido. E Roger Deakins deverá deixar para trás trabalhos estupendos, como as fotografias de Black Swan, The Social Network e The King’s Speech. Ambos tem a seu favor vários prêmios conquistados por associações de críticos. Mas não são os críticos, e sim as pessoas que fazem a indústria, quem decide sobre o Oscar. Cá entre nós, ainda que eles tenham méritos, não vejo nenhum dos dois levando o Oscar para casa.

Que chances, então, teria True Grit nas outras oito categorias que está disputando? Melhor Filme ele não leva – The King’s Speech e The Social Network, especialmente o segundo, dominam as bolsas de apostas. E com razão. Aliás, dei para True Grit a mesma nota que havia dado para The Social Network porque, para mim, os dois filmes são muito bons. Diferentes entre si, mas muito bons. Acima da média. Mas, para meu gosto, estão um pouco abaixo de The King’s Speech e Black Swan – meus favoritos, caso minha torcida valesse algo.
;)
Jeff Bridges não tem chance, este ano, com os concorrentes – especialmente Colin Firth. Não seria uma injustiça, caso ele ganhasse, mas seria uma grande surpresa – e zebra. Não acho que isso vá acontecer. A Direção de Arte do filme é boa, tem uma bela pesquisa, mas acho que não ganha de Inception, The King’s Speech ou Alice. Em Figurino o filme também corre por fora, atrás de Alice e The Tempest. Melhor Diretor, será muito difícil.

Ainda que a Academia goste muito dos Coen, mas este ano parece ser mesmo de David Fincher – ou de Tom Hooper, caso ocorra alguma zebra. Para ganhar como Melhor Edição de Som, True Grit tem a tarefa inglória de desbancar Inception ou, em segundo lugar, Unstoppable. O mesmo em Mixagem de Som – tendo, talvez em segundo lugar, após Inception, a rivalidade de The Social Network. Finalmente, em Melhor Roteiro Adaptado, não vejo que os Coen vão conseguir bater o ótimo e, até certa medida, ousado texto de The Social Network. Além dele, que é o favorito, True Grit teria que desbancar o elogiado Winter’s Bone e 127 Hours. Difícil, bem difícil.

Para resumir a ópera, True Grit pode ser um dos grandes perdedores deste Oscar. Não será surpresa se isso acontecer.


FONTE:http://moviesense.wordpress.com/category/cinema-norte-americano/

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