Avaliação: NOTA 9
 
 

De forma discreta, “Um Sonho de Amor” passou pelo Oscar de 2011, indicado a Melhor Figurino, e se escondeu entre as estreias de grandes produções no Brasil. O drama italiano de Luca Guadagnino tem como principal trunfo a atuação esplêndida de Tilda Swinton, que aqui interpreta uma russa que foi parar em uma família tradicional da Itália. O poder da família Recchi é mostrado logo de início, com um jantar de comemoração ao avô onde será nomeado o sucessor dos negócios têxteis comandados pelos Recchi. A princípio, não fica clara a intenção da trama, demorando um pouco para mostrar ao que veio e se apresentar como uma ótima análise sentimental das pessoas modernas.

O documentarista Guadagnino faz sua terceira inserção na ficção, após o irregular “100 Escovadas Antes de Dormir” e “The Protagonists”, de onde conheceu Swinton. A parceria é retomada em um filme cuja sensibilidade é encontrada apenas ao subir dos créditos, no momento em que a estrutura supostamente sólida dos Recchi é derrubada com tantos abalos inesperados que acontecem. “Um Sonho de Amor” fala principalmente sobre paixões.

Durante duas horas de projeção, Guadagnino e sua câmera curiosa guiam o público a todos os detalhes, talvez vícios que o cineasta trouxe dos documentários, mas que aqui se apresentam de forma correta. A câmera percorre as locações buscando ressaltar aquela realidade familiar, ao mesmo tempo que a desconstrói. Guadagnino também se utiliza das distorções de foco para incorporar suas intenções à trama. É inegável a sensação que ele passa ao tirar o foco completo da cena que talvez fosse a mais importante para a protagonista, um beijo, deixando o público ausente daquele momento que era só dela.

Auxiliado por uma fotografia delicada e a composição irretocável da direção de arte (o figurino não chama tanta atenção assim), o longa também ganha pontos pela trilha sonora incisiva, que desaparece nos momentos de maior tensão e dá naturalidade às sequências. Em uma determinada cena no hospital, o silêncio invade o momento dramático durante alguns segundos, para depois nos levar ao desespero do choro de uma personagem.

O cuidado de Guadagnino ao construir o seu próprio roteiro em cena também impressiona principalmente por saber que conta com um elenco cujas funções são desempenhadas com primor. Tilda Swinton, que tem o desafio de atuar apenas em língua italiana, mostra as gradações que sua Emma vive, desde a matriarca apaixonada pelos filhos até a mulher cujo casamento não impressiona mais. Após descobrir que sua filha vive uma paixão secreta, ela mesma se questiona onde está o amor que um dia apareceu em sua vida e a fez se mudar para a Itália e começar uma nova vida.

A relação de Emma com o filho Edoardo (Flavio Parenti)  também serve de contraponto para um momento crucial da trama, quando é preciso saber o que realmente mudou naquele mundo anteriormente preocupado com status social e perpetuação do nome da família. É então que Emma descobre em Antonio (Edoardo Gabbriellini) uma nova oportunidade de se render a uma paixão. Daí sua identificação com a própria filha e, talvez, a compreensão de que o amor pode trazer surpresas para qualquer pessoa.

O roteiro é irretocável na construção de seus personagens, ainda que falhe principalmente por nem sempre deixar as tramas paralelas em harmonia, nos fazendo perguntar por onde anda aquele personagem que parecia tão essencial à trama. A abordagem dos negócios da família Recchi em Londres e as aspirações dos herdeiros também parecem pouco importar e, por não precisar da Emma de Swinton, não são tão interessantes de se ver. Não fosse isso, o longa seria completamente correto em sua proposta.

Com um desfecho epifânico e que revela a sensibilidade do filme de Guadagnino, “Um Sonho de Amor” acerta ao abordar as paixões dentro dos limites de uma família aparentemente solidificada e tradicional. As fugas dos personagens dão à trama o seu charme e direciona o público principalmente a refletir por que se tem tanto medo de sair da zona de conforto quando se está apaixonado. Um drama fortificado pela interpretação de Swinton e que infelizmente passará batido meio a tantas outras opções aparentemente mais interessantes.
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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e professor universitário na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.