Super 8
Um grupo de crianças aventureiras como protagonista funciona no cinema desde The Goonies – e inclusive antes deste clássico da Sessão da Tarde. Resgatando o melhor deste estilo de filme, o diretor J.J. Abrams une em Super 8 a ousadia de um grupo de crianças com os desafios enfrentados pelos adultos que não sabem lidar com o que não entendem. Mesmo com pouca originalidade em tela, Abrams consegue convencer o espectador com um ritmo bacana, uma ótima condução dos atores e um texto onde há poucas sobras. Um filme interessante, ainda que ele perca um pouco da força ao fazer espectadores com uma “certa bagagem” passarem tempo demais lembrando de outros filmes.
A HISTÓRIA: Um funcionário da companhia Lillian Steel troca o letreiro em que aparecem os dias em que a empresa ficou sem um acidente. Depois de 784 dias sem nenhum acontecimento trágico, um acidente mata a mãe de Joe Lamb (Joel Courtney). O garoto está do lado de fora da casa onde a mãe está sendo velada, em um balanço, sobre a neve, apegado a uma joia que ela usava. Dentro da casa, a senhora Kaznyk (Jessica Tuck) olha pela janela e comenta que está preocupada com Joe, porque a mãe era tudo para ele. O marido dela (Joel McKinnon Miller) comenta que o pai do garoto, o policial Jackson (Kyle Chandler) vai conseguir superar a perda e cuidar do garoto, no que a esposa responde que, até agora, ele não precisou ser um pai. Os amigos de Joe comentam sobre a forma com que a mãe do garoto morreu, e Charles (Riley Griffiths) diz que acha que ele não o ajudará mais a fazer o seu filme, que fala de mortos vivos. Pouco depois, Louis Dainard (Ron Eldard) chega ao velório, mas é expulso por Jackson e levado em uma viatura embora. Apesar da perda, Joe vai continuar trabalhando com os amigos para fazer o filme de Charles. Em um dia de gravação, a turma assisti a um acidente de trem e começa a acompanhar, de perto, como estranhos acontecimentos começam a pipocar naquela pequena cidade.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Super 8): Pegue o criador da série-fenômeno Lost e de mais algumas outras séries e produções e junte com o “mago” do cinema Steven Spielberg. Pelo perfil de cada um, o que você diria que poderia surgir desta união? Se você pensou em um filme que fala sobre o fascínio, a força e a criatividade de um grupo de crianças, que tivesse uma boa dose de extraterrestres e/ou sobrenatural e mais uma boa carga de aventura, drama e emoção pueril, bingo! Acertaste na mosca.
O diretor e roteirista J.J. Abrams contribui com a sua própria homenagem ao fazer cinema e seu gosto por extraterrestres enquanto Spielberg parece “levitar” sobre Super 8 com a repetida mensagem da passagem da infância para a vida adulta. Porque este filme, entre outras coisas, é isso: um conto sobre o amadurecimento. (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme).
Logo de cara, somos lançados para o cenário de desolação da família Lamb. E até o último minuto do filme, todos os desafios por que passam os personagens desta história, parecem orbitar ao redor de uma mesma ideia: a de que é preciso amadurecer, superar a perda para seguir em frente. Essa é a essência da história, mas não é a única ideia desta produção. Outro conceito importante é que, assim como Joe precisa aceitar as diferenças entre os pais e aceitar que a mãe foi para não voltar, os “humanos” devem aprender, se preparar e amadurecer na aceitação dos extraterrestres – que, historicamente, simbolizam o “diferente”, o “desconhecido”, aquilo que é estranho e diferente e que precisa ser aceitado se quisermos considerar-nos uma “raça madura”.
Há muito de Spielberg neste filme. Não sei quanto o produtor executivo influenciou nas ideias de Abrams, mas de fato é possível encontrar vários elementos da identidade de Spielberg como realizador em Super 8. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Para começar, o extraterrestre não é um vilão, pura e simplesmente. Se ele faz mal para as pessoas e destrói muito do que vê pela frente não é por maldade, ou por represália ao que fizeram com ele, mas são tentativas dele de voltar para casa e de se defender dos humanos violentos. Impossível não lembrar de E.T. ou, este sim, com roteiro e direção de Spielberg, Close Encounters of the Third Kind. Além disso, há muito de The Goonies, que teve roteiro, produção e edição de Spielberg, neste Super 8. Sem contar o velho espírito de “passagem da vida infantil para a adulta”, que também marca a carreira de Spielberg, estar nesta produção.
Mas além do estilo Spielberg e dos aspectos que eu comentei antes, o que faz Super 8 ser realmente interessante é algo que ocorre “em paralelo” e que integra o espírito da produção desde o início. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Com Super 8, Abrams faz a sua homenagem particular ao fazer cinema. Os garotos que protagonizam este filme fascinam não apenas pelo cuidado com a produção sobre mortos vivos capitaneada por Charles, mas especialmente pelo que produzir aquele filme significa para eles. A produção de Charles une os garotos, tornando-os amigos. Aproxima Joe da garota pela qual ele sempre foi fascinado – e, vamos saber bem depois, chegar perto dela também era um dos grandes propósitos de Charles. O cinema, desta forma, não apenas serve como estímulo à amizade, mas também à descoberta do amor, para a superação de uma perda e para a descoberta de talentos e de uma força individual e de grupo antes desconhecidos. O cinema é a mola propulsora da história e o elo de ligação entre os garotos do filme. Nada mais Spielberg.
Francamente, achei as partes de “passagem da vida infantil para a adulta” e da “necessária compreensão do diferente através da simbólica figura dos extraterrestres” previsíveis. Ainda assim, elas não se tornaram maçantes por causa, justamente, do caldo proposto pela homenagem ao fazer cinema. E também, temos que admitir, pela ótima atuação dos dois atores principais desta produção: Joel Courtney – que me lembrou muito o protagonista de The Goonies, Sean Astin – e a ótima e roubadora de cenas Elle Fanning. Eles conduzem o filme e emocionam, tirando da recriação de ideias batidas em outras produções o sabor de “requentadas”. Junto com outros dos atores jovens da produção, eles são os grandes responsáveis por tornar o filme bacana, divertido, envolvente. Ainda que, francamente, mesmo com a ótima direção com ritmo de Abrams, eles não consigam a mágica de impedir uma e outra “baixada” de interesse da produção. Especialmente quando começam os “discursos” sobre a real motivação do extraterrestre. Mas como esta parte está perto do final, não chega a estragar o filme. E mesmo que as cenas finais sejam o supra-sumo da previsibilidade e do lugar-comum, fomos bem conduzidos até ali. Então é possível ignorar os pequenos tropeços próximos do “the end”, como a técnica burra de captura do extraterrestre e toda a sequência final envolvendo o jovem protagonista e a “ameaça”.
NOTA: 8.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Impressionante essa menina Elle Fanning. Aos 13 anos de idade ela já se firmou como uma das grandes atrizes de sua geração. Até agora, ela participou de impressionantes 33 filmes e séries de TV. E não lembro de tê-la vista mal em nenhuma das produções em que a vi. Mais uma vez ela rouba a cena neste filme, ao lado de Joel Courtney – que, aos 15 anos, estréia em uma produção de respeito, como ator, neste filme. Diz em sua biografia que, antes de estrear como ator, o garoto integrava e competia em um time de natação. Pela estreia em Super 8, arrisco a dizer que ele poderá ser uma bela revelação nos próximos anos. E não por acaso, o filme preferido dele é E.T. Tudo a ver, não?
Agora, se temos ótimos exemplos de atuação por um lado, por outro é possível observar alguns atores “perdido” ou bastante “ausentes”. E não é porque eles tem menos espaço no roteiro, mas porque cada aparição deles é carente de emoção e/ou entrega. O exemplo maior, em Super 8, é do ator Kyle Chandler, que interpreta ao pai de Joe. Não é porque ele vive um pai “ausente” e/ou despreparado que ele deve parecer ausente como intérprete. Parece que ele está o tempo todo “anestesiado” em cena. Uma pena, realmente. E mesmo Ron Eldard, que interpreta ao pai de Alice, parece “despreparado” para o papel. Ambos fizeram um trabalho bastante abaixo do nível que a garotada que aparece na produção conseguiu alcançar.
Como um filme de J.J. Abrams com produção de Steven Spielberg manda, Super 8 é muito bem acabado tecnicamente. A direção de fotografia de Larry Fong é fundamental, especialmente porque grande parte das cenas são feitas de noite. A edição da dupla Maryann Brandon e Mary Jo Markey ajudam a fazer com que o filme tenha o ritmo adequado, com o cuidado nos detalhes. Pela característica da produção, ganha destaque também a equipe responsável pela maquiagem, liderada por Bonni Flowers, Annabelle MacNeal e Rick Pour. Mas o maior destaque deve ser dado para a trilha sonora de Michael Giacchino. Ele faz um grande trabalho, imprimindo o tom dramático e/ou de aventura nos momentos exatos, ajudando o filme a ter o ritmo adequado em cada momento. Um trabalho inspirado e envolvente. Vale lembrar que Giacchino ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora no ano passado pelo trabalho que fez com Up.
São os atores juvenis que se destacam na produção. E isso se explica inclusive pelo mote do roteiro, voltado para este grupo – estrategicamente colocando os adultos em “segundo plano”. Além dos atores já citados, merecem ser mencionados Ryan Lee como Cary, o garoto fascinado por fogos de artifícios e explosões; Gabriel Basso como Martin, o “herói” do filme que está sendo rodado por Charles; Zach Mills como Preston, o coadjuvante/figurante/apoio da mesma produção; Glynn Turman como o esquisito e misterioso professor e ex-cientista Dr. Woodward, que causa o acidente de trem; Noah Emmerich como Nelec, o chefe dos militares que fazem um cerco à cidade em busca do extraterrestres sumido; e Brett Rice como o sheriff Pruitt.
Não parece, mas Super 8 consumiu impressionantes US$ 50 milhões. Certamente grande parte desta pequena fortuna foi gasta nos efeitos especiais e nas explosões realistas que costumam consumir grande parte dos orçamentos deste tipo de produção de Hollywood. Até o momento, o filme foi muito bem nas bilheterias dos Estados Unidos. Em pouco mais de um mês em cartaz, Super 8 havia arrecadado pouco mais de US$ 118 milhões – até o dia 10 de julho. Ajudou nesta cifra o fato do filme ter estreado no dia 12 de junho em nada mais, nada menos que 3.379 cinemas. Um placar para grandes produções, que tem um estúdio como Paramount por trás, sem contar nomes como Spielberg e Abrams atraindo os espectadores – e o dinheiro.
Interessante que esta produção teve uma série de nomes falsos divulgados nos Estados Unidos. Entre eles, Acadia, Darlings e Wickham.
Para quem teve curiosidade para saber onde Super 8 foi filmado, esta produção foi totalmente rodada em Los Angeles, na cidade de Weirton, no estado de West Virginia, com cenas também no restaurante DeStefano’s, em Follansbee e no aeroporto de Ohio.
Super 8 é um balaio de referências a outras produções do cinema. Entre outras, interessante destacar a “homenagem” que Abrams faz para o “mestre dos filmes de terror” George A. Romero. Além do estilo do diretor ficar evidente nos produtos utilizados por Joe, o cartaz de um dos filmes de Romero aparece no quarto do pré-adolescente.
As notas de produção revelam que Spielberg teria sido visto, muitas vezes, no set de gravação. O que explicaria um bocado da influência dele no “espírito” desta produção. Impossível não lembrar de E.T. e The Goonies neste Super 8. Uma prova disso é que o próprio Abrams comenta que esta produção é uma homenagem aos filmes de Spielberg da década de 1970, todos citados neste texto. Acredito que não é por acaso que a história se passa em 1979, justamente no final da década mencionada.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,7 para Super 8. Uma nota muito boa, levando em conta a média registrada no site. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes foram um pouco mais generosos: publicaram 173 críticas positivas e 42 negativas para a produção, o que lhe garantiu uma aprovação de 80% – e uma nota média de 7,4. Logo que eu terminei de assistir ao filme, pensei na nota 8 como uma avaliação justa. Pelo jeito outras pessoas tiveram o mesmo patamar como referência.
Não vou citar trechos inteiros de várias das críticas linkadas no Rotten Tomatoes, mas destaco a linha central dos textos de alguns críticos renomados. Para David Denby, do New Yorker, “Spielberg e Abrams são alvos inocentes de suas próprias ironias”. Por outro lado, Tom Long, do Detroit News, ressaltou os “bons e velhos tempos” comentando: “Lembram dos bons velhos tempos? Esse é um filme que você esperava assistir em um sábado à tarde nos bons e velhos tempos”. Devo dizer que concordo com ambos. Ou melhor, concordo completamente com o que escreveu Dana Stevens, da Slate: “Este pode não ser um clássico infantil que vá durar por gerações, mas ele deve proporcionar uma tarde divertida em um multiplex para crianças da idade de Joe”. Além de concordar com ela de que Super 8 não deverá ter a validade de gerações, a exemplo dos filmes que o inspiraram – especialmente E.T. e The Goonies -, devo dizer que eu acho que este filme de Abrams tem a capacidade de tornar a tarde de muitas pessoas, inclusive de outras idades além daquela do personagem de Joe, divertida.
Não deixa de ser irônico que Super 8 registre, agora, uma nota superior ao clássico The Goonies no IMDb. Ou as pessoas não fizeram a adequada avaliação “temporal” de cada filme – tempo histórico, levando em conta também os avanços tecnológicos e de argumento do cinema -, ou estão supervalorizando o filme de Abrams. Porque, sem dúvida, The Goonies e E.T. são muito mais relevantes para a história do cinema do que Super 8. Ironias das novas avaliações dos espectadores, sem dúvida.
Muito bacana a série de cartazes produzidos para este filme. Alguns são mais conceituais, outros, resgatam ideias de filmes anteriores de Spielberg. Fiquei em dúvida entre dois deles, para decidir qual publicar por aqui. Decidi pelo que abre este post por motivos óbvios… ele lembra demais um filme anterior do produtor e que é homenageado pelo diretor/roteirista de Super 8. Mas há pelo menos um outro, com Alice assistindo a um vagão de trem voando, muito bem feito e bacana. Vale a pena dar uma conferida nas outras opções de cartazes.
CONCLUSÃO: Um filme que rende honras ao cinema, ou melhor, ao ofício e encantamento de fazer filmes, ao mesmo tempo em que resgata a fantasia do desconhecido encarnada em extraterrestres. Mais que isso, Super 8 é a clássica história da peregrinação de um herói por desafios que o levam da inocência, plasmada pela infância, até a vida adulta, representada pela aceitação da perda/morte. Se por um lado esta produção faz um compêndio de várias ideias anteriormente exploradas pelo cinema, por outro ela mostra que o fascínio e o encantamento continuam presentes quando um diretor e sua equipe encontram o ritmo e o tom certos. J.J. Abrams não apresenta um filme surpreendente ou com ideias inovadoras, mas consegue resgatar a essência do cinema em uma produção que conduz os espectadores pela história com facilidade. Mesmo sem ser original, Super 8 é um filme que prende, que homenageia o “fazer cinema” e as descobertas da infância, o primeiro amor e as pazes necessárias entre as pessoas que formam uma família. Boa diversão, apesar de não ser excepcional.
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