segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

[Sucker Punch] Snyder e a

Estrada de Tijolos Coloridos


You, my friend, are a victim of disorganized thinking. You are under the unfortunate impression that just because you run away you have no courage; you’re confusing courage with wisdom” – O Mágico de Oz
por Fábio M. Barreto, de Los Angeles
Somos o resultado inexorável de todos aqueles que ousaram pensar, ou viveram seus sonhos, antes de nós. Isso é fato. Os mitos povoam nossas mentes, nos ensinam limites sociais e delineiam um mundo minimamente organizado no qual o homem reina, apesar de seus muitos desequilíbrios. Muito da mitologia aponta para sujeitos extraordinários, capazes de grandes feitos em nome de grandes causas. O herói. Hoje, militarizado e movido mais à base do sacrifício que da perícia em si, tem uma nova missão: sobreviver às imposições mentais ou fracassos do passado. Aceitamos nossa imperfeição e Hollywood pulou de cabeça nessa nova dinâmica, um verdadeiro reflexo do perfil da juventude sem eira nem beira cujas maiores realizações se limitam a números de devotos num mundo que acaba quando os computadores são desligados. George Lucas foi feliz quando fez Darth Vader dizer: o circulo está completo [...] agora eu sou o mestre. O ciclo que se completa com a estréia de Sucker Punch é a jornada de Dorothy, distante da menina inocente que pegou carona com um ciclone e foi parar em Oz, agora travestida como Baby Doll, um fetiche ambulante, cheia de vontade de viver, mas vítima da maior de todas as corrupções: a da alma. E é contra isso que ela precisa lutar no novo filme de Zack Snyder.
Veja o Especial Sucker Punch do Judão, que veio a Los Angeles entrevistar Zack Snyder e companhia!
Se isso é bom ou ruim, fica a critério do espectador definir. Considerando que mitos greco-romanos e diversas histórias ancestrais ainda são válidos em nossa sociedade, nada mais justo do que considerar a atualidade dos, apenas, 111 de existência de O Mágico de Oz, de L. Frank Baum. Zack Snyder gosta do assunto [leia entrevista exclusiva aqui] e utilizou diversos conceitos mitológicos em A Lenda dos Guardiões, mais uma de suas adaptações literárias, e, logicamente, carregou essa base para sua primeira obra original, Sucker Punch. Uma heroína vivendo num mundo assustador e opressivo – cada uma à sua maneira e intensidade, claro – e encontrando válvulas de escape ou portais com destino a mundos curiosos. Escapismo sim, mas cada uma dessas realidades alternativas é regida pelas mesmas engrenagens opressoras do mundo real, além de serem povoados pelos mesmos personagens familiares à personagem. A diferença é: no plano imaginário, há mais ferramentas, aliados e armas com as quais a protagonista pode interagir.

Esse é o esqueleto de Sucker Punch, mas fica bem escondido atrás da barragem visual, referências à cultura pop, fantasia steampunk numa Guerra Mundial (misturando elementos da Primeira e da Segunda) retro com direito a zumbis, crossovers de elementos ficcionais e mídias que povoa a cabeça de Zack Snyder, finalmente abrindo a guarda e deixando sua imaginação fluir sem ter que respeitar Alan Moore, George Romero ou Kathryn Lasky. Para o Bem ou para Mal, Snyder é a inevitável atualização de Baz Luhrmann, claro, à enésima potência, tanto em conceito quanto em execução. Suas idéias surgem num triunvirato explosivo: cores (ou a ausência delas), câmera lenta e sonoridade impecável. E é daí que surge seu calcanhar de Aquiles, o excesso de câmera lenta; recurso sempre interessante, mas maçante se usado de forma errada. O longa sofre – e muito – com isso, prejudicando suas personagens ao desvalorizar seus feitos, que obviamente serão bem-sucedidos, mas não precisam ser necessariamente repetitivos.
É o verdadeiro balaio de gatos. Garotas bonitas, porém, não sensuais ou desejáveis como se defende, convenhamos; lutas impressionantes com diversos tipos de armas de ataque pessoal e destruição em massa; três níveis de percepção à la A Origem; e uma única certeza: Snyder não abre mão de sua crença, ele quer aqueles que o admiram e nada de concessões aos demais. Baby Doll (Emily Browning, de Desventuras em Série) e Sweet Pea (Abbie Cornish, belíssima emElizabeth: A Era de Ouro) são as únicas personagens relevantes justamente por serem paradoxais ao compartilhar muitos traços e demonstrarem diferenças abissais. Jena Malone se esforça, mas prefiro ficar com a imagem do ótimo trabalho em Donnie Darko. Já Jamie Chung é bela e desperta curiosidade, mas é claramente coadjuvante. Vanessa Hudgens é um erro do começo ao fim, com visual exagerado até mesmo para padrões snyderianos, péssima atuação e uma cena de “explosão emocional” digna de pena pelo fiasco.

Baby Doll vê o mundo à sua volta e procura uma saída. Em princípio física, depois emocional. Nada lhe faz bem, tragédia é seu destino e ela sabe disso a não ser que, nas palavras do Homem Sábio/Obi-Wan Kenobi/Gandalf/[Insira aqui o Mentor Genérico de sua preferência]: “se defenda!” Ela precisa se manter na estrada de tijolos amarelos e salvar suas aliadas do catre, seja ele mental ,no hospício onde realmente está, ou no bordel idealizado por sua mente desesperada. Pacientes ou prostitutas, todas são escravas. Liberdade é o objetivo. Dorothy quer voltar para casa. Baby Doll não tem para onde voltar, entretanto, muitas vezes a jornada é mais importante que o objetivo em si.
A heroína de Snyder se constrói no calor da batalha, artifício usado pelo diretor para impedir que o espectador conheça Baby Doll de verdade. Sabe-se o que ela quer ser, mas sempre há a distância para quem, ou o que, ela realmente é. Uma garotinha assustada e abusada se esconde por trás de seu avatar, de seu perfil heróico para, no fim do dia, encostar a cabeça no travesseiro e chorar até o amanhecer. A única possibilidade de tentar desvendar sua essência está na análise das ações que inspira em suas colegas. Logo, ela é agente transformadora, não sujeito de fato. Sua realidade tem cores menos saturadas e ambiente ultrarealista. Noutra personagem, escondida de forma descarada, há calor visual e aconchego; elementos que casam perfeitamente com seu belo sorriso ou sua melancolia latente.
Esse jogo de esconde-esconde tem como objetivo esconder a natureza do desfecho de Sucker Punch, que mantém um incômodo sentimento de clichê desnecessário ao longo da projeção, mas conclui seu raciocínio de forma lógica e melancólica, num grande momento de John Hamm. Em vez de perguntar o que é real, como os irmãos Wachowsky, Snyder usa seu gigantesco videoclipe/RPG de grande orçamento para colocar outra questão: estamos prontos para lidar com nossas decisões?
Ele responde ao questionamento, entretanto, é preciso enxergar através de sua roupagem exagerada para encontrar tanto a verdadeira história de Sucker Punch quanto a visão de Snyder, guardada no final da estrada de tijolos amarelos do mesmo modo, pela mesma Dorothy, agora modernizada e armada até os dentes. Quem é ela? Assista e descubra.

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