segunda-feira, 19 de dezembro de 2011


O grande limite é um reality show no qual, se você perder, você morre. E pelos reality shows que tenho visto, não seria nada mal se algumas daquelas pessoas morressem ao vivo [risos]. Se a Bachelorette escolhesse alguém em quem ela fosse atirar toda semana, pode apostar que eu seria o primeiro a assistir! – Alan Ball
por Fábio M. Barreto, de Los Angeles
Ouvir as histórias de Alan Ball é sempre uma tarefa interessante por alguns fatores. Ele tem certeza de suas criações, não foge de assuntos controversos e encara seu trabalho, ao mesmo tempo, com seriedade e diversão. Uma boa mescla num mundo pontuado por diretores arredios, estrelas vazias e regido pela mão de ferro dos infames publicists – os gerentes de relações públicas, imprensa e qualquer assunto relativo a imagem – que suplantam até mesmo os assessores de imprensa dos estúdios e canais na hora de guiar seus clientes. Ball se garante e tem conteúdo para manter uma boa conversa, não importa o assunto, contanto que esteja no âmbito da TV. O cara é bom, essa é a verdade. E quem é bom mesmo se destaca nessa mesmice de Hollywood, que está começando a mostrar sinais de cansaço. Mas ele não se preocupa com isso e nem eu, afinal, nosso negócio é bater papo! =D Portanto, esse correspondente, em nome do SOS Hollywood e da Sci-Fi News, teve a oportunidade de conversar, novamente, com o criador de True Blood, que já está envolvido nas filmagens da quarta temporada, que estréia no primeiro semestre de 2011! Esquente sua garrafa de True Blood e aproveite mais esse papo com o mestre dos vampiros para adultos na TV!
Criar cliff hangers ainda é uma obrigação das séries? O final da terceira temporada foi algo muito bem planejado ou vocês meio que tropeçaram nele?
Não foi intencional, aconteceu organicamente. Sempre que criamos histórias busco algo que gosto de chamar de “what the fuck moment/momento PQP!”, onde basicamente quem está olhando pensa: “PQP!”, e sinto que todo episódio precisa de pelo menos um desses, ou não é um episódio digno e fica fácil deixar o espectador indeciso sobre ter gostado, ou não. Então, acho que nosso trabalho como roteiristas é tentar fazer um episódio “PQP!”, com uma base emocional, e dentro do arco da história e da mitologia daquele mundo. Especialmente agora, que o programa continua a crescer, sinto que quando trabalho com os roteiristas, não é suficiente alguém ter uma conversa sincera sobre como ele se sente, eu preciso ver algumas cabeças rolarem.
Reinventar a série a cada temporada é uma preocupação fundamental?
Acho que tentamos não nos repetir. Tentamos muito. Usamos os livros como uma base para o programa, mas os acontecimentos se distanciam especialmente entre os vampiros literários e nossas modificações. Os livros estão centrados em Sookie, contam a história dela. Então, quando ela sai de Bom Temps e ela vai a algum lugar, e ela tem uma história. Nos livros, não vemos Jason, não vemos Sam –precisamos continuar a história e contar quem são eles. Eu não tenho um plano, eu simplesmente tento descobrir qual história que é mais atraente, e com sorte, ela funciona.
A TV é limitadora ou libertadora?
Não sei, quer dizer, podemos contar praticamente qualquer história que der na telha. Contanto que não seja pornográfico; essa é fronteira que ainda não foi ultrapassada. O grande limite é um reality show no qual, se você perder, você morre. E pelos reality shows que tenho visto, não seria nada mal se algumas daquelas pessoas morressem ao vivo [risos]. Se a Bachelorette escolhesse alguém em quem ela fosse atirar toda semana, pode apostar que eu seria o primeiro a assistir! [risos]
Como você separa pornografia do apelo sexual de True Blood?
Pornografia tem a ver com exploração dos corpos. Arte tem a ver com almas. Não estou dizendo que True Blood seja um trabalho de arte, mas estou dizendo que não tem a ver com os corpos, tem a ver com relacionamentos. Parte do que adorei nos livros foi a mistura tão boa de horror, romance, drama, comédia e sexo em Bom Temps. Vampiros são basicamente uma metáfora para o sexo: há penetração, fluidos corporais; uma metáfora extremamente erótica, aliás. E há bastante sexo nos livros da Charlaine Harris. Acho as vidas sexuais dos personagens interessantes, aprende-se muito sobre a psique e alma de uma pessoa através do sexo. Senti que era uma parte muito orgânica e central daquele mundo e tinha que estar lá. Jason é sexualmente compulsivo, porque ele é um menininho traumatizado, e esta é uma história clássica, mas para ter um personagem que é sexualmente compulsivo, é preciso mostrar o sexo, senão, não faz sentido, né? E isso que é interessante nele, que essa é maior fonte de auto-estima para ele.

Balancear o sexo foi algo complicado ou ocorreu naturalmente?
O sexo faz parte dos personagens e de suas vidas emocionais, além de ser parte do apelo da série. Pense bem, Sookie era virgem quando a serie começou e porque não podia fazer sexo? Pois podia ouvir os pensamentos do parceiro. Então o sexo entre ela e Bill foi uma grande parte da historia dela, uma parte importante de seu emocional; novamente, Jason é sexualmente compulsivo, então o sexo terá um papel importante na historia dele. Vampiros são criaturas que são o sexo, basicamente. E parte do que me atraiu no fato da serie se passar numa cidadezinha sulista – e eu sou de uma cidadezinha sulista -, quando se tem aquele puritanismo característico de uma cidade pequena, o sexo acaba tendo uma ênfase muito maior – os americanos não conseguem relaxar quando o assunto é sexo.
É por causa desse “teor incômodo” que True Blood precisa ser mais visceral que, digamos, Crepúsculo?
As fãs Crepúsculo são garotas de 13 anos de idade. Acho que se garotas de 13 anos que assistem Crepúsculo e o tipo de sexo que acontece lá, fossem ver True Blood e o tipo de sexo que há em True Blood, seria traumatizante. Não, True Blood é para um público diferente, True Blood é para adultos. Ponto.
Quando os vampiros deixaram de ser criaturas monstruosas e se transformaram em seres românticos, e adorados?
Bom, muita gente acha que começou com “Dark Shadows” [novela dos anos 60 que será levada aos cinemas por Johnny Depp]. Certamente, houve os livros da Anne Rice e a produção de Drácula com Frank Langella na Broadway, nos anos 70. Acho que houve um ponto em que eles se tornaram heróis românticos, “vampiros relutantes”.
Como manter o suspense se o material base é tão difundido e avançado em relação ao seriado?
Não posso me preocupar com isso, preciso criar um programa e presumir que as pessoas o estão vendo pela primeira vez. Também fazemos algumas mudanças, então não é exatamente igual ao que acontece nos livros. É muito mais fácil, de várias maneiras. O trabalho pesado foi feito. Mas é mais difícil porque não podemos seguir qualquer caminho, porque precisamos permanecer fiéis, até certo ponto, ao mundo dos livros, pois a maioria dos fãs dos livros são fãs do programa.
E isso te libertou para poder fazer as alterações que quisesse? Como, por exemplo, a etnia de Tara e a expansão de Lafayette.
Sim, decidi que Tara seria afro-americana, porque afinal se estamos falando de Louisiana, como não teríamos uma negra? E eu achei que seria mais interessante se Sookie e Tara tivessem essa relação de irmãs, um pouco excluídas do resto da população e não fossem da mesma cor. Sobre Lafayette, na primeira cena que filmei com Nelson, eu sabia que não poderia matar o personagem, ele é fantástico demais. Todo mundo acaba querendo ver Lafayette se dar bem, e a partir do momento que você começa a entendê-lo, pois há uma barreira enorme envolta dele, ele se prostituiu, era um traficante, as coisas mudam. Tudo isso me diz que essa pessoa tem medo de intimidade, então incluímos uma pessoa que o force a ter essa intimidade, e foi aí que Jesus apareceu – e essa história não terminou.
Sua orientação sexual afetou a abordagem do programa? Fez com que True Blood fosse mais liberal e sensível ao homossexualismo? Houve tentativa de censura?
Não sou fã da censura. Cresci sendo gay, então o mundo dos privilegiados caucasianos, heterossexuais, não é o mundo em que eu vivo. Certamente tenho sido mais sensível aos de fora (outsiders). Definitivamente, acho que me influencia, acho que sou mais sensível na abordagem. Lafayette é gay, mas também vemos mais sobre quem ele é, porque pra mim ser apenas gay não é suficiente pra um personagem, não é tão interessante.
Quando o 3D vai chegar à produção de TV?
Adoro o fato de A Origem tenha sido um sucesso sem ser lançado em 3D. A HBO quer fazer uma experiência com 3D, e eu fui abordado sobre isso. A minha impressão é de que, para fazer no programa, teríamos de filmar das duas maneiras, e ter uma versão 3D, e uma versão não-3D, e eu acho que é demais, já é difícil fazer o seriado do jeito que fazemos hoje. Pessoalmente, acho que 3D é interessante, mas é apenas um efeito, entende? Quer dizer, adorei Avatar em 3D, mas no fim, não achei que foi mais como ir a um parque de diversões, não parecia que tinha ido ao cinema. Foi divertido, mas depois você não pensa muito nele. Quase todas as televisões que são produzidas hoje têm um cabo 3D, mas não sei, eu tenho certeza de que se há possibilidade de se fazer dinheiro com isso, então acontecerá.
Por que tantos não americanos no elenco?
Não é intencional. Respondo a atores que são treinados, que tenham técnica, que saibam como ler a cena. Muitos atores americanos são muito atraentes e carismáticos, mas não tem técnica. Quando se faz um filme e tem 2 ou 3 páginas de roteiro, dá para filmar tomada após tomada, e juntá-las para conseguir uma performance. Nós não podemos nos dar a esse luxo, temos que filmar sete páginas por dia. Então, preciso de pessoas que possam entregar uma boa performance, que saibam como atuar na cena logo de cara. O elenco de True Blood trouxe muitas coisas interessantes aos seus personagens.
Quais os critérios para escolher James Frain [Franklin] e Joe Manganiello [Alcide]?
Já tínhamos testado muitas pessoas e eu estava ficando com medo. Então, o James apareceu e leu o texto com sotaque americano, e eu disse “não se preocupe com o sotaque, apenas seja você mesmo” e ele leu. Foi elétrico! E foi isso. Alcide era possivelmente o novo cara romântico da série. Na verdade, Joe veio fazer um teste para o papel de Cooter, e eu me lembro de dizer que tinha que ser Alcide. Precisávamos de alguém que fosse gostoso, bonito, mas que também fosse decente, que tivesse esse heroísmo relutante, ele trouxe isso ao personagem.
Como anda a quarta temporada?
Começamos a filmar agora em novembro. A première acontecerá em junho.
Como você vê o vampiro ideal? É o de True Blood?
Não sei o que um vampiro deve ser, não sei o que é isso. No fim, é tudo faz de conta. Não sei como responder a isso, porque não acho que há algo definitivo no que um vampiro deve ser. Antes dos anos 70, antes do personagem de “Dark Shadows” no final dos anos 60, eles eram monstros, havia sempre um outro cara que estava lá para resgatar a garota. Depois, o vampiro se tornou o herói romântico e tudo mudou.

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