Avaliação: NOTA 1
 


Logo no início de “Filha do Mal”, o público é alertado sobre a recusa do Vaticano em apoiar ou colaborar com a produção do filme, visto seu teor polêmico que envolve exorcismos e as controvérsias religiosas. Até parece que a história apresentará uma trama ousada, passível de condenações, cuja pretensão pode ir além de outros filmes do gênero, como o recente e decepcionante “O Último Exorcismo” e até mesmo clássicos como “O Exorcista” e “O Exorcismo de Emily Rose”. O que acontece durante a projeção é uma compilação de tudo que já foi visto anteriormente, mas com um tom patético inacreditável.

No enredo, conhecemos Maria Rossi (Suzan Crowley) por meio de uma ligação de emergência, onde ela afirma ter matado três pessoas. Ao chegar ao local, a polícia encontra os corpos e prende a mulher. Não demora muito para entendermos que ela participava de um ritual de exorcismo com dois padres e uma freira, que não acabou bem para os religiosos. Considerada inocente no assassinato, Maria é enviada para a Itália para ganhar cuidados médicos e ficar sob tutela da Igreja, que não expõe os casos perigosos de exorcismo. Cerca de 20 anos depois, a filha de Maria, Isabella (Fernanda Andrade), decide realizar um documentário para entender o que aconteceu com a mãe. Isabella então viaja para a Itália e conhece dois padres conhecedores do assunto e que atuam entre a ciência e a religião para salvar vidas supostamente atacadas por demônios.

Não há como apontar onde começam e terminam os erros e o mau gosto de “Filha do Mal”. É tudo tão absurdamente medonho que chega a impressionar. Filmado ao estilo de “Cloverfield: Monstro” e “Atividade Paranormal”, o prólogo muito lembra “REC”, quando a repórter Ángela Vidal, interpretada por Manuela Velasco, acompanha um chamado dos bombeiros. No caso em questão, a equipe da polícia registra as mortes ocasionadas por Maria dentro da casa. Até aí, o filme parecia estar seguro, já que existe tensão nos planos da filmagem amadora e na forma como os cadáveres são encontrados. Mas o roteiro da dupla William Brent Bell e Matthew Peterman, que em 2006 lançaram o péssimo “Stay Alive – Jogo Mortal”, decide inserir a realização de um documentário para estudar o caso.

Dentro da narrativa de “Filha do Mal”, o falso documentário poderia funcionar de forma eficiente se Bell e Peterman fizessem ideia do que fazer com esse gênero. Então além de a dupla não ter muita criatividade para amarrar a história de uma forma aceitável, eles não sabem realizar um falso documentário que é o básico para a proposta desta película. Quem opera a câmera é Michael (Ionut Grama), amigo de Isabella, mas em praticamente todos os momentos as imagens captadas exalam ficção, já que os atores não convencem e a montagem destrói a naturalidade das sequências. Chega a ser risível a forma como os personagens são postos em cena, gerando uma miscelânea de perfis que em nada dá solidez ou credibilidade à trama.

Além da falta de empatia da brasileira Fernanda Andrade como Isabella e dos diálogos constrangedores do roteiro, outro problema do engodo diz respeito aos padres David (Evan Helmuth) e Ben (Simon Quaterman). É bizarra a forma como eles aceitam dar entrevista para o documentário de Isabella, sabendo de suas funções religiosas e mesmo assim chegando a contar segredos para a câmera. Durante a maior parte do filme, eles não se preocupam com possíveis punições da Igreja por colaborar com a investigação de um caso de exorcismo. Quando eles percebem que estão “ajudando demais” e “se expondo”, não demora muito para trocarem a preocupação pelo argumento de que o documentário tem força para convencer a Igreja se cair nas mãos da imprensa.

Nesse meio tempo, vemos Isabella participando de um curso de exorcismo para padres, visitando a mãe no manicômio e sendo desafiada a descobrir a diferença de uma possessão e uma doença mental. A confiança que ela deposita nos padres David e Ben, sem ao menos conhecê-los, é primária, já que eles são apenas alunos do tal curso e suas habilidades são questionáveis. Quando o roteiro decide contar um pouco mais sobre o passado de Ben, já é tarde demais para criar empatia ou antipatia pelo personagem. Ele já se tornou ordinário para a trama.

Não tem como deixar de citar também a resolução do terceiro ato, que mais parece uma brincadeira colegial entre crianças, forçando o público a acreditar que todo e qualquer corpo é passível de possessão demoníaca e que isso pode ser divertido. E mais, a falta de competência dos criadores em fechar as pontas mais simples da trama é absurda. A sonorização do curta também atrapalha a falsa realidade das cenas, sendo pouco compreensível a captação de alguns ruídos pelo material de filmagem de David em suas instalações.

Para não dizer que o filme é um completo fracasso e para justificar a singela nota desta crítica, o longa traz alguns poucos momentos inspirados, como as contorções dos corpos possuídos e a cena de David durante o batismo que, por mais previsível que fosse, cria uma boa tensão. Na sequência final, de concepção interessantíssima, mas tola, a sensação que dá é de choque. Não pela competência da história, mas justamente pelo contrário. Tudo aquilo que foi apresentado é tão estúpido que não demora muito para dar vontade de rir. “Filha do Mal” chega aos cinemas com a única função de deixar saudade de uma época em que não era qualquer um que fazia terror no cinema.
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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), é especialista em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e arte educador na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.