Avaliação: 9
 

Foram sete anos sem lançar um longa-metragem, período aparentemente necessário para Alexander Payne aperfeiçoar ainda mais o seu cinema. Se “Sideways – Entre Umas e Outras” (2004) trouxe um diretor-roteirista quase consciente do nível correto de dramaticidade e comicidade com que deveria balancear em seus trabalhos, “Os Descendentes” demonstra que ele definitivamente encontrou a naturalidade que lhe faltava. Deixando os risos para momentos isolados e apostando em um eficiente drama familiar, Payne entrega um filme comovente que é, sem dúvida, o seu melhor até então.

Quem protagoniza a trama é George Clooney na pele de Matt King, inicialmente um herdeiro sortudo e pai ausente habitante do arquipélago havaiano que logo se vê forçado a mudar sua rotina. Um acidente deixa sua esposa Elizabeth (Patricia Hastie) em coma e as duas filhas do casal sob a sua responsabilidade. Se a mais nova Scottie (Amara Miller) já apronta na escola, a mais velha, Alexandra (Shailene Woodley), faz questão de quase ignorar as tentativas do pai em lhe tratar bem. Mas é um segredo revelado por ela que choca Matt: Elizabeth estava o traindo. A partir de então, o trio, acompanhado de Sid (Nick Krause), amigo de Alex, inicia busca pela identidade do amante, mas eles acabam conhecendo a si mesmos.

Já o público passa a conhecer desde os primeiros minutos de exibição o personagem principal. Com excelentes offs que adentram a cabeça de Matt King fazendo com que ele também descreva toda a situação que está tendo de encarar no momento, o roteiro de Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash (que adaptam o romance de Kaui Hart Hemmings) possibilita uma imediata afeição com esse homem sensível, são e responsável. Diferente dos antigos protagonistas criados pelo cineasta, King é maduro (ao ponto de perdoar um dos responsáveis pelo acidente da esposa), nada trágico, além de ter exata consciência das dificuldades que terá de enfrentar. Na verdade, é nada além de um homem comum, de atitudes que seguem pelo mesmo caminho.

E é com essa simplicidade que “Os Descendentes” nos conquista, nunca fazendo das sequências pouco habituais maiores do que a linda história dessa família imperfeita, assim como qualquer outra. Logo, a busca por conhecer o amante de Elizabeth jamais supera os preciosos minutos de vivência entre Matt, Alexandra e Scottie. Trata-se apenas de um ato de curiosidade de um marido e uma filha traídos, que não entendem porque a esposa/mãe agiu de tal forma. A indignação e a revolta surgem, mas são logo substituídas pela bondade e pelo amor, os quais também, felizmente, impossibilitam estereótipos em relação ao casal de amantes, o que prejudicaria o resultado final do filme.

O roteiro também não força a barra para fazer dessa harmonia entre os King um caso quase impossível. A inicial rebeldia e insensibilidade da primogênita não demora para ser desmascarada em uma linda sequência em que ela, envergonhada por estar na frente do pai, chora debaixo d’água ao receber notícias sobre a nada favorável saúde da mãe. A partir de então, Alexandra transforma-se em outra interessante personagem, revelando-se uma garota já amadurecida e ainda assim jovem, ao ponto de impedir que a irmã assista a um canal pornô para pouco depois soltar o mais cabeludo palavrão, ignorando a idade da menina. Como intérprete, Shailene Woodley faz dela uma adolescente ainda mais carismática e complexa, sendo a não-nomeação da atriz para o Oscar mais uma das imperdoáveis esnobadas da Academia este ano.

Por outro lado, a caçula Scottie funciona como escopo cômico, sempre aprontando, como uma inquieta criança de dez anos. Mas diferente das produções anteriores de Payne, a comicidade é dona de uma naturalidade que pouco deturpa o tom dramático da trama. “Pouco” porque ainda temos Sid, o amigo de Alex, que está ali apenas para exibir sua imbecilidade, ao ponto de achar graça de uma pessoa com Mal de Alzheimer. Trata-se de um personagem desnecessário, ainda que o roteiro busque compensar seu alto grau de ignorância com sequências em que ele conta parte de sua nem tão agradável vida.

Mesmo assim, não há nada que impede que o intenso nível de emotividade da narrativa de “Os Descendentes” seja recuperado, seja por reservar poucos e preciosos minutos para os pais de Elizabeth, seja por explorar, com intensidade, a melhor interpretação de George Clooney em sua carreira. Tendo como principal mérito em sua direção a capacidade de manter o drama e a honestidade da história, Alexander Payne transforma um já ótimo roteiro em um filme sensível, daqueles de fazer chorar, que merece cada menção em premiações que está recebendo.
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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.