quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Cinema independente não existe, diz Herzog
























































Por Fernanda Ezabella (em Los Angeles)

O diretor alemão Werner Herzog, 66, tem dois longas inéditos na manga e um curta que rodou na Etiópia, além de uma ópera montada na Espanha e um livro em inglês, tudo realizado nos últimos 11 meses.

A seguir, leia trechos inéditos da entrevista que o cineasta deu à Folha, em sua casa em Los Angeles, cidade onde mora há cerca de dez anos. Aqui, ele fala sobre Hollywood, reality shows, financiamento de filmes e a busca pelo “êxtase da verdade”.

Como é viver em Los Angeles, onde se concentra a indústria do cinema?
Ela existe, mas não me afeta. Não que eu vá dizer que é ridícula. É como deve ser. Eu amo alguns filmes de Hollywood, como os filmes de Fred Astaire, são alguns dos melhores que Hollywood já criou. Então, tem sua beleza. Mas só por coincidência eu vivo aqui. Não sou parte disso. Hollywood é uma definição cultural. Quando você vê “Transformers” ou “Transporters”, qual é mesmo o nome? Existe uma certa definição cultural ali. E a minha definição cultural é bavariana.

Mas também existem os filmes independentes em Hollywood.
Cinema independente não existe. É um mito. Cinema independente apenas existe nos filmes caseiros, que você faz nas férias, na praia no Havaí, para mostrar para sua família. Todo o resto é dependente, de finanças, sistema de distribuição, mídia, de tudo, dos sindicatos, sindicatos de atores, diretores, roteiritistas.

E quanto aos programas de TV americanos? Li que o senhor gostava dos reality shows.
Não, não vejo nada. Na época assisti ao [reality] da [ex-coelhinha da ‘Playboy’] Ann Nicole Smith. Claro que ela era um fenômeno interessante, porque você tem que pensar em novos ícones de “beleza”, e eu tenho que dizer isso entre aspas. É uma beleza disforme, como os bodybuilders. Quase grotesco. E por causa disso ela era um fenômeno interessante.

O que te faz dizer então que Los Angeles é a cidade com mais substância dos Estados Unidos?
Por exemplo, o Museum of Jurassic Technologies, que provavelmente você nunca conheceu. Foi um homem genial que o fundou, fica no Venice Boulevard e muito do conteúdo do museu é completamente fantástico. E a 30 minutes daqui, em Pasadena, tem um laboratório de aviões a jato, com um centro de controle de inúmeras missões e um arquivo da Nasa com milhões e milhões de coisas preservadas de explorações do nosso sistema solar, da Lua. Los Angeles é cheia de coisas assim. E você encontra aqui os melhores escritores, fotógrafos, músicos, as coisas realmente são feitas aqui. Mas você precisa olhar além da superfície. E eu vivo completamente além da superfície. Por isso as pessoas mal sabem que eu vivo aqui.

O senhor costuma ir com que frequência aos cinemas?
Eu raramente vejo filmes. Nunca vou a nenhuma première de cinema, vejo talvez dois filmes por ano.

Por quê?
Não sei. Não tenho muito tempo de ver filmes. Nos últimos 11 meses, eu fiz dois longas-metragens e um curta na Etiópia. Fiz uma ópera (Parsifal) em Valência, publiquei o livro “Conquest of the Useless” em inglês e trabalhei muito na sua tradução, e agora estou preparando outros projetos. Não sou um workaholic, eu trabalho muito focado e quieto e é isso. Eu nunca fui de ver muitos filmes. Nunca, nunca.

Nem quando era mais jovem e decidiu fazer cinema?
Não, eu não via muitos filmes.

O senhor gosta de dizer que o cinema verdade [vertente do documentário] não vai a fundo na verdade. Mas, ao mesmo tempo, diz que seus documentários não são documentários.
Isso me levaria 48 horas para explicar. Mas, para encurtar, digo que estou atrás de algo diferente do que o cinema verdade, simplesmente porque o cinema verdade é muito baseado em fatos, e fatos não signifcam necessariamente a verdade.

Mas, quando você faz um documentário, você encena, repete as cenas várias vezes. Como acha que está chegando mais perto da verdade assim?
Estou chegando perto da poesia, perto da imaginação, de algo que nos ilumina. E daí temos outra qualidade de verdade nisso, é um êxtase da verdade.

E da onde vêm as ideias para tantos filmes?
Elas sempre vêm até mim, como uma invasão, como ladrões na calada da noite, invadindo uma casa. Agora, enquanto estamos sentados aqui, sete, oito novos projetos estão forçando a porta para entrar. Não é que eu fico planejando uma carreira, eu nunca tive uma carreira. Você vê, outros [diretores] vão atrás de livros best-sellers, recém-lançados, para ver o que dá para transformar em um filme. Eu nunca estive nisso. Mas você pode ficar tranquila, eu tenho muitas histórias boas ainda para contar.

Ficou mais fácil para financiar seus filmes hoje?
Nao. É mais difícil hoje.

Por quê?
Não vou falar da crise financeira, que claro que dificulta as coisas. Mas todos os distribuidores que existiam dos meus filmes, ou as distribuidoras dos meus filmes no Brasil e outros lugares, se extinguiram. E o público quase do mundo inteiro mudou sua atenção para filmes mais como “O Exterminador do Futuro” e menos para filmes como “Aguirre”. Então é uma grande mudança. E agora a atenção é mais para a internet. Mas eu nunca vou reclamar, porque sempre dou um jeito de fazer o meu próximo filme, e o próximo e o próximo.

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