Adele e o dom de fazer homens crescidos chorarem
Eu sei, é feio admitir que há momentos em que desejo que alguns dos meus artistas prediletos levem uma rasteira amorosa, daquelas que deixam nossa alma cheia de hematomas. Mas o que eu, um mero mortal repleto de falhas e de imperfeições, posso fazer, se sei que algumas das canções que tocam incessantemente em meu jukebox mental foram registradas em álbuns de músicos que as compuseram naquela fase clássica da vida em que o amor carcome a sua sanidade enquanto estilhaça seus sonhos?
Sim, por vezes penso como um fã imperdoavelmente egoísta. Mas, em minha defesa, posso argumentar que pés na bunda e ressacas amorosas calejam o espírito e causam feridas que um dia cicatrizam. Porém, álbuns como Blood on the Tracks, Sea Change e 21 (desde já, o melhor álbum do ano) permanecem, como catarses musicais e testemunhos irretocáveis de que há mais gente feito a gente, que amou, sofreu e comeu o pão chocho que o diabo amassou: seco, esturricado, repleto de carboidratos e sem direito a manteiga.
Ao falar sobre o processo de composição de 21, seu segundo álbum, Adele Adkins, esta mesmerizante cantora londrina de voz sinestesicamente iluminada, afirmou, com o peculiar humor dos ingleses: "Sou o oposto daqueles comediantes que são divertidos no palco e depressivos sob portas fechadas. Numa gravação posso até parecer triste, mas na vida real estou bem satisfeita. Só que, quando eu estou feliz, eu não escrevo músicas. Fico lá fora, rindo, vivendo um amor. Eu não teria tempo pra compor. Se eu estivesse casada, chegaria uma hora em que diria: 'Querido, eu preciso me divorciar, já se passaram três anos, eu tenho um disco pra escrever!'".
Pois bem: para a sorte de seus fãs egoístas, Adele ainda não encontrou a tampa definitiva de sua panela. E acabou fazendo de 21 o relato da via-crúcis de expiação de mais um grande amor que se foi. A começar pela sua primeira faixa, sobre uma sensação pela qual todo casal já passou: "poderíamos ter tido tudo". Trata-se da poderosa "Rolling in the Deep", single lançado no final de 2010, que descrevi em texto para o Move That Jukebox como um "soul hipnoticamente contagiante capaz de fazer Berry Gordy Jr. salivar de inveja e admiração, até porque foi gravado por uma inglesa de 22 anos que canta com a autoridade das divas incontestáveis da Motown".
Nas faixas seguintes, Adele amalgama influências de soul, blues, pop e country, com o auxílio luxuoso de produtores do naipe de Rick Rubin e Paul Epworth. O resultado? Canções que deleitam meus ouvidos e ouço em loop há semanas, como "Set Fire to the Rain", "Don't You Remember" e "Turning Tables". Mas a música que devastou minhas defesas e fez com que eu constatasse que Adele é uma mulher para casar, passear de mãos dadas, apresentá-la para os amigos e fazê-los salivarem de inveja é "Someone Like You".
A primeira vez em que Adele cantou "Someone Like You" foi no programa de Jools Holland, em novembro de 2010. Trata-se de uma música que, como observou Larissa Magrisso, é melhor consumir com o coração partido (e uma caixa de lenços ao lado). Adele dirige-se ao seu ex, pois ouviu dizer que ele encontrou uma garota e, agora, é um homem casado. Na letra, ela o chama de "velho amigo", luta contra seus próprios sentimentos ("imaginava que você veria meu rosto e se lembrasse de que, para mim, não está acabado") e sua própria voz expressa isso: há momentos em que Adele parece se debater contra lágrimas que desejam sair. Mas sua voz, doce, dolorida e quase embargada, não esmorece.
No refrão, ela arremata: "Não se preocupe/ Eu vou encontrar alguém como você/ Não desejo nada além do melhor para você também/ Não se esqueça de mim, eu imploro". Curiosamente, é sempre nesse momento que eu, que já assisti a esse vídeo dezenas de vezes, sou vitimado por ciscos que estranhamente caem em meus olhos toda vez que revejo essa interpretação da Adele.
James Corden, que anunciou a apresentação de Adele na cerimônia dos Brit Awards, ocorrida nesta terça, escolheu as palavras perfeitas para falar da cantora que há 3 semanas seguidas lidera o hit parade britânico, e lançará na semana que vem 21 nos Estados Unidos: "Não há nada como a sensação de quando você está ouvindo uma música, escrita por alguém que você não conhece e que você nunca conheceu, mas que de alguma maneira foi capaz de descrever exatamente como você se sentiu em um particular momento de sua vida. Se você alguma vez teve o coração partido, você irá lembrar disso agora."
Torço para que "Someone Like You" receba todo o sucesso que merece ter. Aliás, todas as faixas de 21, que espelham o talento de uma cantora que surgiu para marcar época, com sua voz e o seu jeito natural de ser (o modo como ela age como se fosse uma colegial tímida e desajeitada, enquanto era ovacionada pelo público ao final de sua apresentação nos Brit Awards é simplesmente adorável). Não à toa, Adele me fez adquirir um item que não comprava desde o século passado: um CD.
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P.S. 1: Falei em torcer para que meus artistas favoritos sofram algumas desilusões inspiradoras, mas bobviamente é muito melhor que eles sejam felizes. Por isso, foi bacana encontrar esta matéria sobre uma faixa bônus que não entrou no álbum: "Adele Moves On From Her Ex In '21' Bonus Track 'I Found A Boy'". Espero que a fila tenha andado. :)
P.S. 2: O título deste post foi diretamente extraído de uma matéria que a minha amiga Nathali me encaminhou: "Adele Discovers the Power to Make Grown Men Cry With 'Someone Like You'". Nos áureos tempos do Orkut, eu provavelmente já teria criado a comunidade "Homens que Choram com Adele".
P.S. 3: Sobre o lançamento do novo álbum de Adele nos Estados Unidos, vale a pena ler a matéria de capa publicada pela Billboard, com informações interessantes sobre os bastidores da indústria fonográfica em tempos de iTunes.
P.S. 5: Alguns textos relacionados: Prediletas da casa: "Lama", de Clara Nunes, Dançando com lágrimas nos olhos, 5 grandes baladas nacionais dos anos 00 e Como curar um coração partido através da música?
Amei esse post, parabéns!! Amo Adele!
ResponderExcluirTambém a estou ouvindo há semanas em loop. :D
Andréa