Não Me Abandone Jamais
Longe de ser apenas uma história de amor, o longa é bem mais sobre o ser humano do que parece.
Por mais que tentem explicar a nossa existência neste mundo, acredito que nunca entenderemos ao certo. O que todos sabem é que a vida é apenas uma passagem. O escritor japonês Kazuo Ishiguro escreveu em sua obra que inspirou “Não Me Abandone Jamais” uma história que dá motivo para a existência de jovens que estão no mundo a favor de uma ciência retrógrada, que prega a aniquilação de uns em benefício de outros.
Em uma dessas escolas, os amigos Kathy (Carey Mulligan), Tommy (Andrew Garfield) e Ruth (Keira Knightley) são apenas algumas dessas crianças que vivem enclausuradas e longe da realidade, em um regime educacional rigoroso que as prepara para um futuro amargo. A ficção científica é inserida aqui com muita sutileza. O que importa aqui é ver como aquelas pessoas solitárias crescem esperando por um destino que não pode ser mudado.
O roteiro de Alex Garland cria um universo quase fantasioso para seus personagens. Quando a professora Lucy (Sally Hawkins) é demitida após conversar sobre o futuro das crianças em uma de suas aulas, fica claro que não há outra escolha. O motivo disso tudo não é explorado pelo roteiro, o que é bastante positivo por não procurar justificativas exageradas para isso tudo, ainda que gere um problema ingrato pois os personagens não questionem e apenas aceitem o seu destino. Nesse sentido, a vida do trio segue por caminhos dramáticos, sempre com a certeza de que eles são meros objetos de fetiche médico. Falando assim, até parece que o roteiro os toma dessa forma mais visceral, mas Garland acerta ao humanizar todos os personagens, sem criar vilões abomináveis ou levantar bandeiras sociais.
Com essa trama rica de tristeza, o cineasta Mark Romanek, do ótimo “Retratos de uma Obsessão” e documentarista de estrelas da música internacional, constrói com eficiência o universo dos personagens por meio de uma direção delicada, quase sempre depressiva por sua fotografia desgastada e trilha sonora melodramática, sem a intenção inicial de fazer o público chorar.
O cineasta traz também em seus planos mais abertos a sensação de que o trio vive uma certa plenitude, um certo carpe diem, ao mesmo tempo que parecem perdidos em um mundo que não é deles. Romanek também valoriza os olhares e as dúvidas, sabendo tirar de seus atores diferentes perspectivas sobre seus destinos.
A protagonista Kathy parece ter sonhos (veja quando ela admira rapidamente em uma lanchonete um casal de velhinhos), mas talvez seja a que mais compreende ou aceita a missão. Carey Mulligan, cada vez mais bela e excelente em seus papéis, sustenta o filme praticamente sozinha. Andrew Garfield, que interpreta Tommy, o menino bobo que tem a esperança de que tudo possa mudar um dia, reitera seu talento dramático, sem nunca perder o carisma. Já a personagem de Keira Knightley é arrogante, que teme a solidão e compreende, mas não aceita, o seu destino. Com perspectivas tão diferentes, Romanek nos traz atuações memoráveis e que engrandecem a trama.
O elenco secundário também merece atenção. A maravilhosa Charlotte Rampling interpreta a Srta. Emily, a autoridade máxima para aquelas crianças que desconhecem o mundo real. Vale citar ainda a participação rápida de Sally Hawkins, sempre fantástica, em uma pequena, porém importantíssima participação. Já as crianças Izzy Meikle-Small e Ella Purnell, além das semelhanças com Mulligan e Knightley, sustentam o primeiro ato com muita competência.
Ainda que o roteiro insira próximo ao clímax a necessidade de resolver o triângulo amoroso e desgaste um pouco da trama que até então se mantinha irretocável, “Não Me Abadone Jamais” é um filme que fala principalmente sobre a solidão e sobre a incapacidade de mudar algumas coisas da vida. Esta é uma bela película que injustamente foi desconsiderada nas premiações, mas que deixa sua contribuição entre as grandes histórias que o cinema pôde retratar nos últimos anos. Vale a pena se emocionar!
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Diego Benevides é editor geral, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.
Diego Benevides é editor geral, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.
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