quinta-feira, 17 de março de 2011

Rango

Mostrando medo, delírio, ação, diversão e auto-descoberta no deserto de Mojave, essa homenagem tresloucada aos Westerns marca a estreia de Gore Verbinski no mundo das animações e é um verdadeiro triunfo!
Avaliação: 10


Se Sergio Leone, Clint Eastwood e Alejandro Jodorowsky dirigissem uma animação juntos, o resultado seria bastante próximo deste “Rango”. Uma homenagem um tanto quanto psicodélica aos westerns, a animação inaugural da Industrial Light & Magic (IL&M) laça os adultos pela cabeça e os pequenos pela insanidade, bem no estilo das animações dos anos 1990 da Nickelodeon, não por acaso uma das produtoras do filme.

Comandada pelo multifacetado Gore Verbinski (“O Chamado”, “Um Ratinho Encrenqueiro” e trilogia “Piratas do Caribe”) e escrito pelo irregular John Logan (“Um Domingo Qualquer”, “Gladiador” e “Jornada nas Estrelas – Nêmesis”), este longa se mostra como o melhor trabalho de ambos os realizadores.

Na história, um lagarto de estimação meio louco, cujo círculo social se resume a uma boneca Barbie quebrada, um peixe de plástico e um coqueiro falso com quem divide um aquário, acaba jogado no meio do deserto de Mojave. O desnorteado réptil acaba indo parar na cidade de Poeira, onde percebe que pode ser quem ele quiser, já que ninguém o conhece. O lagarto, então, assume a persona de Rango, um valente e habilidoso pistoleiro.

Após acidentalmente matar uma ave que ameaçava o lugarejo, ele é alçado ao cargo de xerife local. No entanto, Poeira está enfrentando um sério problema de seca (a moeda local) e, após o roubo do restante do estoque local de água, Rango acaba tendo de liderar um destacamento repleto de figuras pitorescas para recuperar a água e salvar a cidade.

Aliás, “pitorescas” é pouco para descrever os habitantes do universo de “Rango”. A começar pelo próprio protagonista, um lagarto em busca da própria identidade. Dublado por Johnny Depp na versão original, a energia excêntrica do ator é refletida perfeitamente pelo personagem.

A busca de Rango por si mesmo e seu lugar no mundo lembra “Edward Mãos-de-Tesoura” e o visual inicial do personagem é claramente inspirado pela versão de Depp para o jornalista Hunter S. Thompson, vivido pelo ator em “Medo e Delírio em Las Vegas”. Interessante notar que uma versão animada de Thompson tem uma ponta no filme.

No elenco da fita se destacam o estranho Roadkill, o animal quase-morto que atua como guia espiritual de Rango em certos pontos do filme; a valente mocinha Ana Feijão, interesse romântico do herói e que fica paralisada quando em momentos de nervosismo; o ganancioso Prefeito de Poeira, com sua busca pelo progresso e pelo poder; e o pistoleiro fora-da-lei Jake Serpente, claramente baseado no vilão Angel Eyes de “Três Homens em Conflito” e que conta com seu próprio código de honra.

Ao povoar a tela com personagens tão marcantes, diversos e complexos, os realizadores transformam esta película em algo além de uma simples homenagem a um gênero, mas em um ótimo exercício cinematográfico. O que mais impressiona é a ambição visual do longa, que rejeita designs “bonitinhos” e se apega a um look diferenciado e estilizado, dotando a película de uma identidade visual única.
Essa característica é ressaltada pela brilhante fotografia do veterano cinematógrafo Roger Deakins (colaborador frequente dos irmãos Coen e recentemente indicado ao Oscar pelo western “Bravura Indômita”). O próprio clima árido do Mojave e a natureza lisérgica do filme são referenciados pela fotografia, em uma mistura com resultados quase oníricos na genial sequência em que surge “O Espírito do Oeste”.

Enquanto os cinéfilos mais velhos ficarão embasbacados com a construção da trama e com as belas referências feitas pelo filme, os pequenos com certeza vão se empolgar com as divertidas e agitadas cenas de ação que permeiam a projeção, dotadas de um dinamismo de tirar o fôlego, com destaque para o ataque dos morcegos.

Assim como Verbinski homenageia diversos nomes do cinema durante o longa, o compositor Hans Zimmer nos presenteia com uma trilha sonora que tem em seu DNA muito de Ennio Morricone, um dos maiores compositores de todos os tempos e responsável por marcar esse gênero cinematográfico nos ouvidos de muitos cinéfilos.
Zimmer jamais se limita a “imitar” Morricone, mas ouvimos em cada acorde da bela trilha sonora de “Rango” um pouco do amor que esse profissional tem para um dos maiores mestres de sua área. Por falar em som, a dublagem nacional da fita é ótima, com profissionais gabaritados e com uma bela adaptação do texto para o português, merecendo palmas pelo trabalho bem feito.

Inteligente e empolgante sem esquecer-se de ser engraçado, “Rango” irá encantar audiências de todas as idades e é uma ótima introdução aos jovens amantes do cinema ao mundo dos westerns, uma homenagem aos heróis do “bangue-bangue” daqueles que já viveram umas primaveras a mais e uma tremenda viagem para todos!

A IL&M já chega ao mercado mostrando para Pixar, BlueSky e DreamWorks PDI que há um novo pistoleiro na cidade. E cuidado para quem passar na frente dele…

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Thiago Siqueira
é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

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